Depois de atrair US$ 35 bilhões (cerca de R$ 175 bilhões) em investimentos já contratados para a descarbonização em 2023, o Brasil se prepara segundo reportagem de Robson Rodrigues, do jornal Valor, para um novo ciclo de aportes bilionários entre este ano e 2026. O setor de energia vai demandar cerca de R$ 225 bilhões em novos investimentos para viabilizar a expansão da geração de eletricidade e redes de transmissão para fazer chegar energia a todas as regiões do país.
O levantamento foi feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculado ao Ministério de Minas e Energia (MME), a pedido do Valor, e mapeou os principais investimentos anunciados e os previstos que serão necessários para atender as necessidades do país.
Para viabilizar a expansão da geração do cenário de referência do Plano Decenal de Expansão (PDE), até o ano de 2031, estima-se que, quase R$ 192 bilhões devem ser captados até o fim de 2026.
Este valor corresponde ao investimento em usinas para geração de grande porte, dos quais 34% correspondem a fontes renováveis, como energia eólica e solar, que atualmente impulsionam o crescimento do setor elétrico brasileiro. O capex deve ser viabilizado, sobretudo, no mercado livre, segmento em que o consumidor de energia elétrica pode escolher o seu fornecedor e estabelecer contratos por fonte, prazo ou preço.
Os outros 66% abrangem tecnologias como a implementação obrigatória de térmicas a gás natural com geração de energia obrigatória em 70% do tempo, em média (a chamada inflexibilidade), por conta da Lei 14.182, que autorizou a privatização da Eletrobras.
Além disso, incluem outras instalações que têm a capacidade de se adaptar à demanda de energia, que tem um papel importante no atendimento à demanda nos horários de maior consumo de energia, destinadas a apoiar o uso de fontes intermitentes, como eólica e solar. Esse suporte visa a garantir o fornecimento contínuo de energia por fontes renováveis, atendendo à demanda de eletricidade a qualquer momento do dia ou da noite.
Nesse contexto, a infraestrutura de transmissão de energia elétrica tem um papel fundamental para aumentar a margem de escoamento da geração renovável para os centros consumidores, melhorar o atendimento regional nos Estados e melhorar a confiabilidade e continuidade no fornecimento de energia às regiões do país. Só em 2023, o Brasil contratou R$ 37,5 bilhões em projetos em dois leilões.
Para os empreendimentos do futuro, a EPE sinalizou um conjunto de obras que serão autorizadas em leilões que resultarão em R$ 32 bilhões de investimentos até 2026 para construção de 9 mil quilômetros, além de subestações. A maior fatia desse montante, equivalente a R$ 23 bilhões (72% do total), está planejada para ser alocada nos certames marcados para em março e setembro de 2024.
O Nordeste abarca quase metade dos investimentos previstos, alcançando R$ 15 bilhões, 49% do total (ver gráfico acima). A destinação desses recursos visa ampliar a capacidade de escoamento de excedentes energéticos e de reforços na região Sudeste, principal centro consumidor do país.
O levantamento foi coordenado pelo presidente da EPE, Thiago Prado, e pela assessora da Diretoria de Estudos de Energia Elétrica da EPE, Renata Carvalho. Eles explicam que o planejamento traça as diretrizes para as políticas públicas com objetivo de explorar a integração na expansão do sistema conforme a demanda cresce.
“Diante da previsão de leilões para contratação de redes de transmissão, do amadurecimento do mercado de capacidade que agrega segurança energética e com a adoção de novas tecnologias, acompanhada da manutenção da expansão de energias renováveis e com o crescente interesse em hidrogênio, o Brasil continua se apresentando ao mundo como uma referência em renováveis e para novos projetos”, diz Prado.
Em 2023, o BNDES aprovou R$ 20 bilhões em operações”
— Luciana Costa
“A integração do planejamento da geração e transmissão de energia é peça-chave para a renovabilidade da matriz elétrica brasileira, com segurança e confiabilidade, ao menor custo para o consumidor”, acrescenta Carvalho.
Por outro lado, o presidente da consultoria PSR, Luiz Barroso, lembra que as termelétricas previstas na lei da privatização da Eletrobras são “Jabutis” – como é apelidado esse tipo de adição a projetos de lei – inseridos pelo Congresso que podem custar caro aos brasileiros.
“O montante de investimento é muito significativo, o que mostra que o Brasil é um ótimo país para absorver fluxo direto de capital (…). Pelo lado do consumidor, todo investimento vira tarifa e, investimentos que não se justificam economicamente pela ótica do planejamento, acabam onerando desnecessariamente o custo da energia ao consumidor final”, diz.
As empresas já se mobilizam para colocar de pé os projetos. O anúncio mais recente foi da Casa dos Ventos, que vai investir mais de R$ 12 bilhões até o fim de 2026 para suportar o ciclo de expansão dos negócios da companhia. Nos planos da empresa está ainda aprovar os primeiros projetos solares que devem somar cerca de 1 gigawatt (GW) de capacidade instalada.
O capital chinês fica por conta principalmente das estatais controladas pelo governo de Xi Jinping, sendo o maior deles o da State Grid, empresa que conquistou 80% do último leilão de transmissão. A assinatura do contrato deve ocorrer em abril, com investimentos acima de R$ 18 bilhões.
A Petrobras busca projetos prontos de energia renovável para “ganhar tempo” na transição energética e está analisando 45 memorando de entendimentos. A estatal também fechou recentemente parceria com a fabricante de equipamentos WEG para colaborar no desenvolvimento da cadeia produtiva do setor eólico no país.
Ao Valor, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, lembra que em março de 2024 a pasta promoverá outro megaleilão, que somados aos certames já realizados em 2023, totalizam mais de R$ 60 bilhões na expansão da rede de transmissão. Nos cálculos do órgão, cada real investido nessa infraestrutura deve destravar cerca de R$ 3 em investimentos em geração renovável, sobretudo no Nordeste.
“Vamos imprimir mais dinamismo ao ambiente de investimentos nos próximos anos. O Brasil é um dos mercados mais atrativos para investir na transição energética, pela qualidade dos seus recursos energéticos, mas também pela estabilidade regulatória e segurança jurídica”, diz Silveira.
Dado o caráter intensivo em capital dessa indústria, a incerteza concentra-se na viabilidade financeira dos projetos. Nessa perspectiva, os bancos de fomento desempenharão um papel crucial. Luciana Costa, diretora de Infraestrutura e Mudança Climática do BNDES, frisa que o banco é o principal financiadora global de energias renováveis, com conhecimento no setor, comprometendo-se a apoiar as iniciativas. Nesse contexto, a principal via de financiamento do banco permanecerá focada em energias renováveis destinadas ao mercado livre de energia.
“O setor de transmissão é maduro, provado e capaz de obter financiamento por conta própria a custos competitivos. No entanto, o Brasil é um país volátil e vê o mercado de capitais abrir e fechar constantemente. Por isso, o banco está se preparando para fornecer financiamento. Em 2023, o BNDES aprovou R$ 20 bilhões em operações abrangendo transmissão, distribuição e geração de energia, incluindo térmicas a gás. A exceção são projetos de carvão”, afirma.
Outra questão é que diversas instituições requerem que os projetos possuam contratos de longo prazo como garantia, ao passo que o BNDES não impõe tal condição. O banco tem adotado instrumentos do mercado de capitais, auxiliando na atração de investimento privado, e opta por cofinanciar projetos para dividir riscos. “Em momentos em que o mercado está fechado, como no primeiro semestre de 2023, a gente entra para fazer um grande financiamento só com o nosso balanço”, diz Costa.
Para o chefe de pesquisa para a América Latina na BloombergNEF, James Ellis, o Brasil foi responsável por 82% do total de novos investimentos em energia limpa na América Latina em 2023, atraindo um montante de US$ 25,4 bilhões. Esta combinação de investimentos está voltada para energias renováveis e infraestrutura de redes elétricas (transmissão e distribuição). Devido a esse substancial volume de aportes, o país conta com um extenso pipeline de projetos renováveis financiados até o ano de 2030.