Fenômeno visto no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina tem relação direta com as queimadas e pode se repetir em outros três estados – Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul – neste fim de semana. A empresária Daniela Moreira Jardim, 40, levou um susto na última quinta-feira (12) ao notar que uma chuva de coloração escura e incomum caia na cidade. Moradora de São José do Norte, no Rio Grande do Sul, ela e a família costumam colocar baldes limpos e vazios no quintal para captar água da chuva e então utilizá-la em afazeres domésticos. Mas para a surpresa deles, dessa vez a água estava preta.
“A gente nunca viu algo parecido, soubemos que era essa chuva preta por causa da mídia. A piscina também ficou toda preta, parece que tem lama ou barro no fundo de tão escuro que está. A princípio a gente ficou assustado porque não sabemos o que está por vir, já sofremos com as enchentes e agora vem tudo isso em relação às queimadas. O coração fica bem apertado”, diz a empresária.
Na sexta-feira, a chamada chuva preta pôde ser observada em municípios gaúchos como Porto Alegre, Pelotas, Arroio Grande, São Lourenço do Sul, São José do Norte e Alegrete e em cidades de Santa Catarina como Florianópolis, Maravilha, Chapecó e Bom Jardim da Serra.
Outros três estados – Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul – podem registrar o fenômeno neste fim de semana, segundo alerta emitido pela MetSul Meteorologia.
A tal “chuva preta” ou “chuva escura”, que assustou e chamou a atenção dos moradores do sul do país, acontece quando as partículas de fumaça que estão acumuladas na atmosfera se misturam com a umidade do ar, formando nuvens carregadas de poluentes e tornando a chuva preta ou marrom.
“Os principais fatores para a ocorrência desse fenômeno são as queimadas e a poluição industrial. No nosso caso, a ocorrência está relacionada, principalmente, à presença de partículas de poluentes, fuligem e fumaças que estão suspensas no ar devido aos incêndios que vêm ocorrendo em quase todo o país”, explica Rafael de Ávila Rodrigues, professor e climatologista do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Catalão (UFCAT).
Desde o início deste ano, o Brasil já registrou cerca de 180 mil focos de incêndio, segundo dados do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A situação tem deixado diversos municípios encobertos pela fumaça.
Países vizinhos, como Bolívia e Paraguai, também estão em situação crítica devido aos incêndios e à fumaça.
“Uma frente fria que entrou pelo Rio Grande do Sul trouxe chuvas que, devido à poluição atmosférica, gerou essa chuva preta. Agora essa frente fria está avançando pelo país, podendo fazer com que o mesmo ocorra em outros estados”, acrescenta Cleber Souza, meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Os especialistas ouvidos pela DW explicam ainda que a chuva ajuda a limpar a atmosfera, melhorando a qualidade do ar. Por isso, nas cidades em que a chuva preta foi registrada, a coloração da água melhorou com o passar das horas de chuva.
No entanto, eles alertam que se os incêndios não diminuírem, o fenômeno poderá acontecer outras vezes.
Água é imprópria para consumo
A presença de fuligem na atmosfera, que afeta a coloração da chuva, pode trazer consequências para a saúde. Por ter partículas poluentes, essa água é imprópria para consumo humano e animal, sendo importante lavar os recipientes que tiveram contato com ela.
Além disso, segundo os especialistas, ela também pode contaminar o meio ambiente. “Para o meio ambiente pode ser prejudicial ao crescimento e desenvolvimento das plantas, liberando substâncias tóxicas. Além disso, corpos d’água como rios e lagos podem ser contaminados, afetando a fauna aquática e a qualidade da água para consumo”, afirma Rodrigues.
Pesquisadores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) coletaram amostras da “chuva preta” em Porto Alegre na quinta e sexta-feira.
“A água estava bem escura e com muitas partículas densas. A concentração de partículas sólidas era sete vezes maior do que o registrado em chuvas normais”, explica Louidi Lauer Albornoz, coordenador técnico do IPH.
A análise ainda é preliminar e os resultados completos do estudo devem ser concluídos na próxima semana.
“Queremos ver se há metais tóxicos e organismos patogênicos nela”, acrescenta Albornoz.
A “chuva preta” não é comum no Brasil, mas já ocorreu outras vezes, como em 2020, quando partículas de fumaça dos incêndios no Pantanal se estenderam até Santa Catarina, ocasionando o fenômeno no oeste do estado.
Em agosto de 2019, as queimadas na Amazônia também escureceram a água da chuva em São Paulo (SP).
Orientação à população
A Defesa Civil de Santa Catarina e o governo do Rio Grande do Sul emitiram comunicados orientando a população a tomar cuidados especiais diante dessa situação. Entre as principais recomendações estão:
Evitar exposição à chuva, permanecendo em locais fechados sempre que possível.
Não utilizar a água da “chuva preta” para consumo, higiene pessoal ou atividades domésticas.
Fechar portas e janelas para evitar a entrada de fuligem nos ambientes.
Utilizar máscaras ou lenços para proteger nariz e boca, especialmente em pessoas com problemas respiratórios.