Para carregar uma bandeira com o nome do candidato a vereador José Américo (PT) durante eventos de campanha de Guilherme Boulos (PSOL), em São Paulo, Maria Aparecida, de 56 anos, recebe uma diária de R$ 100. É a terceira vez que a mulher, que está desempregada, trabalha em campanhas eleitorais. No Rio, a indicação de uma amiga fez com que Letícia de Lima, de 26 anos, carregasse a bandeira da candidata a vereadora Vera Lins (PP) em troca de R$ 750 quinzenais, mostrando que a eleição pode significar oportunidade de trabalho ou renda extra para quem precisa.
Esse “mercado eleitoral” é regulamentado pela lei e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que fixa o número máximo de cabos eleitorais que cada candidato pode contratar, de acordo com o cargo almejado e com a população de cada cidade. No Rio, por exemplo, os candidatos a prefeito podem contratar até 5.279 cabos eleitorais, enquanto em São Paulo o limite é de 9.592 contratações. Já para postulantes ao Legislativo municipal, na capital fluminense o máximo de cabos eleitorais que pode ser contratado é de 2.640, e na capital paulista é de 4.796.
Em relação às remunerações, o mercado é livre e os valores variam bastante. Há contratações por diárias — que vão de R$ 50 até R$ 150, segundo o que a reportagem ouviu nas ruas de São Paulo e Rio de Janeiro — por semana ou pelo período integral da campanha. Aqueles que coordenam os cabos, organizando as caminhadas e dando ordens, ganham mais. As cargas horárias também variam: há casos em que os cabos eleitorais são contratados para trabalhar quatro horas por dia. Em outros, não há carga horária delimitada, depende da duração das agendas. É comum que haja transporte para levar e buscar os trabalhadores nas agendas de rua, e fornecimento de almoço ou lanche, mas não é regra.
— Um cabo eleitoral pode ser voluntário ou pago, e o trabalho é livremente convencionado entre as partes: às vezes você tem a pessoa coordenadora, tem quem só cuida da bandeira, quem entrega adesivo, panfleto. O valor pode acompanhar a responsabilidade. Tudo tem que ser declarado nos gastos de campanha, com as informações dos prestadores de serviço, locais, horas trabalhadas. Normalmente, é feito um contrato onde valor, função e horas trabalhadas são definidas. Outra coisa importante é que não gera vínculo empregatício, e tudo tem que ser pago pela conta bancária registrada no CNPJ da campanha — explica Carlos Henrique Brinckmann, advogado membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
Letícia de Lima recebe R$ 750 quinzenalmente. Ela é uma mulher trans e destaca que sente dificuldade em ser aceita pelas empresas. Por isso, vive de freelances. Durante o Carnaval, ela costuma trabalhar como aderecista no barracão de Vila Isabel, na Zona Norte do Rio. A mulher diz que, apesar de ter procurado a vaga por necessidades financeiras, participa da campanha eleitoral entusiasmada. Ela é responsável por carregar a bandeira da candidata, de domingo a domingo por 6h diárias na região de Madureira, Zona Norte, e a campanha custeia sua alimentação e transporte.
— Essa foi a maneira mais fácil de fazer uma renda. Eu sempre trabalho no Carnaval, mas o dinheiro não rende o ano todo. Eu vim por necessidade, mas realmente acredito na Vera Lins. Não faria campanha para políticos que não concordo — conta Letícia.
Estudante de medicina, Thayssa Vianna, de 27 anos, está desempregada e tem dois filhos gêmeos de 7. Em busca de conseguir conciliar a vida profissional com a rotina familiar, a jovem encontrou, por meio de uma amiga, a oportunidade de trabalhar apenas 4h diariamente na campanha da candidata a vereadora Barbara Barros (PT). Recebendo R$ 50 por dia, Thayssa, moradora da Praça Seca, na Zona Norte, tem seu ponto fixo em Madureira, na mesma região.
— Eu fico das 10h às 14h trabalhando e tenho hora de almoço. Nos mandam em dupla, aí sou sempre eu e mais uma moça. Nós alternamos entre a panfletagem e ficar segurando a bandeira. O trabalho é de domingo a domingo, mas a rotina costuma ser tranquila, menos quando lidamos com a falta de educação de algumas pessoas que não apoiam o partido e descontam em nós.
Em São Paulo, Maria Aparecida, que trabalha por diária, mostra que nem sempre a função está atrelada ao apreço pelo candidato. Apesar de trabalhar em caminhadas de Boulos e agradecer a renda extra, de R$ 100 por dia, ela revela sua vontade de conhecer Tabata Amaral (PSB), que veio de seu bairro, a Vila Missionária, Zona Sul da cidade.
— Eu queria trabalhar para ela, né, mas surgiu a oportunidade de trabalhar para esse candidato a vereador, eu aceitei. Eu também gosto dele — contou a mulher, que cuida dos netos e usa o dinheiro para pagar as contas de casa. Ela ficou sabendo da vaga por meio de conhecidos do bairro, e já é a terceira vez que atua em campanha política.
Já o assistente social Freitas, de 68 anos, foi contratado pela campanha de Boulos, e fechou um pacote de R$ 1.700 por mês, para trabalhar até o dia 5 de outubro, quatro horas por dia. Ele conta que ficou sabendo da vaga por meio de uma ONG na qual trabalha, e em 2022 atuou como cabo eleitoral na campanha de Lula (PT). Um ônibus que o busca e leva até as agendas, sempre na região do Centro, e também há fornecimento de alimentação.
— Eu acho bom, o que estiver pagando, eu estou fazendo. Mas é difícil porque tem muita rejeição, tem muito xingamento na rua. Alguns são simpatizantes, é claro, mas recebo xingamentos. Mas a rotina é tranquila, quatro horinhas por dia, sempre aqui no Centro que é onde eu moro, não dá para reclamar — conta.
As vagas para trabalhar em campanhas são divulgadas por meio de grupos de WhatsApp e Facebook, em movimentos sociais e ONGs e nos bairros onde os candidatos vivem. As exigências geralmente são poucas: que a pessoa tenha CPF válido, e conta bancária aberta. Em alguns casos, pede-se que os interessados não sejam beneficiários de auxílios como o Bolsa Família. O GLOBO também identificou pessoas que atuam de forma voluntária.
Pagamentos mais robustos
Enquanto a média de pagamento da maioria dos partidos varia entre R$ 1.400 e R$ 2 mil por colaborador, para trabalhar na campanha de Alexandre Ramagem (PL), candidato à prefeitura, Michele Silva, de 41 anos, receberá R$ 3.690 por 45 dias. Questionada pelo O GLOBO sobre a rotina de trabalho, a mulher não deu muitos detalhes e alegou que a supervisão da campanha não permite interações durante o horário de expediente.
— Eles ficam supervisionando, então não posso ficar conversando. Daqui a pouco eu vou olhar o grupo de conversas no aplicativo de mensagens e vão ter mandado um vídeo meu batendo papo com você em vez de trabalhando — confessa Michele.
Para atuar na campanha do candidato a reeleição, o prefeito Eduardo Paes (PSD), a estudante Maria Silva, de 26 anos, recebe R$ 5.100 por 45 dias trabalhados. Maria faz panfletagem e “bandeiragem”, principalmente no Centro do Rio, perto de onde reside.
— Nós recebemos alimentação e passagem, então é uma oportunidade bem legal. Acho o trabalho tranquilo e me fez sair dessa zona do desemprego — diz Maria, que preferiu não dar mais informações sobre o expediente.
Em São Paulo, Thais Mileni, de 34 anos, disse ganhar R$ 1.600 para trabalhar por um mês, até o dia 5 de outubro, de terça a domingo. Ela vive em São Miguel Paulista, Zona Leste, e carrega bandeiras em atos de campanha de Ricardo Nunes (MDB) em todas as regiões da cidade — um carro a leva até os locais, e ela também ganha almoço. Para ela, é uma renda extra, já que também atua como assistente social.
— Eu acho muito bom, é uma renda extra, e pra mim é quase um hobby, porque eu adoro o Ricardo, é o melhor prefeito que nossa cidade já teve. Eu aproveito e já ajudo ele a ganhar — contou a mulher, enquanto aguardava para se aproximar do prefeito durante uma caminhada em Itaquera, nesta quinta.