Em meio à indefinição da alíquota de taxação de compras do exterior no âmbito do programa Remessa Conforme, varejistas brasileiras articulam e encabeçam a ofensiva para tentar garantir a aprovação na Câmara dos Deputados de um projeto de lei que acaba com a isenção de até US$ 50 para importações.
O movimento é suprapartidário, com apoio de deputados do PT, PP, PSD e PL, mas pode enfrentar resistências na opinião pública, assim como já ocorreu quando o governo acenou para uma proposta dessa natureza nos primeiros meses do ano. Com informações de Marcelo Ribeiro e Raphael Di Cunto, do jornal Valor.
A repercussão negativa fez com que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ordenasse ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que desistisse da tributação. No lugar do plano original, a equipe econômica formulou o Remessa Conforme, cujo objetivo é regulamentar compras em varejistas estrangeiros.
A medida, no entanto, não solucionou o impasse. Isso porque compras de até US$ 50 feitas por empresas que aderiram ao Remessa Conforme estão isentas. A Receita Federal planeja fixar uma alíquota, mas isso só deve ocorrer quando o programa atingir 100% das compras declaradas – a previsão é que esse patamar seja alcançado até o fim do ano.
Provocados por varejistas nacionais, parlamentares de diversas frentes passaram a se movimentar para tirar do papel uma proposta que acabe com a isenção aos importados, ideia semelhante à cogitada no início do ano. A avaliação é que Lula teria preferência por uma iniciativa que partisse do Congresso para que um texto considerado impopular não tenha a digital dele e do Poder Executivo.
Vice-presidente da Frente Parlamentar do Empreendorismo (FPE), o deputado Zé Neto (PT-BA) afirmou que o recuo momentâneo do governo fez com que os parlamentares buscassem alternativas mais céleres. “Estamos trabalhando esse tema de forma suprapartidária na Câmara porque as pessoas ainda não se atentaram no impacto que isso terá na economia. Não são só as grandes varejistas as prejudicadas. Os pequenos comércios nas cidades menores estão sendo destruídos e isso afeta toda a economia local”.
Relator de uma proposta sobre esse tema, o deputado Paulo Guedes (PT-MG) afirmou ao Valor que pretende ter novas conversas com integrantes da equipe econômica nesta semana, entre eles, o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas.
Paralelamente, o parlamentar manterá conversas com colegas da Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara, primeiro passo da tramitação do texto, para tentar construir um ambiente mais favorável para a votação.
O petista diz ainda não ter fechado números de seu relatório e que esses dados devem ficar mais claros após a nova rodada de conversas com auxiliares de Haddad e com colegas do Legislativo.
Apesar das indefinições em torno de seu parecer, Guedes disse ao Valor que deve apresentar seu relatório à CFT nos últimos dias de novembro. A expectativa é que os colegas do colegiado peçam vista para ter mais tempo para analisar o projeto.
No cenário mais otimista, ele espera garantir a aprovação do parecer às vésperas da virada do mês. No pior dos cenários, o petista acredita no avanço na semana entre 4 e 8 de dezembro.
Com caráter conclusivo nas comissões, o texto não precisará ser analisado pelo plenário da Câmara para seguir para o Senado. Após avançar na CFT, o projeto ainda será apreciado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Os representantes do governo sugeriram à comissão esperar as conclusões do Remessa Conforme para decidir qual a alíquota ideal diante do volume de transações. Guedes se reuniu pessoalmente com Barreirinhas há duas semanas para discutir o projeto.
Nota técnica interna do Ministério da Fazenda sugeriu a taxação em 28%, o que permitiria arrecadar cerca de R$ 2,8 bilhões em 2024 com essas vendas. A equipe econômica estima queda nessas operações entre 30% e 70% quando passar a ocorrer a tributação.
Os empresários brasileiros reclamam que a concorrência é “desleal”, provoca queda de arrecadação para o governo brasileiro e que mesmo a alíquota de 28% seria insuficiente para garantir uma “concorrência justa”. “Não podemos submeter o País à entrada de tantos produtos sem pagar imposto. Não dá pra suportar”, afirmou o presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), Jorge Gonçalves Filho, em audiência pública na comissão.
Ele defendeu que a alíquota do Imposto de Importação precisa ser de 74,2% para um equilíbrio entre as empresas no Brasil e os e-commerces internacionais. Antes do lançamento do Remessa Conforme, a taxação sobre importados era de 60%, mas quase ninguém pagava porque empresas utilizavam uma brecha na legislação para se beneficiar de uma isenção originalmente prevista para transações entre pessoas físicas.
Ao colegiado, o diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), Henrique Lian, criticou o “protecionismo local” e afirmou que quem pagará a conta do fim da isenção é o consumidor. “As indústrias nacional e estrangeira deveriam oferecer produtos de qualidade a preços que os brasileiros podem pagar. Se querem isonomia, que peçam a diminuição dos impostos, sem repassar custos para o consumidor pagar”, disse.
Autor de projeto de lei para aumentar a faixa de isenção de US$ 50 para US$ 100, o deputado Luiz Phelippe de Orleans e Bragança (PL-SP) afirmou que o contrabando e fraudes aumentarão muito se a taxação incidir sobre as compras menores. “Ao invés de tentarem resolver os problemas do sistema tributário, eles penalizam o consumidor, que vai procurar alternativas no contrabando ou deixar de comprar”, disse. Para o parlamentar, a fiscalização já tem um alto custo e exigirá ainda mais recursos. “O governo deveria focar o monitoramento em quem está realmente cometendo falcatruas”, opinou.