terça-feira 19 de novembro de 2024
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso (à esq.), e o corregedor do CNJ, Luis Felipe Salomão — Foto: Cristiano Mariz/O Globo e G. Dettmar/Agência CNJ
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quarta-feira 17 de abril de 2024 às 16:36h

‘Bronca’ de Barroso em corregedor do CNJ ameaça trégua no Supremo em torno da Lava-Jato

JUSTIÇA, NOTÍCIAS


A bronca que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, deu no corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luis Felipe Salomão, que afastou da função por liminar dois juízes e dois desembargadores da Lava-Jato, foi vista por interlocutores do presidente do Supremo como uma resposta ao que ele chama de instinto de “vingança” contra a operação.

Durante a discussão sobre a liminar, Barroso, que também preside o CNJ, afirmou que a decisão tomada por Salomão foi “ilegítima e arbitrária”, e pediu vista quanto ao pedido de abertura de processo disciplinar contra os magistrados. O entendimento do ministro do Supremo em relação à nulidade do afastamento dos juízes federais Gabriela Hardt e Danilo Pereira Júnior foi acompanhado pela maioria do conselho.

Já os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) Carlos Eduardo Thompson Flores e Loraci Flores de Lima continuam afastados. O placar do CNJ neste caso foi de 9 votos a 6 pela restrição aos integrantes do TRF-4.

Hardt foi a juíza substituta da 13ª Vara de Curitiba, responsável pela operação entre 2019 e 2023.

Ela foi acusada de homologar a criação de uma fundação privada pela força-tarefa para receber e administrar recursos provenientes de multas pagas pela Petrobras na Lava-Jato.

Depois de ter sido incluída no acordo da petroleira com o Ministério Público Federal (MPF) com o aval de Hardt, a fundação foi suspensa por ordem do ministro do Supremo Alexandre de Moraes em 2019.

Os desembargadores, por sua vez, foram punidos por, segundo Salomão, terem votado pela suspeição do então titular da 13ª Vara, Eduardo Appio, poucas horas após o ministro do STF Dias Toffoli anular as provas provenientes do acordo de leniência da Odebrecht – que foram usadas pelo TRF-4 no julgamento do magistrado.

“Acho que ele chegou num limite”, disse um aliado de Barroso no Supremo. A gota d’água foi o fato de Salomão ter feito o afastamento de maneira monocrática – algo encarado pelo presidente do STF como uma demonstração de que o corregedor cruzou uma “linha vermelha”.

Prova disso seria o vocabulário escolhido pelo presidente do STF. Nos 30 minutos de discurso, além de clasificar a decisão de Salomão como “ilegítima” e “arbitrária”, Barroso também disse que ela seria “desnecessária”, “sumária” e “prematura”, e que chancelá-la representaria uma “injustiça, quando não uma perversidade”. Ele mesmo admitiu, ao final do voto pela derrubada do afastamento dos magistrados, que se posicionou com “veemência”.

Barroso também acusou a corregedoria-nacional do CNJ de adotar “dois pesos e duas medidas” para embasar o afastamento dos desembargadores, acusados nas reclamações disciplinares de terem descumprido decisões do STF.

O exemplo seria o julgamento de um caso do juiz Eduardo Appio, que também atuou na Lava-Jato e foi alvo de uma apuração do CNJ por denúncias de irregularidades graves, e mesmo assim não afastado da magistratura.

Appio fez um acordo com o CNJ e foi transferido da 13ª Vara para uma unidade previdenciária de Curitiba em outubro do ano passado.

O ministro ainda falou em “exigência diabólica” ao rebater as alegações do corregedor para punir também, na mesma decisão, o juiz Pereira Júnior, atual titular da vara, afastado por votar como juiz vogal – convocado de última hora para substituir um juiz do TRF-4 —no julgamento que, segundo Salomão, teria desrespeitado a decisão do Supremo.

Neste ponto, o presidente do CNJ também criticou indiretamente a tese de Salomão ao declarar, “sem cultivar ironia”, que o afastamento dos magistrados ia “frontalmente” contra a jurisprudência do próprio STF.

E torpedeou a decisão monocrática de Salomão por ter sido assinada um dia antes da sessão colegiada do CNJ já prevista na agenda do colegiado.

Após sustentar que o afastamento monocrático de magistrados só pode se dar em casos “absolutamente excepcionais” e urgentes, Barroso reclamou que o material que embasou a decisão do corregedor-nacional só foi disponibilizado na véspera da sessão e que nem um “super-homem” teria tido tempo hábil para analisar as provas e os documentos relacionados.

“Se alguém aqui conseguiu pelo menos folhear 1160 páginas de correição, 146 páginas de relatório e 26 horas de gravação… E teve menos de 26 horas da decisão [de Salomão] para cá”, alfinetou.

O contexto das reclamações disciplinares contra magistrados da Lava-Jato já havia provocado um bate-boca público entre Barroso e Luis Felipe Salomão em uma sessão do CNJ, em fevereiro. Na ocasião, no entanto, o entrevero ocorreu por divergências quanto ao rito do colegiado para avaliar o caso. Desta vez, o tiroteio se deu por conta do mérito.

Um dos ministros do STF mais próximos da Lava-Jato no auge das investigações em Curitiba, Barroso travou embates com colegas que se tornaram críticos à atuação da operação, como Gilmar Mendes, que é próximo de Salomão. O enfrentamento se manteve mesmo após a revelação da Vaza-Jato, escândalo das mensagens trocadas entre o então juiz Sergio Moro e procuradores da Lava-Jato captadas pelo hacker Walter Delgatti e divulgadas pelo site The Intercept Brasil.

Em 2021, Barroso votou contra a suspeição de Moro nos casos envolvendo Lula na Lava-Jato e chegou a bater boca com Gilmar durante a sessão do Supremo que avaliou a questão. Isso apesar do atual presidente do STF ter votado pela anulação das condenações impostas ao petista no âmbito da força-tarefa – decisão que, na prática, recuperou sua elegibilidade e abriu caminho para sua candidatura vitoriosa à Presidência no ano seguinte.

Mas os posicionamentos de Barroso contra as investidas autoritárias de Jair Bolsonaro à frente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e no próprio Supremo proporcionaram uma espécie de trégua entre Barroso e a ala antilavajatista na Corte.

Um dos episódios que demonstrou que a “bandeira branca” tinha diso levantada foi o discurso de Gilmar, decano do Supremo, na posse de Barroso na presidência do tribunal em setembro de 2023. O ministro disse que o “destino não poderia ter sido mais generoso com nossa República”, e completou: “A posse de Vossa Excelência na presidência desta Suprema Corte representa galardão que coroa uma carreira jurídica de excelência”.

Barroso, em resposta, afirmou que guardaria o discurso do colega “no coração”.

Agora com Bolsonaro inelegível e acuado, o discurso e a ênfase de Barroso podem indicar que a trégua está ameaçada. Vai depender de como cada laço vai se movimentar a partir de agora.

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