As disputas internas no STF (Supremo Tribunal Federal) e o impasse, segundo a Folha de S. Paulo, em relação ao juiz das garantias travaram o plano do presidente da corte, Luiz Fux, de alterar o regimento interno para submeter liminares individuais automaticamente ao plenário.
Para levar a mudança regimental a julgamento, o ministro Gilmar Mendes tem exigido a previsão de uma transição que leve a corte a julgar dentro de seis meses todas as decisões monocráticas que já estão em vigência.
Com isso, Fux seria obrigado a pautar sua liminar que suspendeu a implementação do juiz das garantias. O presidente da corte, porém, resiste e tenta negociar uma saída que não vincule um tema ao outro.
A reviravolta no julgamento sobre a reeleição no Congresso, que causou mal-estar entre os ministros, e a ampliação do racha interno, no entanto, têm dificultado essa negociação.
Fux já disse publicamente que a remessa automática das liminares ao plenário é uma das suas bandeiras na gestão à frente do Supremo. O ministro tem afirmado que a medida representa a “reinstitucionalização” do STF, que passaria a se pronunciar sempre de maneira coletiva e não seria mais dividido em 11 ilhas.
No ano passado, os ministros deram mais de 1.700 decisões monocráticas. No novo modelo, elas seriam automaticamente submetidas ao conjunto da corte.
Impedir a criação do juiz das garantias, porém, também é um tema caro ao ministro. A medida divide a responsabilidade de processos criminais em dois juízes: um autoriza diligências da investigação e o outro julga o réu.
Assim, a ala mais garantista, da qual Gilmar faz parte e que defende mais respaldo ao direito da defesa em detrimento da acusação, afirma que os julgamentos serão mais isentos.
Isso porque, após um magistrado participar da investigação, surgiria em um segundo momento um juiz para analisar de forma imparcial as provas colhidas ao longo do processo.
A maioria dos defensores da Lava Jato, porém, entre eles Fux, diz acreditar que a medida poderá atrasar investigações, além de exigir uma estrutura que o Judiciário brasileiro não tem atualmente.
O ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro, por exemplo, afirmou, em um parecer assinado quando era ministro da Justiça, que o instituto do juiz das garantias “dificulta ou inviabiliza a elucidação de casos complexos, como crimes de corrupção, peculato, lavagem de dinheiro e delitos contra o sistema financeiro”. Além disso, sustentou que 40% das comarcas do país têm só um juiz.
Na época, porém, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) divulgou levantamento que apontava que o dado era de 19% na Justiça estadual —1.908 das 10.046 varas— e de 21% na Justiça Federal —208 de 993 unidades.
O juiz das garantias foi aprovado pelo Congresso na esteira da revelação de mensagens que sugerem a colaboração entre integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e Moro.
Em um revés ao juiz, o Legislativo incluiu a medida no pacote anticrime que Moro havia enviado ao Congresso. Depois disso, o então ministro encaminhou um parecer ao presidente Jair Bolsonaro em que sugeria veto.
No Natal de 2019, porém, o chefe do Executivo sancionou a medida. Nas redes sociais, o presidente foi alvo de duras críticas e, na época, tentou se defender.
“Falam que eu traí, que não votam mais e ligam [o caso] a alguma coisa familiar. Saia fora da minha página. Se não sair, eu vou para o bloqueio”, ameaçou.
Bolsonaro fez referência às acusações de que o juiz das garantias teria sido sancionado para dificultar eventual condenação de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), investigado porque teria liderado um esquema para desviar parte dos salários de seus funcionários quando era deputado estadual.
Logo após o chefe do Executivo sancionar a medida, porém, o então presidente da corte, ministro Dias Toffoli, que é um defensor da medida, suspendeu sua implementação por seis meses. Ele alegou que botar em prática o juiz das garantias “demanda organização”.
Menos de dez dias depois, contudo, em 22 de janeiro do ano passado, Fux, então vice-presidente do STF e que respondia pelo plantão da corte na ocasião, suspendeu a implementação da medida por tempo indeterminado.
Como relator das ações que questionam o instituto, o ministro decidiu convocar audiências públicas para discutir o tema antes de dar novo despacho ou levar o caso para julgamento dos 11 ministros da corte.
No fim do ano passado, porém, um grupo de advogados entrou com um habeas corpus pedindo a derrubada da liminar de Fux. Relator do pedido, o ministro Alexandre de Moraes questionou o colega sobre em que pé está o caso.
Fux usou a pandemia da Covid-19 e as recomendações sanitárias para justificar a suspensão das audiências públicas que estavam marcadas, o que, na prática, manteve o tema paralisado.
Apesar de ter cobrado uma manifestação do colega a respeito, o que é inusual, uma vez que não cabe habeas corpus contra decisão de ministro, Moraes rejeitou o pedido dos advogados.
Se levar a cabo a ideia de manter o juiz das garantias suspenso como aceno à Lava Jato, porém, a aposta no STF é que Fux pagará o preço de não ver aprovada a pretensa bandeira contra a monocratização da corte.
A ida automática das decisões individuais ao plenário tem apoio da maioria dos integrantes do STF, apesar da chance de a medida congestionar ainda mais os trabalhos do tribunal.
A reviravolta no julgamento do Congresso, porém, tem dificultado a criação de um ambiente favorável para aprovar a medida. Gilmar, Toffoli e Moraes têm dito que só votaram a favor da recondução de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara e Davi Alcolumbre (DEM-AP) na do Senado porque Fux teria sinalizado que daria um voto decisivo em favor da medida.
No fim, entretanto, o presidente da corte acabou se opondo à reeleição e os colegas interpretaram o voto dele como uma traição.
Assim, ao mesmo tempo que Fux teme destravar o juiz das garantias e sofrer uma derrota no plenário, os ministros que se sentiram traídos também não estão dispostos a facilitar as negociações a fim de encontrar a forma ideal de implementar o fim da monocratização da corte.