País teve 548 eleições suplementares no período por causa da cassação do eleito ou do indeferimento de sua candidatura
A quatro meses da eleição, no início de junho, moradores de três cidades do país em Minas, Pará e Roraima tiveram que deixar suas casas num domingo para escolherem seus prefeitos. Não era, no entanto, uma antecipação do calendário eleitoral, mas a votação para um “mandato-tampão”, já que os eleitos em 2020 haviam sido cassados.
Disputas como essas não são incomuns no país. Levantamento do jornal O Globo com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que, em média, um prefeito perdeu o mandato a cada 12 dias desde 2007. Neste período, foram realizadas 548 eleições suplementares por causa da cassação do eleito ou do indeferimento de sua candidatura e do vice após a votação.
A convocação extraordinária dos eleitores se deu em situações em que a Justiça Eleitoral identificou irregularidades nas campanhas, como casos de compra de votos ou abuso de poder político ou econômico.
Foi o que aconteceu, por exemplo, em Brusque (SC), onde o prefeito Ari Vequi (MDB) teve o mandato cassado pelo TSE no ano passado. A Corte eleitoral entendeu que ele foi beneficiado pela atuação do empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, na disputa municipal de 2020, configurando vantagem eleitoral por abuso de poder econômico. As defesas dos dois negaram as irregularidades e questionaram o fato de o emedebista ter sido cassado após conseguir o dobro de votos de seu adversário.
Também houve casos em que os prefeitos concorreram sub judice — quando há alguma pendência judicial —, venceram a eleição, mas acabaram tendo sua candidatura indeferida posteriormente. O principal motivo é o enquadramento na Lei da Ficha Limpa, que proíbe políticos condenados por um órgão colegiado de disputarem eleições.
Pela legislação atual, a eleição suplementar é chamada quando o prefeito é retirado do cargo até seis meses antes do fim do seu mandato. Caso a saída seja no último semestre, é feita uma disputa indireta, por meio da Câmara Municipal.
A votação extraordinária, contudo, não foi suficiente em algumas cidades, que tiveram que convocar os eleitores uma terceira vez para escolherem quem iria administrar a prefeitura. Nos últimos anos, isso aconteceu em Divisa Alegre (MG), Conceição do Mato Dentro (MG), Pedro Velho (RN) e Tianguá (CE).
No município cearense, Luiz Menezes de Lima (PSD), conhecido como Dr. Lima, foi o mais votado em 2016, mas teve seu registro indeferido. Dois anos depois, uma nova eleição foi chamada, com José Jaydson Saraiva de Aguiar (PTB) sangrou-se vencedor. O petebista, contudo, também foi retirado do cargo após ser cassado por abuso de poder político. Na terceira vez, Dr. Lima pôde concorrer e foi eleito novamente.
Situação semelhante ocorreu em São Francisco de Assis (RS), onde os eleitores voltaram às urnas em abril deste ano. O prefeito Paulo Renato Cortellini (MDB) foi cassado por compra de votos em março, mas não chegou ser declarado inelegível pela Justiça Eleitoral. Assim, concorreu na nova disputa e foi eleito novamente.
— Eu sempre estive tranquilo, não devia nada, o povo sabia de meu proceder. Claro que o peso de uma destituição de cargo é alto, mas nunca me abalou. Mas o melhor de tudo é ganhar mais uma vez —afirma Cortellini.
Já em Carmópolis (CE), Major Isidoro (AL), Pedro Canário (ES) e Petrolina de Goiás (GO), os candidatos que tiveram a candidatura indeferida na primeira disputa concorreram novamente e também ganharam. Em 2018, contudo, o TSE mudou o entendimento e vetou essa possibilidade.
Mas nem sempre o indeferimento da candidatura tem relação com o titular da chapa e, nestas situações, o prefeito eleito pode tentar novamente. Foi o que fez Di Cardoso (PL), que venceu a eleição em João Dourado (BA) em 2020, mas a disputa foi anulada porque sua candidata a vice estava inelegível. No ano seguinte, ele foi para a nova disputa, dessa vez como um novo companheiro de chapa, e ganhou.
De 2007 até este ano, os eleitores do estado de São Paulo foram os que mais tiveram que voltar às urnas. Foram 74 eleições suplementares em municípios paulistas. Já a cidade com mais disputas extemporâneas foi Ipiaçu (MG), com novas eleições em 2008, 2009 e 2014, além das regulares. Outras 27 localidades tiveram duas votações extra nesse período. Ao todo, 570 cidades tiveram novas disputas — nenhuma delas uma capital.
O ano com mais eleições foi 2013, quando ocorreram 75 votações. Já o quadriênio com mais eleições suplementares foi entre 2017 e 2020, com 160 disputas, referentes aos prefeitos eleitos em 2016. Em alguns casos, a cassação ocorre em um ano, mas a eleição é marcada para o próximo.
Maria Stephany dos Santos, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep),afirma que há uma interferência da Justiça Eleitoral, mas que o objetivo é garantir a legítima vontade do eleitor.
— A razão dessas cassações é exatamente para manter a higidez e a lisura do pleito eleitoral, para afastar esse tipo de candidato. Em tese, ele ganhou pelo voto, mas, a bem da verdade, ele ganhou pelo voto que ele comprou. Não foi uma vontade legítima do eleitor, ele foi persuadido — afirmou ela.
Em Tanabi (SP), o prefeito Norair Cassiano (PSB) foi cassado em 2021 por ter omitido R$ 12 mil de sua prestação de contas, utilizados para comprar camisetas. O valor correspondeu a 21,79% do total das despesas contratadas pela campanha. Como a disputa foi decidida por apenas 12 votos, o entendimento foi de que houve influência.
O agora ex-prefeito alega que não teve participação nos fatos:
— Um grupo de companheiros fez um pool e comprou umas camisetas, e os adversários denunciaram como compra de campanha. E não teve nenhuma prova do pagamento dessas camisetas. A única coisa que aconteceu mandaram um funcionário com um carro da prefeitura buscar essas camisetas em São Paulo — disse Norair.
Como a convocação extra dos eleitores gera mais gastos para o poder público, a Justiça discute cobrar os cassados. Em fevereiro deste ano, por exemplo, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) condenou dois ex-prefeitos do Rio Grande do Sul a ressarcir as despesas com a disputa motivada por suas cassações — R$ 95,6 mil em Parobé e R$ 24,7 mil em Bom Jesus. As decisões ocorreram a pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), que em 2018 firmou com o TSE um acordo de cooperação técnica para facilitar esses pedidos.