A inflação alta (10,1% em 2021) corrói o poder de compra dos brasileiros e, segundo a Veja, turbina o mau humor dos eleitores, reduz as chances de reeleição de Jair Bolsonaro e atormenta parlamentares e governadores, que começam a temer pela sobrevivência nas urnas em outubro.
Eles elegeram como vilões a gasolina, o diesel e o gás, derivados de petróleo, cujo preço subiu (mais de 55%) e segue rumo a cem dólares o barril.
O medo dos reflexos nas urnas está provocando delírios no circuito Palácio do Planalto-Congresso. O mais recente é a proposta de emenda constitucional que reduz a receita tributária em R$ 54 bilhões para subsidiar o consumo de combustíveis.
Equivale a aumentar em 67% o déficit público federal previsto para este ano. A ideia replica, na essência, o modelo adotado na Venezuela.
A alta dos preços da energia (no caso, eletricidade e combustíveis) foi responsável por metade da inflação do ano passado, de acordo com dados coletados pelo Banco Central.
O petróleo é parte desse problema, mas somente uma parte.
O foco político-eleitoral na alta dos derivados de petróleo deixa em segundo plano o preço final da energia elétrica que é “inescrupuloso”, na qualificação do engenheiro Paulo Ludmer, autor de uma dezena de livros sobre intervenções governamentais no setor nas últimas quatro décadas.
Energia no Brasil já é a segunda mais cara do mundo, considerando-se os países nível similar de desenvolvimento industrial. Desde 2019 o custo para consumidores, residenciais ou industriais, subiu 40% na média.
Aparentemente, é um contra-senso num país com fartura de fontes de eletricidade, principalmente água, e onde o Estado privilegia empresas de infra-estrutura elétrica com um banquete permanente de subsídios, incentivos, empréstimos e renúncias fiscais.
Na vida real, o alto custo da energia elétrica no Brasil é resultado da “relação simbiótica”, como define Ludmer, entre a políticos e empresários do setor — alguns mais privilegiados que outros.
Em outubro, por exemplo, partidos governistas e de oposição aprovaram espetaram no bolso dos consumidores uma fatura nova de R$ 33 bilhões. Obrigaram o governo a contratar 8 mil megawatts de usinas térmicas movidas a gás natural em lugares do mapa onde, simplesmente não existem gasodutos.
Essa conta adicional vai ser paga por todos durante os próximos dez anos. Para este ano, o aumento na conta de luz está previsto em 19%. Desde 2015 a tarifa residencial subiu 114%, muito acima da inflação do período, que foi de 48%.
Com o petróleo no rumo de 100 dólares o barril, combustíveis como gasolina, diesel e gás se tornam vilões convenientes numa temporada eleitoral.
Isso ajuda a dissimular a grande transferência de renda dos consumidores para empresas elétricas: elas lucraram R$ 27,5 bilhões por mês durante o segundo semestre do ano passado, com aumento médio de 85,8% em relação ao mesmo período de 2020, segundo dados da consultoria Economática.
É necessário o debate eleitoral sobre a defesa do consumidor de variações abruptas nos preços da gasolina, diesel e gás. Candidatos presidenciais e seus partidos já ampliaram a agenda, incluíram a eventual privatização — ou “reestatização” — da Petrobras.
Faz parte do jogo. Porém, seria útil ao país se a discussão não ficasse restrita aos derivados de petróleo. Até porque isso só ajuda a dissimular a simbiose política estabelecida com o setor elétrico. Ela tem sido um fonte permanente de lucros excepcionais ,num processo extraordinário de transferência de renda.