Ao contrário do comportamento que tem no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (PL) se submeteu segundo o Correio Braziliense, às exigências sanitárias da Rússia para o encontro de hoje com o presidente do país, Vladimir Putin. O chefe do Executivo usou máscara e fez testes da covid-19 na chegada a Moscou, ontem. Ele foi recebido com honras militares pelo vice-ministro das Relações Exteriores, Sergey Ryabkov, e pelo diretor do Departamento de Protocolo Estatal, Igor Bogdashev, mas não teve agenda oficial.
O encontro com Putin estava marcado para as 7h (de Brasília). Por volta das 8h40, há a expectativa de uma declaração à imprensa. Bolsonaro também almoçará com o governante russo no Kremlin, sede do governo.
Na reunião, devem ser tratados temas como energia, educação, defesa, cibersegurança e agricultura. A preocupação, no entanto, é que Bolsonaro acene para um dos lados na tensão militar entre a Rússia e a Ucrânia. Por isso, ele foi orientado a, caso questionado, responder pela saída diplomática, de negociação pacífica.
Em nota, o Itamaraty informou que as áreas de comércio e investimentos terão destaque na visita da delegação brasileira. Haverá reuniões com os conselhos empresariais, que congregam CEOs de grandes companhias brasileiras e russas, com o objetivo de “identificação de oportunidades para investidores de ambos os países”.
“Em 2021, a corrente de comércio atingiu US$ 7,29 bilhões, em forte crescimento com relação aos US$ 4,27 bilhões registrados em 2020 e o valor mais alto desde 2008. O comércio bilateral é complementar, concentrado na cadeia de valor do agronegócio (soja e carnes, do lado brasileiro, e fertilizantes, do russo)”, diz a nota. “Brasil e Rússia compartilham interesse em ampliar e diversificar a pauta do intercâmbio com produtos de maior valor agregado, de forma correspondente ao grau de desenvolvimento e sofisticação de suas economias.”
O Itamaraty também destacou que “Brasil e Rússia compartilham valores comuns, como o respeito à Carta das Nações Unidas, ao direito internacional e ao princípio da não intervenção”. “Encontram pontos de convergência em suas avaliações sobre a situação do mundo e defendem uma ordem internacional que contemple e acolha diferentes visões, interesses e prioridades nacionais no exercício da promoção da estabilidade, da prosperidade e da sustentabilidade”, acrescentou.
O órgão enfatizou, também, que, neste ano, Brasil, Rússia, China e Índia integram o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e que a reunião “proporciona oportunidade de coordenação entre os referidos membros do Brics”.
Retirada
Houve um leve distensionamento na crise internacional, ontem, após a Rússia retirar tropas de posições na fronteira. Porém, segundo o comunicado feito pelo porta-voz do Ministério da Defesa russo, a retirada não seria nada fora da “rotina”, uma vez que concluíram o treinamento.
Pouco antes de desembarcar em Moscou, Bolsonaro mencionou, nas redes sociais, a retirada da tropas russas. A postagem foi celbrada por bolsonaristas com memes e fake news, apontando que o chefe do Planalto tinha “impedido a guerra mundial”. O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles compartilhou a postagem de uma capa fake da revista americana Time, na qual aparece uma foto e o título: “Prêmio Nobel da Paz 2022”. Salles não esclareceu que se tratava de uma montagem.
Em uma segunda publicação, usou a logo do canal CNN afirmando que o presidente “evitou a 3ª Guerra Mundial”. O veículo publicou uma nota afirmando se tratar de uma montagem.
No final da tarde, Bolsonaro compartilhou o que seriam notícias da visita de Dom Pedro II ao país em 1876 e, ao lado, uma foto dele apertando a mão de Putin. “Em 1876, Dom Pedro II foi o 1° estadista brasileiro a visitar a Rússia. 146 anos depois, no ano em que comemoramos 200 anos da independência do Brasil, tenho a satisfação de realizar o mesmo percurso”, escreveu. “Nosso Brasil tem vocação de amizade com todas as nações do mundo.”
Especialista em política internacional contemporânea e professor de relações internacionais na Universidade Católica de Brasília (UCB), Jean Lima aponta “oportunismo político” tanto de Bolsonaro quanto do Ministério das Relações Exteriores para que o presidente seja visto pelos apoiadores como um chefe de Estado que tem poder de diálogo para interferir em uma crise entre os dois países. “A crise não está em pauta. Há um oportunismo por conta dos seus apoiadores. A resolução desse conflito vai além das suas capacidades (de Bolsonaro), que não está preparado para lidar com um projeto grande como esse nem os outros países o veem nessa posição”, avaliou.
O sociólogo Renato Zanella lembrou que o chefe do Planalto criou, ao longo do mandato, uma série de conflitos que o deixaram em isolamento internacional. Todas as apostas anteriores dele — Donald Trump (Estados Unidos), Benjamin Netanyahu (Israel) e Mauricio Macri (Argentina) — não estão mais governando. “Neste momento, temos uma Rússia que necessita de reconhecimento de aliados, ou, pelo menos, para dizer que tem aliados, em meio à sua tensão com os Estados Unidos”, destacou.
Também conforme Zanella, a viagem à Rússia é confusa no meio bolsonarista mais ideológico, que ainda enxerga o país como comunista e não como potencial de mercado.
Compromisso
Também hoje, Bolsonaro se encontrará com o presidente da Duma de Estado, Câmara Baixa do Parlamento russo, e participará da entrega da oferenda floral no túmulo do soldado desconhecido.
A previsão é de que ocorra, ainda, um encontro do presidente com empresários no Four Seasons, hotel cinco estrelas localizado na Praça Vermelha, principal cartão-postal de Moscou, onde o chefe do Executivo e parte da comitiva estão hospedados.