sexta-feira 17 de janeiro de 2025
Fernando Haddad, ministro da Fazenda, ao lado do presidente Lula — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
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sexta-feira 17 de janeiro de 2025 às 16:58h

Bolsonarismo foca nas medidas econômicas para minar Lula e expor o governo

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A decisão do presidente Lula da Silva (PT) de revogar na quarta-feira (15) um ato normativo da Receita Federal, que continha regras sobre coleta de informações de movimentações financeiras, foi o capítulo mais recente de uma série de recuos da gestão petista na área econômica após pressões da oposição bolsonarista. Para pesquisadores e aliados do governo, a situação evidencia problemas para além da área de comunicação do Planalto, foco de mudanças recentes. Assim como em episódios como a volta do DPVAT e a derrubada de outro ato da Receita, sobre isenção na remuneração de líderes religiosos, a avaliação é que o governo deixou brechas exploradas pelo bolsonarismo, que conseguiu usar ações do próprio Executivo para atingi-lo nas suas principais bandeiras.

Evitando rusgas com o eleitorado conservador, Lula tem desviado da chamada “pauta de costumes” em prol de medidas na área econômica. O foco está nos estratos de menor remuneração dentro da classe média, no que ficou conhecido como “nova classe C” em mandatos anteriores do petista. Uma das principais apostas para contemplar este grupo, anunciada em novembro, foi a isenção do Imposto de Renda para trabalhadores que recebem até R$ 5 mil mensais, que só é prevista para 2026.

A oposição bolsonarista, por sua vez, tem concentrado carga em iniciativas que afetam este segmento no bolso, especialmente após a repercussão negativa de ações mais rígidas da própria direita na pauta moral, como o PL Antiaborto.

Compras do exterior

Em abril de 2023, em uma das primeiras ofensivas desse tipo, parlamentares bolsonaristas atacaram a proposta de taxação de compras de até US$ 50 do exterior, que ficou conhecida como “taxa das blusinhas”. Preocupado com o impacto popular, o Ministério da Fazenda recuou da medida na ocasião.

— Os casos do Pix e o da “taxa das blusinhas” mostram que o bolsonarismo chega ao eleitor mais moderado quando adota discursos não tão radicais. Mas a chave para os bolsonaristas é conjugar a economia com uma perspectiva moral. Não se trata só de uma discussão econômica, mas sim de comunicar uma ideia de que um governo “corrupto” teria o objetivo de “cortar a liberdade” ou atrapalhar a vida do “trabalhador de bem” — analisa a socióloga Esther Solano, pesquisadora da Unifesp que realiza estudos qualitativos com eleitores de Bolsonaro.

Para a pesquisadora, “há certo exagero” em vincular a mobilização bolsonarista unicamente a fake news sobre taxação do Pix. A hipótese foi sugerida pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), em um vídeo no qual reconheceu que a resolução da Receita não tratava disso, mas comparou o cenário atual com o da “taxa das blusinhas”. Após o recuo inicial da Fazenda, a taxação de 20% em compras de pessoas físicas até US$ 50 acabou aprovada pelo Congresso — com voto favorável da maioria da bancada bolsonarista — e sancionada por Lula no ano passado.

Apesar de enxergar uma “manipulação da verdade” no vídeo de Nikolas, Solano afirma que derrubar a resolução da Receita sugere “imaturidade política” do governo.

— Nem tudo é fake news, e nem tudo é falha de comunicação. O recuo é um prato cheio para o bolsonarismo, porque parece demonstrar que havia algo errado.

A resolução original da Receita, revogada na quarta-feira, aumentava para R$ 5 mil o piso de movimentações financeiras mensais de pessoas físicas que precisam ser informadas pelos bancos ao Fisco. A norma vigente exige a coleta de informações a partir de R$ 2 mil. Além disso, a resolução passava a exigir dos bancos digitais as mesmas regras que já valem desde 2003 para os bancos convencionais.

Um ponto que causou controvérsia até entre petistas, no entanto, foi a menção específica ao monitoramento de “transações eletrônicas efetuadas por intermédio do Sistema de Pagamentos Instantâneos” — isto é, o Pix —, a partir do piso de R$ 5 mil. A justificativa da Fazenda era aprimorar o controle sobre crimes como lavagem de dinheiro. Ex-vice-presidente da Câmara, o ex-deputado Marcelo Ramos (PT-AM), porém, afirmou que “qualquer coisa que cheire a tributação da classe média” que ganha R$ 5 mil mensais “está errada na origem”.

— É desnecessário qualquer movimento sobre o Pix se você já faz o controle sobre a conta bancária. Não é só comunicação, e sim um problema de falta de cuidado da Receita em dialogar com os órgãos políticos. O governo acertou ao recuar do que estava equivocado — disse Ramos.

No fim do ano passado, o governo já havia recuado da iniciativa de instituir um Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT), em moldes similares ao antigo DPVAT, extinto em 2019. O seguro foi aprovado pelo Congresso e sancionado por Lula em maio. A ocasião coincidiu com uma enxurrada de publicações nas redes sociais, alimentadas por bolsonaristas, que apelidavam o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como “Taxad”. Em dezembro, o governo articulou a aprovação de uma nova lei, já sancionada por Lula, que revogou a volta do seguro.

Outro episódio que constrangeu o governo, em janeiro do ano passado, foi a publicação de um ato da Receita que revogou uma outra norma, de 2022, que detalhava a isenção de contribuição previdenciária na atividade de líderes religiosos. Na ocasião, a Receita disse que seguia o disposto em um processo no Tribunal de Contas da União (TCU), que analisa “possível desvio de finalidade e ausência de motivação” da norma — a isenção, nesse tipo de remuneração, já é prevista por lei desde 2000. O TCU, porém, divulgou nota à época frisando que ainda não havia tomado uma decisão.

O ato da Receita no governo Lula foi recebido com críticas nas redes sociais, especialmente de pastores e parlamentares bolsonaristas que fazem parte da bancada evangélica. À época, Haddad anunciou a criação de um grupo de trabalho, junto à Receita e à bancada evangélica, para discutir a melhor forma de assegurar a isenção, dentro do que é previsto na lei.

Impulsionamento na rede

Além do alcance orgânico de críticas vindas do vídeo do deputado mineiro e da família Bolsonaro, parlamentares da oposição fizeram impulsionamento pago de publicações nas redes sociais, em especial no Instagram, sugerindo que o objetivo da medida da Receita seria “fiscalizar o Pix” e cobrar impostos sobre as movimentações, o que não constava na resolução. Os anúncios aumentam o alcance das publicações. A maioria custou menos de R$ 100, com público potencial estimado de 500 mil pessoas, segundo informações da Bibilioteca de Anúncios da Meta, dona do Instagram, Facebook e WhatsApp.

Em uma das publicações, o deputado federal Gilson Marques (Novo-SC), se disse contra “imposto para movimentar o Pix”. Procurado, ele alegou não ter dito “que haveria imposto na transação”.

— Acho que verificaram (o governo) que o custo eleitoral para manutenção desse monitoramento absurdo ficou muito alto — afirmou.

Outras publicações impulsionadas disseminavam receio sobre a medida. A deputada Julia Zanatta (PL-SC) sugeriu que pessoas que declaram Imposto de Renda deveriam ter “atenção ao seu Pix”. A norma revogada, porém, não exigia qualquer tipo de declaração adicional. Após o recuo, o deputado Luciano Zucco (PL-RS) também pagou para ampliar o alcance de vídeo em que afirma que “a oposição venceu”.

Pressão e recuos

  • Isenção para líderes religiosos: Em janeiro de 2024, a Receita revogou um ato do governo Bolsonaro que detalhava a isenção previdenciária para líderes religiosos. Após críticas de pastores e lideranças da bancada evangélica, a Fazenda criou um grupo de trabalho com deputados para discutir o assunto. A legalidade do ato da gestão Bolsonaro vinha sendo analisada pelo TCU, que paralisou o processo para aguardar as conclusões do grupo.
  • ‘Taxa das blusinhas’: No início de 2023, a oposição bolsonarista atacou uma proposta da Fazenda de instituir uma alíquota sobre compras online vindas do exterior, no valor de até US$ 50. A primeira-dama Janja da Silva chegou a desmentir a intenção, e depois o governo recuou da ideia. Em 2024, porém, o Congresso aprovou uma lei que criou a taxa, e o presidente Lula, apesar de criticar a ideia, sancionou o texto.
  • Volta do DPVAT: No ano passado, o governo criou o Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT), nos moldes do DPVAT, que havia sido extinto em 2019. A medida coincidiu com uma enxurrada de publicações nas redes sociais ironizando o ministro Fernando Haddad. Em dezembro, o governo articulou a aprovação de uma nova lei, já sancionada por Lula, que suspendeu a volta do imposto.
  • Informações sobre movimentação financeira: A Receita publicou instrução normativa para obrigar bancos digitais e fintechs a seguirem as mesmas regras de bancos convencionais na comunicação de transações mensais de seus clientes — e aumentou o piso, de R$ 2 mil para R$ 5 mil, a partir do qual as instituições precisam reportar. Depois de a oposição bolsonarista acusar o governo de querer fiscalizar trabalhadores autônomos, a norma foi revogada.

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