Em audiência pública na comissão do Parlamento que fiscaliza as ações do governo no combate à crise gerada pela pandemia, o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, afirmou que o espaço fiscal visando a extensão do auxílio emergencial para 2021 é “muito reduzido”, então um Bolsa Família vitaminado por mais recursos orçamentários pode servir como a “aterrisagem suave” para milhões de brasileiros que ainda dependerão do auxílio emergencial até dezembro. Funchal explicou como, a seu ver, este processo de transferência ao Bolsa Família deve ocorrer, acrescentando que ainda existe poupança referente ao pagamento dos auxílios durante 2020.
— Em relação à extensão do auxílio, o espaço é muito reduzido, se não zero. Então qual é a alternativa? Se você olha o resultado proporcionado pelo auxílio em 2020 em termos de formação de poupança, você vê que ainda há uma poupança das famílias que foi formada. Então essa poupança pode ajudar no início do ano que vem. Como as famílias mais pobres usaram mais a poupança, provavelmente vão aterrissar no Bolsa Família. Mais famílias devem entrar no Bolsa Família, esta seria a aterrissagem em relação ao auxílio às famílias — explicou o secretário.
O fim do auxílio emergencial é uma das maiores preocupações dos parlamentares, que cobraram o fato de o governo ainda não ter apresentado um plano concreto, a ser acionado a partir de janeiro, para os cerca de 40 milhões de brasileiros que ainda dependem deste dinheiro. Também presente à audiência, o secretário da Fazenda, Waldery Rodrigues, deixou claro que “nenhum brasileiro ficará à mercê das mazelas de qualquer crise” caso a pandemia recrudesça em 2021. Também reforçou o compromisso do governo com o cumprimento das regras fiscais, dizendo que o objetivo é, em 2021, retomar o nível de despesas ocorrido em 2019.
— Em 2019 a despesa foi de 19,9% do PIB. Em 2020, será da ordem de 28,2% do PIB. Em 2021, se seguirmos atentos e seguindo as regras fiscais, só há solução perene desta forma, poderemos retornar a 2021 tanto com um nível de despesa da ordem de 19,8%, como também com capacidade de gerar empregos, melhorar a eficiência e reduzir a má alocação na economia. É uma questão de nos debruçarmos em conjunto, os Poderes da União, e trazermos soluções efetivas — defendeu.
Também como alternativa ao fim do auxílio emergencial, o presidente da comissão, senador Confúcio Moura (MDB-RO), pediu que o governo fortaleça as políticas de microcrédito.
— Com o microcrédito, há uma grande possibilidade de ajudar na geração do alto emprego, caso o BNDES libere recursos para as cooperativas de crédito, para as OSCIPs de crédito, enfim, para todos estes bancos pequenos acostumados a emprestar dinheiro pra pobre. Porque o Ministério da Economia não faz isso, já no final do ano, definindo um valor substancial para atender os informais brasileiros? — cobrou.
O senador ainda perguntou se há a possibilidade do estado de calamidade pública ser prorrogado para 2021, caso a pandemia se agrave. Na resposta, o secretário de Orçamento, George Soares, deixou a porta aberta para negociar políticas de combate à crise com o Parlamento.
— Caso haja uma recidiva da pandemia, se houver uma outra situação que fuja do controle que a projeção atual ainda não nos indica, vai ter que ser feita outra conversa do Poder Executivo com o Parlamento porque, no fundo, temos regras específicas, fiscais e de orçamento, que não deixam. O Poder Executivo não é soberano para resolver estes problemas. Como neste ano, se houver alguma questão mais aguda, isso vai ter que ser conversado com o Congresso quanto a questões orçamentárias e como resolvê-las —disse.
Alto endividamento
Funchal ainda declarou seu apoio à aprovação do PLP 137/2020, que desvincula os saldos de 29 fundos públicos na conta única do Tesouro Nacional. Sua aprovação colocará na mão do governo mais R$ 190 bilhões que, no entender de Funchal, auxiliará na gestão da dívida pública, que se aproximará de 95% do PIB em 2020.
O tema também foi tratado pelo diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, para quem estabilizar a relação dívida/PIB deve ser uma prioridade nos próximos anos. Para ele, a frágil situação fiscal brasileira, que é estrutural e já se manifestava antes da crise de covid-19, tira a possibilidade do Brasil adotar políticas anticíclicas. Ele também crê que há uma “grande possibilidade” do teto de gastos ser rompido em 2021.
— Há espaço para políticas fiscais contracíclicas? A resposta é “não”. No Orçamento de 2021, se pegarmos o PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual), o valor da despesa sujeita ao teto — R$ 1,48 trilhão — é exatamente igual ao teto. Só que desde a apresentação do PLOA até agora, já se contrataram novos gastos ou perspectivas de gastos. Como, por exemplo, a queda da desoneração da folha; a necessidade de compras na área da saúde em 2021, como as vacinas; e o auxílio emergencial, que é uma discussão ainda em aberto — alertou Salto.
Ele ainda detalhou mais a questão do rompimento do teto de gastos já a partir de 2021.
— É uma questão matemática: o teto não será cumprido no ano que vem, provavelmente — o risco é muito alto. Pode ser que seja cumprido com o corte expressivo da despesa discricionária, mas aí se põe em risco o funcionamento da máquina. Pra ficar claro: são R$ 108,4 bilhões de despesas discricionárias no PLOA. Nestes R$ 108,4 bilhões, há R$ 16 bilhões de emendas impositivas e sobram R$ 92 bilhões. Se for feito um programa de R$ 15 bilhões como alternativa ao auxílio emergencial, por exemplo — o que eu acho modesto —, por 4 meses, teria que cortar R$ 15 bilhões das discricionárias, sem mencionar a inflação mais alta, que vai afetar uma série de despesas indexadas à inflação — acrescentou.
Como alternativas a estes desafios estruturais, Salto defende que o governo e o Parlamento precisam aprofundar as discussões também em relação ao aumento das receitas. Mas “sem abandonar o compromisso fundamental do lado do gasto”, aprofundando ainda as discussões sobre as propostas de regulamentação dos gatilhos do teto.