Aviso: esta reportagem contém descrições detalhadas de violência.
Nos seus momentos de reflexão, depois das suas aulas diárias, John Stone tem visões do passado.
O que o assusta não é o sangue, nem o som das armas. São as súplicas. A forma como as pessoas imploram por misericórdia antes de morrer. Imploram para ele. Imploram para Deus.
“É muito doloroso”, ele conta, estremecendo a cabeça. “As famílias dos mortos amaldiçoam você. Uma maldição cai sobre a sua vida.”
Stone é professor de ciências políticas da Universidade de Benin, no sul da Nigéria. Mas, por décadas, ele foi um membro importante da Black Axe (“Machado Negro”, em tradução livre), uma gangue mafiosa nigeriana ligada ao tráfico de pessoas, fraudes na internet e assassinatos.
Localmente, a Black Axe é conhecida como “seita”, em referência aos seus rituais secretos de iniciação e à forte lealdade dos seus membros – ou Axemen, como são chamados. Eles também são conhecidos por praticarem violência extrema. Imagens das pessoas que cruzam seus caminhos – cadáveres mutilados ou com sinais de tortura – aparecem regularmente nas redes sociais nigerianas.
Stone reconhece sua participação em atrocidades durante seus anos como Axeman. Houve um momento durante a entrevista em que ele, relembrando seu modo mais eficiente de matar, inclinou-se para frente, comprimiu seus dedos em forma de arma e “disparou” na testa do nosso produtor. Na cidade de Benin, na Nigéria, ele era conhecido como “açougueiro”.
O horror daqueles anos deixou marcas em Stone. Hoje ele se arrepende do seu passado e é um crítico feroz da gangue que um dia ele serviu.
Stone é um dentre mais de uma dezena de fontes da Black Axe que decidiram quebrar seus juramentos de silêncio e revelar seus segredos à BBC, falando pela primeira vez para a imprensa internacional.
Por dois anos, o programa de TV Africa Eye, da BBC News, investigou a Black Axe, estabelecendo uma rede de denunciantes e revelando milhares de documentos secretos, obtidos através das comunicações privadas da gangue. As descobertas sugerem que, ao longo da última década, a Black Axe tornou-se um dos mais perigosos e abrangentes grupos de crime organizado do mundo.
Os Axemen estão presentes na África, Europa, Ásia e América do Norte.
Nossa investigação começou com uma ameaça de morte – uma carta escrita à mão com letra trêmula, entregue para um jornalista da BBC em 2018. Ela foi deixada por um motociclista sobre o para-brisa do carro do repórter.
Semanas antes, o mesmo jornalista havia investigado o comércio ilegal de opioides na Nigéria e tinha conhecido pessoalmente diversos Axemen. Mais tarde, uma segunda carta foi entregue para a sua família. Alguém o havia rastreado e encontrado sua casa.
A ameaça veio da Black Axe? Qual o poderio dessa rede criminosa e quem está por trás dela?
Nossa busca por respostas nos levou a um homem que afirmou ter obtido dezenas de milhares de documentos secretos da Black Axe – um imenso conjunto de comunicações privadas de centenas de supostos membros. As mensagens, que cobriam os anos de 2009 a 2019, incluem comunicações sobre assassinatos e tráfico de drogas.
E-mails detalham fraudes elaboradas e lucrativas na internet. Outras mensagens contêm planos de expansão global. Era um mosaico da atividade criminosa da Black Axe cobrindo quatro continentes.
Ameaças de morte
O homem que intermediou o acesso a esses documentos diz que sua vida corre risco. Ele não revelou seu nome verdadeiro, mas sim um pseudônimo: Uche Tobias.
“Uma caçada cairá sobre você”, diz uma ameaça de morte enviada para Tobias pela internet. “O machado [em referência ao nome do grupo em inglês] vai perfurar seu crânio… eu vou lamber seu sangue e mastigar seus olhos.”
A BBC passou meses analisando os documentos de Tobias. Conseguimos verificar partes importantes dos dados – confirmando a existência de indivíduos mencionados e que diversos crimes incluídos nos documentos realmente aconteceram. Muito do material hackeado é assustador demais para ser publicado.
Os Axemen usam fóruns secretos – websites protegidos por senha – para compartilhar fotos de assassinatos recentes em salas de bate-papo internas. Em uma postagem marcada como “Sucesso”, um homem aparecia estirado no chão de uma pequena sala. Ele tinha quatro cortes na cabeça. Sua camiseta branca está rodeada por uma poça de sangue. A marca de uma bota, manchada de vermelho, aparece nas suas costas.
Na Nigéria, a Black Axe enfrenta uma luta por supremacia com “seitas” rivais – ou gangues criminosas similares, conhecidas como Eiye, os Bucaneiros (Buccaneers, em inglês), os Piratas e os Maphites. Mensagens no idioma pidgin – falado no oeste africano – traduzidas pela BBC mostram os Axemen contando quantos rivais foram assassinados e registrando os números como um placar de futebol em cada região.
“O placar da guerra em Benin agora é de 15×2”, diz uma mensagem. “Sucesso no Estado de Anambra. O placar está Aye [Axemen] 14 x 2 Buccaneers”, diz outra.
Mas as fraudes via internet, e não os assassinatos, são a principal fonte de renda da gangue. Os documentos fornecidos para a BBC incluem recibos, transferências bancárias e milhares de e-mails que demonstram que os membros da Black Axe participam de golpes online (“scams”) em todo o mundo.
Seus membros compartilham entre si “modelos” de como realizar golpes. As opções incluem golpes de romance, herança, imóveis e e-mails de negócios. Neles, os criminosos criam contas de e-mail que parecem ser dos advogados ou contadores das vítimas, para interceptar pagamentos.
Esses golpes não são conduzidos por um lobo solitário em um notebook, em pequena escala. Trata-se de operações colaborativas, organizadas e extremamente lucrativas, que às vezes envolvem dezenas de indivíduos trabalhando juntos em mais de um continente.
Entre os e-mails vazados, a BBC descobriu o caso de um homem na Califórnia, nos Estados Unidos, que foi alvo de um golpe de uma rede de supostos Axemen da Nigéria e da Itália, em 2010. A vítima nos disse que a fraude somou US$ 3 milhões (R$ 17 milhões).
“Parece que o banco com quem estava trabalhando não existe???”, exclamou a vítima desesperada em um e-mail para um dos golpistas – foi o momento em que ele percebeu que o dinheiro havia desaparecido. “Pode me esclarecer isso??? O banco na Suíça parece ser uma fraude.”
Os e-mails mostram supostos membros da Black Axe adotando nomes usados como “isca” – nomes e identidades falsas – para aplicar golpes nas pessoas, utilizando passaportes falsos ou roubados. Eles se referem às vítimas como “mugu” ou “maye”, gírias regionais para “idiotas”.
A rede cibercriminosa internacional da Black Axe provavelmente está gerando bilhões de dólares em receita para seus membros. Em 2017, autoridades canadenses afirmaram ter desbaratado um esquema de lavagem de dinheiro relacionado à gangue, que envolvia valores de mais de US$ 5 bilhões (R$ 28,4 bilhões).
Ninguém sabe quantos esquemas similares à Black Axe existem pelo mundo. Os documentos vazados mostram comunicações entre membros da Nigéria, Reino Unido, Malásia, países do Golfo Pérsico e mais de uma dezena de outros países.
“Eles estão espalhados por todo o mundo”, segundo a fonte do vazamento de dados. Ele afirma ser investigador antifraudes na vida privada e começou a perseguir a Black Axe depois de conhecer uma série de vítimas dos seus golpes. “Eu estimaria que são mais de 30 mil membros”, afirma ele.
A expansão global da Black Axe foi cuidadosamente construída. A correspondência mostra os Axemen dividindo áreas geográficas em “zonas” e nomeando “chefes” locais. Esses chefes locais cobram “taxas” – algo como mensalidades – das pessoas das suas jurisdições e depois enviam o dinheiro para os líderes na sua sede, na cidade de Benin.
“Eles se difundiram por toda a Europa, Ásia e América do Norte e do Sul”, afirma Tobias. “Não é um clube pequeno, mas sim uma organização criminosa incrivelmente grande.”
Autoridades policiais internacionais confirmam a avaliação de Tobias. Segundo o Índice do Crime Organizado de 2021, baseado em análises de 120 especialistas africanos, a Nigéria detém os níveis mais altos de crime organizado do continente – e essas redes estão se expandindo para outros países.
Na Itália, leis de combate à máfia de décadas atrás estão sendo reutilizadas para combater a expansão da Black Axe, que se afirma ser conduzida por poderosas redes criminosas locais. Em abril de 2021, 30 membros suspeitos foram presos naquele país, acusados de tráfico de pessoas, prostituição e fraudes na internet.
Os Estados Unidos adotaram uma abordagem mais agressiva. O FBI lançou operações contra a Black Axe em novembro de 2019 e setembro de 2021, que chegaram a acusar mais de 35 indivíduos por fraudes multimilionárias na internet. Entre setembro e dezembro deste ano, o Serviço Secreto americano e a Interpol deram início a uma operação internacional para prender outros nove supostos membros da Black Axe na África do Sul.
“O cibercrime é uma indústria multitrilionária, fora de controle”, afirma Scott Augenbaum, ex-agente especial do FBI e especialista em cibersegurança.
Ele conta que atendeu centenas de vítimas da Black Axe ao longo dos seus 30 anos de carreira no departamento de cibercrime do FBI, investigando casos de fraude similares aos encontrados nos documentos vazados.
“Testemunhei vidas serem destruídas, companhias falirem, economias de toda uma vida serem perdidas”, ele conta. “Isso prejudica a todos.”
Raízes na Nigéria
Por mais global que possa ser o império criminoso da Black Axe, suas raízes permanecem firmes na Nigéria. O grupo foi fundado 40 anos atrás na cidade de Benin, no Estado nigeriano de Edo. A maior parte dos Axemen é daquela região e essa relação pode ter influenciado a expansão internacional do grupo.
Segundo o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), 70% dos nigerianos que migram para o exterior são do Estado de Edo. A Black Axe é considerada uma das principais responsáveis pelo tráfico das pessoas que viajam ilegalmente, transportando-os entre suas bases na cidade de Benin, no norte da África e no sul da Itália.
Na Nigéria, estudantes universitários do sexo masculino, com idades entre 16 e 23 anos, são os principais recrutas da Black Axe. O processo de iniciação secreto da gangue, conhecido como “bamming” (que pode ser traduzido do inglês como “zombaria”), é incrivelmente violento.
“Eu não sabia que iria fazer minha iniciação naquele dia”, escreve um Axeman, detalhando sua experiência em uma postagem em um fórum secreto em 2016.
Ele conta que foi levado para longe do campus, achando que iria participar de uma festa restrita. Ele descreve como foi levado para uma floresta, onde um grupo de homens estava esperando por ele. Eles o despiram e o forçaram a colocar o rosto na lama. Depois, eles se revezaram para açoitá-lo com bambus na sua pele nua, até deixá-lo quase inconsciente. Alguém gritou que eles iriam estuprar sua namorada e, quando terminassem, iriam estuprá-la de novo.
“Aquele seria o dia da minha morte”, escreve ele.
Mas, em um dado momento, a agonia terminou. Seguiram-se diversos rituais, incluindo rastejar pelas pernas dos seus torturadores – uma tradição conhecida como “corredor do diabo” – antes de beber sangue de um corte no seu polegar e mastigar uma noz-de-cola – uma noz cafeinada nativa do oeste africano.
Ao som de cânticos e canções, ele foi então abraçado pelos homens que haviam acabado de torturá-lo. Ele havia renascido como o que eles chamam de “Aye Axeman”.
Existem muitas razões que levam as pessoas a entrar para a Black Axe. Alguns recrutas são forçados, enquanto outros são voluntários. Em Makoko (uma enorme favela de palafitas de madeira sobre a Lagoa de Lagos, na Nigéria), entrevistamos diversos Axemen, alguns dos quais afirmaram que haviam entrado para a Black Axe contra a própria vontade – mas sua lealdade era forte, construída sobre a ligação espiritual do processo de iniciação.
“Nós adoramos Korofo, o Deus invisível que sempre nos guiou”, afirma o líder do grupo, sentado em uma pequena construção de madeira e rodeado por um grupo de Axemen. Ele disse estar “orgulhoso” de ser um membro da Black Axe, apesar de ter sido recrutado à força por um agente de polícia.
Outro membro afirmou que entrou para o grupo depois que seu pai foi morto por uma gangue rival.
Independentemente do motivo ou da forma em que os membros entram no grupo, muitos deles afirmam que existem benefícios.
“[Existe] confidencialidade, disciplina e irmandade”, segundo um membro da seita nos contou com orgulho durante outra entrevista em Lagos, em abril de 2021, quando perguntamos por que ele havia entrado para a Black Axe. Ele contou que ganhou um bom dinheiro com as empreitadas criminosas do grupo – mais do que teria recebido trabalhando em um banco, por exemplo.
“Ninguém será capaz de encostar em você. Quando você pertence a uma seita, eles o protegem”, afirma Curtis Ogbebor, ativista comunitário na cidade de Benin, que tenta impedir os jovens de entrar em grupos como a Black Axe.
John Stone afirma que muitos Axemen entram no grupo apenas para fazer contatos. A Nigéria tem a segunda taxa de desemprego mais alta do mundo. Nesse ambiente desafiador, ele conta que entrar para a Black Axe pode fornecer proteção e conexões comerciais.
Stone defende que nem todos os membros são criminosos. “Temos membros no exército, na marinha e na força aérea nigeriana. Temos membros nas universidades. Temos padres e pastores”, segundo ele.
Fraternidade estudantil
Esse apoio mútuo foi fundamental para o propósito original da Black Axe. O grupo cresceu a partir de uma fraternidade estudantil chamada Neo Movimento Negro da África (NBM, na sigla em inglês). Ela foi formada na Universidade de Benin na década de 1970. O símbolo do NBM era um machado preto rompendo correntes e seus fundadores afirmavam que seu objetivo era lutar contra a opressão.
O NBM foi inspirado pela luta antiapartheid na África do Sul, mas sua estrutura, sigilo e compromisso fraterno eram inspirados em sociedades como a maçonaria, presente na Nigéria durante a era colonial.
O NBM ainda existe hoje em dia e é uma sociedade legalmente registrada na junta comercial da Nigéria. Ele afirma ter três milhões de membros em todo o mundo e publica regularmente sua atividade beneficente, que inclui doações para orfanatos, escolas e a polícia, na Nigéria e no exterior. O NBM promove enormes conferências anuais, algumas das quais recebem celebridades e políticos importantes.
Segundo os líderes do NBM, a Black Axe é um grupo dissidente não autorizado. Eles se dissociam completamente da Black Axe em público e afirmam taxativamente que o NBM se opõe a qualquer atividade criminosa.
“O NBM não é a Black Axe. O NBM não tem nada a ver com a criminalidade. O NBM é uma organização que pretende promover grandes coisas no mundo”, afirmou Olorogun Ese Kakor, atual presidente da organização, em entrevista à BBC em julho de 2021.
Segundo os advogados do NBM, qualquer pessoa da Black Axe que seja também membro do NBM “será imediatamente expulsa” do NBM, que tem tolerância zero ao crime.
Mas as autoridades policiais internacionais têm opinião diferente. Declarações do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, durante a ação penal contra membros da Black Axe em andamento desde 2018, afirmam que o NBM é uma “organização criminosa” e “parte da Black Axe”. Declarações similares foram feitas por autoridades canadenses, que afirmaram que o NBM e a Black Axe são “a mesma coisa”.
Os documentos analisados pela BBC aparentemente também exibem ligações entre alguns membros da Black Axe e a organização NBM.
Muitos dos documentos foram encontrados em uma conta de e-mail que pertenceu a Augustus Bemigho-Eyeoyibo, presidente do NBM entre 2012 e 2016. Esses arquivos sugerem que Bemigho, investidor bem-sucedido e dono de hotéis na Nigéria, esteve envolvido em grandes fraudes na internet.
A BBC verificou dois casos importantes entre os dados, nos quais Bemigho parece haver se envolvido em golpes de herança dirigidos a cidadãos britânicos e norte-americanos. As vítimas disseram que foram fraudadas em mais de US$ 3,3 milhões (R$ 18,7 milhões).
“Nós retiramos dele cerca de US$ 1 milhão” (R$ 5,67 milhões), segundo uma mensagem referente a uma das vítimas, enviada por Bemigho a um suposto colaborador. O e-mail contém o nome completo, endereço de e-mail e número de telefone da vítima, além de instruções para dar continuidade ao golpe.
Os documentos sugerem que Bemigho enviou modelos de golpes para uma rede de colaboradores em pelo menos 50 ocasiões. Uma das mensagens, discutindo a expansão do NBM, sugere que ele pediu aos membros que formassem ONGs em todo o mundo para “arrecadar milhões”.
Em suas mensagens aos membros do NBM por e-mail, Bemigho os trata como “Aye Axemen”. Em uma resposta, aparentemente enviada para Bemigho pelo Facebook Messenger, ele é tratado como “Black Axe ancião nacional”.
Em 2019, a cunhada de Bemigho foi acusada de lavagem de dinheiro no Reino Unido, envolvendo 1 milhão de libras (R$ 7,5 milhões). O Ministério Público britânico (CPS, ou Crown Prosecution Service, em inglês) referiu-se a Bemigho como “líder da Black Axe”, em um comunicado à imprensa amplamente publicado na época.
Quando a BBC apresentou essas evidências aos líderes do NBM, eles afirmaram que investigariam a questão e que qualquer pessoa que rompesse o código de conduta da organização seria expulsa. Bemigho não respondeu ao contato feito pela BBC sobre as alegações.
John Stone afirma que a Black Axe e o NBM, no fundo, são a mesma organização, segundo sua própria experiência. Ele não foi apenas membro da Black Axe, mas também líder do NBM no seu local de origem, a cidade de Benin.
“Eles são uma coisa só”, afirma ele. “É apenas uma espécie de formalidade para encobrir as informalidades. São dois lados da mesma moeda.”
Segundo Tobias, o NBM foi fundamental na expansão secreta da Black Axe em todo o mundo. “O Movimento Neo Negro, enquanto organização, é apenas uma fachada, uma cortina de fumaça, o rosto público da organização”, afirma ele. Ele conta que o objetivo do NBM é “subverter a opinião pública” para esconder “o que eles realmente são – uma máfia”.
Existem organizações que operam com o nome do NBM registradas em todo o mundo, incluindo no Reino Unido e no Canadá. Há pelo menos 50 contas no Facebook, Instagram e YouTube que utilizam variações desse nome, além dos canais oficiais da organização nas redes sociais.
Algumas dessas contas têm mais de 100 mil seguidores. Outras incluem referências implícitas à Black Axe – emojis de machados, fotos de pessoas carregando armas ou machados e, ocasionalmente, o slogan de assinatura “Aye Axemen!”.
O NBM estabeleceu-se com sucesso como marca global em diversos países. Na Nigéria, segundo Stone, a influência da rede estende-se até a esfera política.
“Existem muitos membros no Legislativo e até no Poder Executivo”, segundo ele. “Esta é a Black Axe. É o que o NBM prega: penetre em qualquer lugar que seja humanamente possível.”
Augustus Bemigho, antigo chefe do NBM – descrito nos arquivos dos tribunais britânicos como antigo chefe da Black Axe -, concorreu à Câmara dos Representantes da Nigéria em 2019, pelo partido governista Congresso de Todos os Progressistas (APC, na sigla em inglês).
O ativista Curtis Ogbebor afirma que a política do Estado de Edo está repleta de membros da Black Axe. “A Nigéria tem essa política mafiosa”, segundo ele. “Nossos políticos e o governo em todos os níveis incentivam nossos jovens a entrar para a seita.”
Segundo Ogbebor, importantes políticos nigerianos contratam membros da Black Axe para intimidar os rivais, proteger urnas de votação e coagir as pessoas a votar. Depois de eleitos, afirma ele, os políticos os recompensam com cargos no governo. “Eles os armam, dão dinheiro durante as eleições e prometem nomeações políticas”, revela Ogbebor.
Dois documentos, aparentemente vazados das comunicações internas do NBM, sugerem que 35 milhões de nairas (mais de 64 mil libras, ou R$ 480 mil) foram canalizados para a organização na cidade de Benin para “proteger votos” e garantir apoio para uma eleição de governador em 2012.
Em troca do apoio, os arquivos indicam que “80 cargos [foram] alocados para o NBM da zona de Benin para emprego imediato pelo governo estadual”. Esse dinheiro foi supostamente distribuído diretamente “pelo então chefe de gabinete Sam Iredia”, já falecido.
Durante entrevistas com integrantes de alto escalão do NBM em Lagos, seu representante legal confirmou que “diversos políticos” são membros. Ele citou como exemplo o nome do vice-governador do Estado de Edo, Philip Shaibu.
“Existem muitas pessoas que são membros da nossa organização e não há motivo para esconder isso”, afirma Aliu Hope, um dos advogados da NBM.
Um antigo membro do governo do Estado de Edo, em entrevista pela primeira vez para a imprensa internacional, apresentou-se para denunciar a colaboração do Estado de Edo ao crime organizado.
Tony Kabaka, membro confesso da seita e do NBM, passou anos trabalhando para o governo na cidade de Benin, até 2019. Nesse período, por meio da sua empresa Akugbe Ventures, ele empregou mais de 7 mil coletores de impostos, gerando bilhões em receita para o Estado.
Desde que saiu da política, Kabaka vem sofrendo repetidas tentativas de assassinato. Sua mansão – uma imensa construção branca com colunas romanas – está repleta de buracos de balas.
“Se você chegar e perguntar ‘você consegue identificar a Black Axe no governo?’, eu identificarei”, afirma ele. “A maior parte dos políticos, quase todo mundo está envolvido.”
“Se o governo quiser se eleger, ele precisa deles”, afirma Kabaka. “A seita só existe porque o governo está envolvido – essa é a verdade.”
A equipe da BBC viajou para a cidade de Benin em julho de 2021 para entrevistar o vice-governador Philip Shaibu, mas ele não compareceu para a entrevista por duas vezes. Questionados por e-mail sobre as alegações de elos com a Black Axe, o governo do Estado de Edo e o vice-governador não responderam.
John Stone acredita que os políticos e as autoridades policiais da Nigéria estão muito infiltradas pela Black Axe para combatê-los com eficiência.
A solução para a violência, segundo ele, está na própria seita. Ele não é o único ex-membro que acredita que o grupo tornou-se perigoso demais.
“Alguns de nós entraram para o NBM para participar da luta contra a opressão”, escreveu um membro de um fórum secreto nos documentos examinados pela BBC. “Mas, agora, somos rotulados como organização criminosa, com evidências por toda parte.”
As comunicações internas da Black Axe são repletas de queixas similares de outros membros. “Não me tornei um Axeman para tirar vidas. Tornei-me um Axeman como tentativa de fraternização”, diz outra postagem. “Por favor, parem com esses assassinatos.”
Os líderes do NBM afirmam que estão empenhados em garantir que a organização permaneça fiel aos princípios da sua fundação e à promoção da paz. O presidente atual do grupo, Olorogun Ese Kakor, afirmou à BBC que foi eleito para erradicar criminosos “infiltrados” e que essas pessoas vêm causando “grandes danos à organização”.
Em uma tentativa de explorar esse esforço de mudança, Stone formou o que ele chama de “Coalizão Arco-Íris” – um grupo de apoio composto de antigos membros da seita, cidadãos nigerianos influentes e professores. Seus membros tentam reduzir a escalada das tensões quando gangues rivais entram em conflito, dirigindo a Black Axe rumo a um futuro mais pacífico.
“A contribuição da Coalizão para a sociedade é reduzir a criminalidade”, afirma ele. “Reduzir a taxa de mortalidade entre os jovens. Reduzir a quantidade de viúvas e órfãos.”
O cofundador da Coalizão, Chukwuka Omessah, quer que os membros da Black Axe reflitam sobre a sociedade que estão criando.
“Todos nós temos consciência”, afirma ele. “Você pode negá-la para a imprensa, negá-la para o público, mas não pode negá-la nos seus momentos de reflexão – a sua consciência virá buscar você.”
John Stone sabe que forçar a reforma da Black Axe é uma tarefa perigosa. Ele sabe que seus antigos companheiros poderão um dia vir buscá-lo. O professor tem uma espada de 90 cm escondida no seu carro e uma arma de fogo credenciada em sua casa.
“Para minha guarda pessoal, minha segurança pessoal”, afirma ele. “Se eles vierem atrás de mim, por que não posso também ir atrás deles?”