Áudios de teor sexista com referência às mulheres da Ucrânia e atribuídos ao deputado estadual Arthur do Val, pré-candidato do Podemos ao governo paulista, provocaram nesta última sexta-feira (4) segundo a Folha de S. Paulo, uma crise com desdobramentos também para a campanha do ex-juiz Sergio Moro, até então defensor de sua candidatura em São Paulo.
Moro indicou rompimento com Arthur do Val ao dizer que lamentava “profundamente as graves declarações” atribuídas ao deputado, youtuber também conhecido pelo apelido de Mamãe Falei e ligado ao MBL (Movimento Brasil Livre).
“O tratamento dispensado às mulheres ucranianas refugiadas e às policiais do país é inaceitável em qualquer contexto. As declarações são incompatíveis com qualquer homem público”, afirmou o ex-juiz, acrescentando que as falas podem ser consideradas criminosas.
Outros integrantes do Podemos, incluindo a presidente do partido, Renata Abreu, e o ex-procurador Deltan Dallagnol também divulgaram nota com críticas às falas atribuídas a Arthur do Val, que viajou à Ucrânia nesta semana com a justificativa de conversar com a população local diante da guerra, contrapondo-se ao presidente Jair Bolsonaro (PL), que declarou neutralidade no conflito com a Rússia.
Arthur do Val chegou a fazer uma vaquinha para custear a viagem ao lado de outro líder do MBL, Renan Santos.
Os áudios de teor sexista atribuídos a Arthur do Val, que teriam sido enviados a amigos, dizem que as ucranianas são “fáceis” de pegar por serem pobres —e que a fila de refugiados da guerra tem mais mulheres bonitas do que a “melhor balada do Brasil”.
O deputado não se manifestou até a publicação desta reportagem. Segundo o MBL, ele estaria em um voo rumo ao Brasil.
A voz dos áudios é idêntica à do deputado, mas integrantes da organização diziam não terem recebido as mensagens em seus grupos de WhatsApp. A namorada de Arthur do Val, Giulia Blagitz, encerrou seu relacionamento com o parlamentar após o vazamento das falas atribuídas a ele.
Na quarta-feira (2), Moro elogiou a iniciativa do deputado e de Renan Santos de viajarem ao Leste Europeu.
“O Dep. Arthur do Val e Renan Santos, do MBL, decidiram reportar in loco o conflito na fronteira da Ucrânia. Também angariaram ajuda financeira para amparar refugiados. É sempre louvável quando saímos do discurso e partimos para a prática”, escreveu.
Nesta sexta, sinalizou seu rompimento. “Tenho uma vida pautada pela correção e pelo respeito a todos —tanto no campo público quanto na vida privada. Portanto, jamais comungarei com visões preconceituosas, que podem inclusive ser configuradas como crime”, disse Moro, indicando que não dividirá palanque com o parlamentar.
“Jamais dividirei meu palanque e apoiarei pessoas quem têm esse tipo de opinião e comportamento. Espero que meu partido se manifeste brevemente diante da gravidade que a situação exige”, afirmou Moro.
A presidente do Podemos, Renata Abreu, divulgou nota dizendo serem “gravíssimas e inaceitáveis as declarações do deputado estadual Arthur do Val”.
“Não se resumem ao completo desrespeito à mulher, seja ucraniana ou de qualquer outro país, mas de violações profundas relacionadas a questões humanitárias, em um momento em que esse povo enfrenta os horrores da guerra”, afirmou.
“O Podemos repudia com veemência as declarações e, com base nelas, instaura de imediato um procedimento disciplinar interno para apuração dos fatos”, completou.
Um dos áudios atribuídos a Arthur do Val descreve como o deputado supostamente teria usado seus 730 mil seguidores no Instagram para se aproximar de mulheres ucranianas.
“Elas olham [para ele, Arthur] e vou te dizer: são fáceis porque elas são pobres. E aqui, cara, minha carta do Instagram, cheio de inscritos, funciona demais. Funciona demais. Depois eu conto a história”, diz.
Um deputado da Assembleia Legislativa de São Paulo disse ter conversado com ele sobre o assunto e que Arthur do Val teria se mostrado muito preocupado com as consequências de sua fala.
O youtuber foi o segundo deputado estadual mais votado de São Paulo nas eleições de 2018, com 478.280 votos na disputa. Em 2020, foi candidato a prefeito pela primeira vez e ficou em quinto lugar, com 9,8%.
Eleito deputado pelo DEM, Arthur do Val foi expulso do partido por críticas ao governador João Doria (PSDB) e sucessivas brigas com os colegas de plenário. Depois, se filiou ao Patriota para disputar as eleições municipais. Agora busca o governo estadual pelo Podemos.
O ex-procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol (Podemos-PR) disse que são “inacreditáveis e inaceitáveis as falas desrespeitosas divulgadas hoje sobre as mulheres ucranianas”.
Segundo ele, os áudios “merecem todo repúdio. Nenhuma mulher, em nenhuma situação, deve ser tratada como objeto, mas com dignidade e respeito. Isso é uma questão de valores, de princípios e de direitos”.
A deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP), afirmou que não tem “palavras para expressar a indignação com o desrespeito para com as mulheres ucranianas. O tratamento a elas dispensado já seria inaceitável, pelos termos utilizados! Mas, diante da situação de vulnerabilidade, é revoltante! Triste!”.
O governador de São Paulo e presidenciável, João Doria (PSDB), considerou “repudiante” a fala atribuída a deputado Arthur do Val. “Inaceitável! Vergonhoso!”.
A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) afirmou que os áudios são “repugnantes”. “As guerras deixam órfãos, eliminam famílias e atemorizam o mundo. É triste e vergonhoso para o país que um parlamentar brasileiro, mesmo que regional, se comporte de modo tão vil e cruel”.
A deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP) afirmou que irá entrar com uma representação contra o parlamentar, por conta das declarações.
“A respeito disso, estou agora entrando com uma representação jurídica contra o Arthur”, disse nas redes sociais. ” É todo dia, —absolutamente todos os dias—, que um homem com poder faz um escárnio imensurável de violência e misoginia. É essa pessoa que vocês querem que a gente conviva no Parlamento?”.
A presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann, também se posicionou sobre o caso.
“Áudio de Mamãe Falei sobre as mulheres da Ucrânia é uma das coisas mais deploráveis que já se viu. Uma guerra, pessoas sofrendo, perdendo suas casas, familiares, destruição, mortes. Que asco! Esse é o tipo de gente que elegeu Bolsonaro. Precisa perder o mandato!”.
Pré-candidato ao Governo de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL) afirmou que “o mínimo que se espera da Assembleia Legislativa de São Paulo é cassar o mandato do deputado Mamãe Falei”.
“O MBL sempre foi humanamente desprezível. Inventaram fake news sobre Marielle e atacaram Padre Júlio. Mas o audio de Mamãe Falei ultrapassa qualquer limite de indignidade moral. Ir para um país em guerra para assediar mulheres desesperadas é nojento demais!”, disse.