Políticos acusados de comportamentos desviantes, sejam eles de esquerda ou de direita, sempre vão se valer de narrativas de vitimização de que estão sofrendo algum tipo de perseguição política. Até um determinado momento, essa estratégia de vitimização pode funcionar, e as acusações, se frágeis, tendem a se dissipar e a sair da agenda e do debate público.
Mas se o delito cometido for percebido como muito grave pela sociedade, e as evidências se acumularem e começarem a fragilizar demasiadamente o capital político do acusado, a procura por socorro por meio de apoio popular passa a ser premente… talvez a última cartada de sobrevivência que ainda resta.
A busca de apoio popular, entretanto, é sempre uma jogada muito arriscada, especialmente quando se está politicamente vulnerável. Fazer apelos diretos a eleitores, mesmo daqueles mais conectados ideologicamente e/ou identitariamente com o líder político acusado, em vez de usar os canais institucionais e tradicionais de negociação, não é destituído de custos. Sempre pairam dúvidas e incertezas sobre como o público irá reagir.
Se a estratégia de comunicação direta com o público for bem sucedida, pode sinalizar força política e ajudar a estancar o sangramento e a dissipar o peso das acusações. Mas, se for percebida como um fracasso, pode ser o empurrão que faltava para a condenação pública do acusado e consolidar o caminho de punições políticas e judiciais pelas organizações de controle.
Esse é risco que o ex-presidente Jair Bolsonaro corre neste exato momento. Decidiu repentinamente convocar um ato público em sua defesa na avenida Paulista no dia 25 de fevereiro com o objetivo de se reconectar com seus eleitores e mostrar que ainda possui alguma força política.
Essa decisão coincide justamente com a operação Tempus Veritatis da Polícia Federal, que investiga a participação direta do ex-presidente na articulação de um golpe de Estado, na criação de uma Abin paralela para bisbilhotar ilegalmente adversários políticos, entre outras acusações, e que já acarretou na apreensão de seu passaporte.
Bolsonaro espera que esse ato público não apenas o fortaleça politicamente, como também impulsione a agenda no Legislativo de enfraquecimento dos poderes da Suprema Corte, especialmente do ministro Alexandre de Moraes, identificado por ele como o seu principal algoz.
No entanto, a gravidade das acusações e evidências colhidas até o momento contra Bolsonaro colocam seus aliados em um verdadeiro dilema. Será que vale a pena continuar apoiando um ex-presidente já banido eleitoralmente por oito anos e que pode vir a enfrentar mais punições judiciais por atentar contra a democracia brasileira? Esse ato pode representar o último apelo de um líder que, pela fadiga causada por sua toxidade, pode vir a ser abandonado pelos seus próprios aliados.
Por Carlos Pereira – Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE) e sênior fellow do CEBRI.