Partidos dos presidenciáveis tentam capturar a atenção de cerca de 29 milhões de pessoas na faixa dos 16 aos 24 anos
Segundo reportagem de Letícia Casado, Rafael Moraes Moura, na revista Veja, os favoritos na corrida presidencial, Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) divergem sobre quase tudo, dos rumos da economia às prioridades dos ministérios, mas concordam num ponto: a eleição deste ano será uma das mais duras e acirradas da nossa história. Até por isso, os dois líderes das pesquisas já disputam palmo a palmo o apoio de nichos específicos do eleitorado. Os embates mais notórios se dão em torno dos evangélicos e daqueles que têm renda mensal de até dois salários mínimos, mas há outros duelos igualmente importantes. Entre eles, destaca-se a briga pela preferência dos eleitores de 16 a 24 anos, faixa etária que corresponde a 17% da população brasileira e reúne 29 milhões de pessoas — três vezes mais do que a vantagem obtida por Bolsonaro sobre Fernando Haddad no segundo turno de 2018. Além de seu inegável peso numérico, os jovens são considerados estratégicos do ponto de vista eleitoral por uma característica incontestável e muito cobiçada em tempos de campanha: sua capacidade de mobilização, que pode fazer a diferença num páreo que, ao que tudo indica, será decidido voto a voto.
“Nossa geração tem consciência política muito maior, se identifica com as causas dos movimentos feministas e antirracistas, além de colocar como prioridade a agenda ambiental e se preocupar com os povos indígenas.”
Bárbara Itacaramby, 23 anos, estudante de terapia ocupacional
A seis meses do primeiro turno, Lula lidera com folga nesse segmento. Em março, o Datafolha mostrou que o petista tinha 51% de intenção de voto entre eleitores de 16 a 24 anos, enquanto Bolsonaro marcava 22%. No geral, considerando todas as faixas etárias, a diferença é menor: 43% a 26%. Dias após a divulgação desses dados, milhares de pessoas protestaram contra Bolsonaro, num festival de música, em coro puxado por artistas com forte apelo entre os jovens. Em resposta, advogados do PL foram à Justiça para tentar censurar as manifestações. O tiro saiu pela culatra, e as críticas ao ex-capitão se acentuaram tanto nos palcos quanto nas redes sociais. Bolsonaro passou recibo e, num evento partidário do PL, deixou claro que fará de tudo para lembrar o eleitor mais jovem dos casos de corrupção no governo Lula e da recessão econômica na gestão de Dilma Rousseff. “Os mais jovens podem não conhecer. Seus pais e avós têm a obrigação de mostrar para eles para onde o Brasil estava indo, bem como vivem os jovens em outros países, como a Venezuela. Há pouco estávamos à beira do abismo”, declarou o presidente.
A preocupação de Bolsonaro é pertinente. Em março, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lançou uma campanha para estimular os jovens de 16 a 17 anos, que somam 6 milhões de pessoas, a tirar o título de eleitor. Artistas como a cantora Anitta abraçaram a causa. Deu resultado, e mais de 1 milhão nessa faixa etária já pediu o documento. Em arenga constante com o TSE, o clã Bolsonaro viu na iniciativa uma forma de o tribunal favorecer o PT. Coordenador da campanha à reeleição, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) recorreu à ironia nas redes sociais, dizendo não entender por que Lula, que teria “550%” nas pesquisas, estaria tão empenhado em habilitar os jovens para votar. Como de costume, após a reação figadal, os bolsonaristas tentaram articular uma resposta racional. Uma ideia é explorar ações oficiais, como o anúncio de um programa de renegociação de dívidas do Fies, com potencial para beneficiar 2 milhões de estudantes. Outra é tentar rejuvenescer o presidente nas redes, por meio da campanha virtual “Sou Jovem, Sou Bolsonaro”, baseada em depoimentos de eleitores dessa faixa etária. Estão previstas ainda rodadas de conversas do presidente com jovens influenciadores de direita.
“Os jovens muitas vezes querem transformações muito rápidas, revolucionárias. O processo de mudança da sociedade é necessário, mas não pode ser açodado. É preciso observar, entre outras coisas, os valores cristãos, católicos.”
Pedro Augusto de Sousa, 23 anos, estudante de direito
Vale destacar que, entre os aliados do governo, existe um claro temor de que esse segmento do eleitorado dificulte a escalada do presidente nas pesquisas. A juventude atual é menos propensa à esquerda do que no passado, mas Bolsonaro, por sua postura muitas vezes homofóbica e machista, revelou-se um ponto absolutamente fora da curva. Portanto, a resistência ao seu nome nesse grupo, por razões óbvias, tende a ser maior. Uma das mais combativas (e tresloucadas) integrantes da base governista no Congresso, a deputada Carla Zambelli (PL-SP) reconhece as fragilidades de Bolsonaro nessa faixa. “A gente brinca que as tias do Zap é que fazem a nossa comunicação, porque é mais fácil dialogar com elas. Vamos ter de aprender como falar com os jovens para tirar desse público a ideia de que ser conservador é careta”, diz Zambelli. Flávio Bolsonaro, o filho de maior visão política do clã, crê que as críticas pesadas que serão feitas ao PT também podem ajudar. “Esse segmento, que por ventura não tenha conhecimento de todos os males que o PT ocasionou ao Brasil, vai ficar sabendo de toda a roubalheira que eles causaram, a crise, a ameaça à liberdade de expressão. Os jovens estão antenados. Os que tiraram título para votar agora têm de estar cada vez mais conscientes do câncer que foi o PT para o Brasil”, reforçou.
“O que torna a política bonita é o diálogo. Quando você polariza, você não usa da melhor arma política que é o diálogo, ignora um lado, deixa de escutá-lo.”
Matheus Lobo, 23 anos, estudante de engenharia
Na visão dos especialistas, a questão central não é a forma de abordagem utilizada, mas o conteúdo usado na tentativa de diálogo. O candidato pode até ser um expert em linguagem juvenil e fazer dancinha no TikTok, mas dificilmente conquistará os corações, as mentes e, principalmente, os votos se não apresentar uma boa proposta para a juventude. A regra é clara: forma sem conteúdo é garantia apenas de cair no ridículo, o que já está acontecendo com alguns presidenciáveis. “Não acho que ser bom de TikTok aumenta a chance eleitoral de alguém, especialmente entre o eleitorado jovem. Os jovens não são bobos e têm noção do ridículo”, diz o cientista político Sérgio Praça, da FGV. “Acho que campanhas ideais para falar com jovens são as que falam de educação, primeiro emprego e transporte público, porque são temas que afetam diretamente a vida deles”, acrescentou. Dados da última pesquisa da Quaest tabulados a pedido de VEJA revelam que na faixa etária entre 16 e 19 anos a maior preocupação é, de longe, a economia (52%). A corrupção aparece em segundo lugar, mas bem distante, com 12%. Ter oportunidade é um desejo comum nesse segmento, mas não está fácil. Desde 2016, a taxa de desemprego entre pessoas de 18 anos a 24 anos é superior a 20% — ou o dobro da média de todas as faixas etárias. Como o grosso do eleitorado, o jovem quer saber de soluções para os problemas da vida real, mas até nesta fase de pré-campanha a vida deles não está tranquila.
A maioria dos candidatos peca pela falta de propostas e até de bom senso. “Nós vemos muitos políticos no TikTok e seus vídeos nem sempre são atraentes, não há intimidade com a tecnologia e, então, acabam ridicularizados. Não é fácil alcançar esse público porque ele não está disposto a abraçar uma política tradicional que não compreende seus anseios”, disse a cientista política Bruna Silva, da PUC de Minas Gerais. Terceiro lugar nas pesquisas, o ex-juiz Sergio Moro (União Brasil), conhecido pela sisudez e formalidade, fez peças publicitárias sobre suas preferências em histórias em quadrinhos e participou de uma rodada de podcasts destinados a adolescentes. Num vídeo, dirigiu-se aos jovens eleitores como “prezados”, não abandonou o paletó ao brincar de fliperama e, para desespero dos gamers, apareceu jogando com as mãos cruzadas, posição que indica falta de prática e dificulta o manejo dos botões do console. E vem mais por aí. Por orientação da campanha, Moro fez uma leitura intensiva de quadrinhos do Batman para, nas peças publicitárias, relacionar suas propostas de enfrentamento do crime organizado com o discurso do justiceiro de Gotham City. O ex-juiz também comprou um boneco do Homem-Aranha e quer utilizá-lo em vídeos de campanha para comparar sua história à saga de Peter Parker, o nerd da ficção que usa seus superpoderes para ajudar a combater criminosos.
Empatado com Moro na terceira colocação, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) tem apostado em um programa semanal, o “Ciro Games”, divulgado em seu canal de YouTube, para amplificar o seu estilo provocador ao comentar os principais assuntos do noticiário, como a crise no Ministério da Educação. O formato é de um telejornal voltado para jovens, com edição ágil, e o cenário lembra uma sala de videogame. Com um figurino pensado pelo marqueteiro João Santana, Ciro veste camisa jeans ou social, posta-se ao lado de uma caneca do personagem Mario Bros e abusa da informalidade. Como de costume, é mais reativo — e bota reativo nisso — do que propositivo. “Lula, você loteou a Petrobras toda. Eu lhe avisei muitas vezes que a Petrobras estava toda loteada por ladrões e você sabia que eles estavam assaltando a Petrobras. Não vai escapar do debate, não”, desafiou Ciro no programa do último dia 5. As lives costumam durar entre sessenta e noventa minutos e reúnem convidados para debater com o candidato.
“Não somos uma geração otimista, está todo mundo achando que o Brasil tá indo ladeira abaixo. É desemprego, pandemia, preconceito, muitos já pensam em se mudar para outro país. O Brasil virou um país sem futuro para nós.”
Maria Eduarda Borges, 16 anos, estudante do ensino médio
De fato, não é fácil acertar todos os campos (forma e conteúdo) ao se dirigir a esse público. Nome que hoje tenta fazer a convergência da terceira via, a senadora Simone Tebet (MDB) tem escolhido bons temas, postando vídeos sobre feminicídio, racismo e o preço dos combustíveis, sempre encerrados com o seu slogan, “Uma nova esperança para o Brasil”. Apesar da temática de interesse dos jovens, essas aparições repetem o tradicional modelo das inserções televisivas — sentada em uma bancada, Simone parece ler o texto de um teleprompter, como se o horário eleitoral gratuito tivesse migrado para as redes sociais. Tudo ensaiado demais, sem muita espontaneidade. “É uma nova forma de você chegar àquele eleitor que não se informa mais pelos veículos tradicionais”, disse a presidenciável a VEJA. Até agora, o resultado é modesto. Com 1% a 2% de intenção de votos, a senadora tem apenas 1 800 seguidores no TikTok, enquanto Lula tem 154 000. Talvez o candidato com maior chance de vender sua história, João Doria ainda não definiu como irá fazê-lo. O ex-governador de São Paulo tem bons números do seu governo nos assuntos de interesse desse grupo, ficou do lado da vacina na hora certa e saiu da pobreza para a riqueza — algo que muitos desses jovens desejam — começando a trabalhar cedo, com extrema dedicação. A ideia do tucano é criar um podcast no qual ele será questionado por jovens de diferentes partes do país. Daniel Braga, marqueteiro de sua campanha e especialista nesse segmento, diz que estão sendo feitas pesquisas para entender melhor esse eleitor e definir quais tipos de materiais provocam mais engajamento. Ele alega que até agora quase ninguém está pensando na eleição. No caso dos jovens, só haveria atenção ao assunto daqueles que já têm um lado e são militantes. “O risco de capturar a opinião de um jovem não politizado neste momento, em que ele não está pensando no assunto, é tornar a pesquisa superficial”, afirma.
Quem está na frente discorda dessa posição. Na atual campanha presidencial, que começou de fato em meados do mandato de Bolsonaro, coube a Lula deflagrar primeiro a ofensiva para conquistar os jovens. Em setembro do ano passado, o petista foi entrevistado por Mano Brown, líder do grupo Racionais MCs, no que se tornou o podcast mais ouvido no Spotify em 2021. Em dezembro, o petista compareceu ao Podpah, podcast comandado por dois influenciadores com grande audiência entre os jovens. A entrevista foi reproduzida 9 milhões de vezes no YouTube. Nela, Lula disse que Bolsonaro “não gosta de negros, de LGBT, de mulheres” e “só gosta de milicos e milicianos”. Além disso, defendeu a participação dos jovens na política. “Quem vai derrotar o Bolsonaro nas urnas são as mulheres e os jovens”, disse a VEJA o ex-ministro José Dirceu. Até aqui, os dois segmentos caminham com Lula.
Enquanto os presidenciáveis gastam energia basicamente com a forma para atrair esse grupo, e não com o necessário debate de conteúdo, o eleitorado dessa faixa etária mostra especial interesse por pautas como meio ambiente, educação, diversidade e oportunidade, como mostram os relatos que ilustram esta reportagem. “O que torna a política bonita é o diálogo”, lembra o estudante de engenharia Matheus Lobo, de 23 anos, crítico da polarização que interdita o país. “Não somos uma geração otimista. Está todo mundo achando que o Brasil está indo ladeira abaixo. É desemprego, pandemia, preconceito. O Brasil virou um país sem futuro para nós”, afirma a estudante Maria Eduarda Borges, de 16 anos. Ouvi-los certamente é um bom início para compreender o que eles querem e ajudá-los a ter esperança no futuro do país. E uma coisa é certa: games e dancinhas no TikTok certamente não resolverão esses problemas nem trarão os votos necessários.
Publicado em VEJA de 20 de abril de 2022, edição nº 2785