Crescem as evidências de que a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) passe de 8 para 30 anos. É esta a conta se, à pena de abuso de poder político e econômico determinada pelo Tribunal Superior Eleitoral, somarem-se condenações por tentativa de suposto golpe, abolição do Estado de Direito e associação criminosa.
O cenário autoriza a que se abram as apostas para o que vai ser do pós-Bolsonaro. A primeira delas indica uma extrema-direita incorporada à paisagem, sob um sarrafo de 20% dos votos, com poder de desequilibrar o jogo, mas sem fôlego para alavancar uma fatia majoritária do eleitorado.
Como parece ter ficado claro que o PL embarcou na aventura golpista, ao partido seria reservado o mesmo destino. Não perderia o registro, mas ficaria sem puxador de votos para as bancadas proporcionais ou fôlego para bancar candidaturas majoritárias. Sem janela para mudança de partido até 2026, seus parlamentares manteriam o PL com a maior bancada da Câmara e a segunda do Senado, mas sem a mesma força para impor sua agenda, notadamente na pauta anti-STF.
Não foi Bolsonaro quem levou Valdemar Costa Neto a reaprender o caminho da cadeia, mas foi a aliança com o golpismo que proporcionou o flagrante dos velhos vícios. Já terá sido convencido a virar a página do que restar do seu partido.
Com uma bancada deste tamanho à deriva, o pêndulo, no Congresso, tende a favorecer o governo, particularmente na Casa que lhe é mais hostil. Crescem as dificuldades para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), colocar no seu lugar uma marionete. A reserva de votos do PL, à qual o Centrão costuma recorrer nos seus embates com o Planalto, passará a ser disputada pelo próprio governo, sem intermediários.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem chance de construir uma maioria na Câmara e, com isso, viabilizar o que resta da pauta econômica. Nesta nova ordem, PSD e o MDB, mais próximos do governo, já alvejam a trinca bolsonarista por excelência (PL, PP e Republicanos). Parece improvável, porém, que o governo possa abrir mão daqueles que já amealhou desta trinca, até porque do outro lado está a “independência” garantida pelos R$ 47 bilhões em emendas.
Esta muralha não foi obra apenas de Bolsonaro, mas do lavajatismo que emparedou presidentes, permitiu que os parlamentares lhes arrancassem concessões e pavimentou a rota do capitão. É cedo para dizer se o ocaso do bolsonarismo permitirá a recomposição do Orçamento, mas o Executivo ganha força para enfrentar o tema.
E, finalmente, a tese da polarização bancada por Lula nas eleições municipais se encaminha para vencer por WO. Continua limitada pelos determinantes locais desta disputa, mas pode favorecer o polo governista desde que Bolsonaro siga sangrando até 2026 para alimentar o petismo.
A vitimização tem lá seu charme, mas se não puder se transformar em voto vira lamento e, no limite, desencanto. É improvável que paladinos da extrema direita, como Nikolas Ferreira, Alexandre Ramagem ou Abílio Brunini possam conduzir campanhas bem sucedidas em BH, Rio e Cuiabá calçadas na vitimização de Bolsonaro.
Discreto até aqui, à exceção do governador de Santa Catarina, Jorginho Melo, o apoio que Bolsonaro mantém entre os nove governadores que ajudou a eleger poderá ser medido pela presença no ato que convocou para o dia 25.
Estes são os sinais de um cenário mais benigno para Lula que pode advir de um bolsonarismo em fogo morto, mas não é o único. O Brasil está cercado de norte (Trump) a sul (Milei) pelo populismo de extrema-direita, que demonstra resiliência também na Europa.
Uma liderança cujo partido bordejou o bolsonarismo, hoje corteja o petismo e se reivindica centrista, diz que foram os erros de Bolsonaro que tiraram o Brasil do mapa das grandes apostas da extrema-direita, não os valores que encarna.
Bolsonaro tirou a direita do armário, dando-lhe apelo popular com conservadorismo nos costumes, segurança pública, pau na corrupção e militares no figurino de poder moderador. À exceção deste último, nenhum dos outros valores desapareceu da cena. Sem o puxador de seu samba, porém, a direita ficou sem voz. Não se trata mais de encontrar um nome que esquente a cadeira para a volta de Bolsonaro mas quem, de fato, fique no seu lugar.
Ronaldo Caiado? É democrata, pró-vacina e muito focado em segurança pública, sempre no pódio das preocupações, vide a fuga em presídio federal. O governador de Goiás, porém, padece por ser um nome de carreira tradicional quando o vácuo que se abre é o da antipolítica. Haja sucesso de Lula em seu esforço pela “normalização da política” para que este vácuo se feche. Até porque o presidente “normaliza” com a mão direita e incita a polarização com o bolsonarismo golpista com a esquerda.
Abre-se uma chance para o desmonte da polarização afetiva calcificada de que falam Felipe Nunes e Thomas Traumann (“Biografia do Abismo”, 2023). Mas isso depende tanto do governo quanto dos herdeiros do bolsonarismo.
O golpismo bolsonarista matou a galinha dos ovos de ouro do Centrão, que vai tentar se rearranjar sob Lula com ainda mais conforto. É a frustração com aquilo que se faz do voto do eleitor que aduba a antipolítica e leva os “valores” a tomar o lugar da melhoria de vida como indutor de preferência eleitoral. As chances agora abertas dependem deste rearranjo.
Por Maria Cristina Fernandes – No Valor desde a fundação, foi editora de política por 15 anos do jornal. Também foi editora de Política da “Gazeta Mercantil” e subeditora da revista “Veja”