A devolução dos bens milionários do traficante André do Rap constitui o episódio mais estarrecedor do combalido sistema de Justiça Criminal brasileiro. Não bastasse a magnânima decisão do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello que, em 2019, o beneficiou com a concessão de habeas corpus, o Superior Tribunal de Justiça, em decisão recente de relatoria do ministro Rogério Schietti Machado Cruz, devolveu ao traficante os bens apreendidos em operação da Polícia Civil paulista. A referida ação policial resultou na prisão de André do Rap em uma mansão na cidade de Angra dos Reis (RJ). Ali foram encontrados carros importados, uma lancha de luxo, dois helicópteros e outros bens.
Ao ser preso André do Rap estava foragido da Justiça havia seis anos. Ele fora condenado em dois processos por tráfico internacional de drogas em 2013 e 2014, respectivamente. A Polícia paulista alega que André do Rap durante o período em questão morou na Holanda, utilizando identificação falsa. Nesse período estabeleceu vínculos do PCC com a organização mafiosa italiana Ndrangheta para promover a remessa e distribuição de cocaína na Europa.
A soltura do traficante, possuidor de vastos antecedentes criminais, causou inúmeras indagações nas redes sociais e no seio da sociedade brasileira: como a Justiça de nosso país, representada por duas Cortes Superiores (o STF e o STJ), conseguiu a proeza processual de pavimentar a fuga de André do Rap e, ainda, promover a devolução dos bens que se encontravam na posse do criminoso no momento da prisão? A resposta a essa inversão de valores morais e jurídicos que deveriam guiar as práticas processuais encontra-se na pervertida implantação filosófica e jurídica do garantismo processual em nosso país, por meio de normas que não representam os anseios da sociedade e inflacionam a violência, popularizando a máxima de que “o crime no Brasil compensa”.
Os artifícios jurídicos processuais que embasaram as decisões devolvendo a liberdade e os bens de André do Rap – no caso da soltura, o fato de ser preso provisório e estando preso há mais de 90 dias, sem a devida instrução processual e, no caso da devolução dos bens e trancamento da ação penal, por não constar no mandado judicial a determinação para apreensão dos bens.
Essas firulas, ou melhor, aberrações do sistema processual pátrio, não são isoladas. Elas integram nosso ordenamento processual criminal, promovem injustiças cotidianas e permitem que malfeitores e facínoras, como o André do Rap, mantenham suas atividades criminosas, fazendo, assim, valer o adágio popular de que “o crime compensa no Brasil” se constitua a verdadeira face de nosso sistema de Justiça Criminal.
Esses episódios processuais envolvendo nossas Cortes Superiores não podem ser tratados de forma isolada. E reafirmo: trata-se de práticas cotidianas, pautadas no travestido espírito do garantismo processual idealizado por Luigi Ferrajoli, que em nosso país alcançou proporções demasiadamente alastradas, maculando o espírito das leis e, consequentemente, da Justiça pátria. Esse retrocesso, que se iniciou há aproximadamente quatro décadas e efetivamente desconstruiu o sistema de Justiça Criminal, afastando a Justiça dos anseios da sociedade, necessita ser revisto com urgência.
Na Itália, berço da ideologia garantista processual, por exemplo, há quarenta anos se iniciou um movimento para compelir a violência promovida pelas organizações mafiosas, resultando na criação de artifícios processuais representados pelo Código Antimáfia, que apresenta como principal característica o fortalecimento da prevenção e da repressão às atividades mafiosas, com destaque para o sequestro e o confisco de bens. Nesse desiderato, é necessário reformular a legislação pátria, bem assim, promover uma reforma profunda na Justiça, a fim de que o enfrentamento das organizações criminosas seja revestido de instrumentos eficazes de descapitalização e desestímulo da violência praticada por seus integrantes. É imperioso banir os artifícios e floreios processuais que incentivam a injustiça e a violência vivenciadas hodiernamente em nosso país e, assim, atendermos aos anseios da população por uma sociedade mais segura e onde o “crime não compense”.
Por Coronel Ulysses – Ele é deputado federal (União Brasil/AC), 2.º vice-presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, advogado especializado em Segurança Pública. Ex-CMT Geral da PMAC. Ex-CMT do BOPE/PMAC. Fundador da COE e GEFRON (SEJUSP/AC). Especialização em Gerenciamento Superior de Polícia na Lake Technical Center Institute of Public Safety na Flórida (USA) e Instrutor Master de Técnicas SWAT, Anti-Kidnap e Contraterrorismo da UNITED STATE POLICE INSTRUCTOR TEAMS (Orlando-USA)