Aliados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dentro e fora do PT ampliaram a pressão para que o partido avance na mobilização popular em torno da provável candidatura ao Palácio do Planalto. O argumento é o de que não dá para esperar a campanha oficial para sensibilizar os eleitores. Lula deve ir para rua, mas alguns do PT, estariam com receio.
Antes restrita aos bastidores, a cobrança começou a vir a público nos últimos dias. O argumento, em linhas gerais, é o de que o projeto de um terceiro mandato para Lula precisa ganhar as ruas e chegar às chamadas massas populares como forma de fazer frente ao presidente Jair Bolsonaro (PL).
A preocupação já foi levada à cúpula petista por aliados como o líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e pré-candidato do PSOL ao governo de São Paulo, Guilherme Boulos, e por porta-vozes da Frente Brasil Popular, que agrega dezenas de movimentos sociais.
O apelo também foi externado pela Articulação de Esquerda (corrente interna da legenda, minoritária, que reúne a ala mais à esquerda). Em resolução deste mês, o grupo registrou a necessidade de “mobilização militante e programa popular” para “derrotar o neofascismo e o neoliberalismo”.
“Tempo precioso está sendo perdido em negociações de cúpula (federação, vice, alianças com partidos de direita), tempo que deveria estar sendo utilizado para fazer campanha diretamente junto ao povo”, afirmou a tendência petista, que é contra a presença do ex-tucano Geraldo Alckmin na chapa.
A avaliação nos segmentos que querem agilizar o engajamento é a de que, respeitando a legislação eleitoral, é possível começar a envolver a classe trabalhadora e as camadas menos ligadas no debate político, nos moldes do planejamento que o PT já faz para redes sociais.
A iniciativa neste mês de criar os Comitês Populares de Luta (espaços partidários e voluntários que funcionarão como bases de difusão da campanha) foi bem recebida pelos que requerem maior peso nas ações para conferir à campanha presidencial ares de movimento popular.
Uma cartilha da legenda sobre a fundação dos comitês –a meta é chegar a 5.000 ainda neste semestre– propõe que militantes falem com potenciais eleitores em lugares do cotidiano, como o trabalho e a comunidade, e em locais com grande circulação de pessoas nas cidades.
Sugere ainda panfletagens e visitas de porta em porta para “conversar, ouvir e valorizar os pontos de vista delas”. Outra orientação é que o voluntário monte uma mesa com café e bolo, por exemplo, em uma praça e convide transeuntes para um diálogo sobre a situação do país e as propostas do PT.
Segundo a assessoria do PT, já foram criados de forma espontânea cerca de 600 comitês. A secretária nacional de mobilização do partido, Mariana Janeiro, diz que eles são “a grande aposta” da campanha.
“A ideia que o PT tem com esses comitês é fazer o que faz de melhor: conversar com as pessoas. Entendemos que a comunicação nas redes sociais é extremamente importante, mas sabemos que o povo quer conversar e que não tem nada melhor do que falar pessoalmente”, diz ela.
Para Mariana, não há pressões para que o PT volte às ruas, mas, sim, uma ansiedade e vontade “de levar o nome do Lula para o maior número de territórios possíveis.” A dirigente afirma ainda que “o partido está sendo muito prudente em se organizar internamente e organizar a sua militância”.
O objetivo, segue ela, é “ser uma pré-campanha de massas”.
Ao analisar o projeto dos comitês, a Articulação de Esquerda qualificou como missão de cada simpatizante da candidatura a tarefa de convencer outros eleitores. “Vencer as eleições exige um ambiente de luta social (não apenas eleitoral), exige uma campanha militante.”
“Mais que tudo, [é preciso] conquistar corações e mentes para apoiar nossas propostas para reconstruir e transformar o Brasil”, afirma o documento da corrente petista.
Para apoiadores de Lula que têm alertado sobre a importância da mobilização, a melhora gradual da pandemia de Covid-19 deve servir de estímulo para manifestações que deem vazão à insatisfação com mazelas do governo Bolsonaro e depois possam desembocar no discurso pró-Lula.
Correligionários do petista lembram que Bolsonaro tem promovido motociatas, em que o próprio pré-candidato à reeleição é seguido por motociclistas. No mês passado, ele participou de uma jeguiata, um passeio sobre jegues, durante turnê pelo Nordeste classificada por rivais como eleitoreira.
Lula vem reiterando sua vontade de circular pelo país e retomar o contato com a população, respeitando limites impostos pela pandemia. “Estou cansado de ficar prisioneiro dentro de casa. É preciso andar pelo país e conversar com todas as pessoas”, disse em evento do partido na quinta-feira (10).
O ex-presidente, que tenta combater o clima de “já ganhou” na legenda, afirma que a disputa será dura e que ele precisará formar uma espécie de mutirão –uma soma de forças partidárias e sociais em uma frente ampla– não só para ganhar o pleito, mas também para governar.
Há um diagnóstico de que a fase de negociações nos gabinetes para a montagem de candidaturas, alianças e federações consome a energia dos dirigentes e deixa capenga o trabalho com as bases.
“Nas minhas conversas com o Lula, percebo a disposição dele de botar o bloco na rua. Acho isso fundamental”, diz à reportagem Boulos, que ressaltou a “importância de ter uma campanha mobilizada” durante reunião com o ex-presidente na semana passada.
“Esta campanha vai ser acirrada. E é fundamental ter não só os eventos de rua, mas uma atuação permanente, com núcleos e comitês enraizados em bairros, nas periferias, nos interiores do país. Isso vai ser fundamental, inclusive, para combater a máquina de fake news que o Bolsonaro já ativou.”
O chamado campo progressista, organizado no fórum Campanha Nacional Fora Bolsonaro, realizou seis protestos de alcance nacional e até internacional contra o presidente entre maio e outubro de 2021. Os ânimos, contudo, arrefeceram diante da estagnação da pauta do impeachment.
No último dia 8, atos no Dia Internacional da Mulher marcaram a retomada das marchas antigoverno, ainda que de maneira segmentada. Um dos motes da ocasião foi “Bolsonaro nunca mais!”, misturado a palavras de ordem contra o machismo, o racismo, o desemprego e a fome.
A legislação eleitoral só permite atos que tenham o objetivo específico de promover um candidato e pedir votos a partir de 16 de agosto, data que marca oficialmente o início da campanha eleitoral. Até lá, manifestações de cunho político mais amplo podem ocorrer, desde que não peçam voto.
“Essa agenda de mobilizações inevitavelmente se mistura [com eleições], acaba fortalecendo a campanha do Lula”, diz Raimundo Bonfim, que coordena a CMP (Central de Movimentos Populares), é filiado ao PT e foi um dos puxadores dos protestos antigoverno em 2021.
“No ano passado, tentamos desassociar ao máximo, mas este ano isso é inevitável, porque os atos levam para as ruas a denúncia do desemprego, da fome e da miséria. E isso recai sobre Bolsonaro”, diz. “O que virá não é uma eleição normal. E é uma mobilização popular de rua que fará a diferença.”
Entidades alinhadas a Lula intensificaram nos últimos dias a divulgação de calendários para o ano.
O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), por exemplo, prepara suas já tradicionais ações do mês de abril, em defesa da reforma agrária e da agricultura familiar. Antes, participa ao lado de outras entidades, nesta quinta-feira (17), do Ato Nacional Moradia pela Vida, contra despejos e remoções.
CUT (Central Única dos Trabalhadores), Força Sindical, UGT (União Geral dos Trabalhadores), CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil) e MST apresentaram nesta segunda-feira (14) o Calendário de Lutas 2022 para o estado de São Paulo, que lista uma série de atividades conjuntas.
Para o presidente nacional da CUT, Sérgio Nobre, o momento não é de fazer campanha política, mas, sim, de enfrentar a situação atual, que ele resume a um “total abandono das políticas públicas” e “uma tragédia”.
“Vamos discutir campanhas quando as candidaturas estiverem colocadas. O tema de agora é enfrentar a crise social, apoiar a população que está vivendo seu pior momento e o combate à fome. Quem está nessa situação não pode esperar as eleições. As pessoas querem saber como fazer para comer amanhã”, diz.
As centrais sindicais também bateram o martelo sobre o evento do Primeiro de Maio, que será feito de maneira presencial depois de dois anos consecutivos no formato virtual por causa da pandemia. O show costuma ter forte conotação política, especialmente em ano eleitoral.