Na América Latina, enfermeiras buscam emprego e são subvalorizadas, na Europa sobram vagas: a combinação de interesses ideal? Ministros alemães partem para viagem de recrutamento. Mas há obstáculos e dúvidas no caminho. Como é trabalhar na área de cuidados de saúde na Alemanha? O que eu preciso saber antes de procurar um emprego? Que nível de conhecimento do idioma alemão eu preciso ter? Perguntas desse tipo vêm aparecendo com frequência no Facebook, Instagram e principalmente num grupo do WhatsApp em franca expansão.
Conforme reportagem da DW, a carioca Thaiza Maria Silva Farias é capaz de responder às dúvidas de seus compatriotas sobre o assunto. Enfermeira formada, que veio para a Alemanha em outubro de 2016 e logo passou a trabalhar na sala de operações de uma clínica da cidade de Darmstadt, ela é uma espécie de pioneira no campo.
Ao constatar a falta de pessoal nos hospitais alemães e seu impacto diário sobre os pacientes, em 2022 ela decidiu usar sua experiência para criar o Nursewelt (“Mundo da/os Enfermeira/os), com o fim de incentivar seus colegas brasileiros a virem para a Alemanha.
Ao que tudo indica, a agência de recrutamento tem todo potencial de êxito, pois preenche uma lacuna de mercado que aumenta a cada ano. “Posso ajudar profissionalmente as candidatas e candidatos. Por outro lado, sei exatamente quem é necessários nas clínicas da Alemanha”, afirma Farias.
“Você pode escolher emprego à vontade”
Em 1999, o Departamento Federal de Estatísticas estimava que 2 milhões de habitantes da Alemanha necessitavam cuidados de saúde. Em 2021 eles já eram a 5 milhões e, segundo especialistas, até 2055 a cifra deverá chegar a 6,8 milhões.
Ao mesmo tempo, encolheu-se o número de profissionais da área: em 2022, 53,3 mil iniciaram treinamento especializado de enfermagem – 4 mil a menos do que no ano anterior, numa queda de 7%. Para cada enfermeira desempregada da Alemanha, há atualmente três vagas à espera de candidatos.
Portanto existe “uma óbvia falta de professionais de cuidados”, como define a Agência Federal de Trabalho. “Aqui na Alemanha você pode escolher seu emprego à vontade, é só ver onde prefere trabalhar”, diz Farias. “Se está desempregada, em um, dois dias já aparece outra oferta.”
No Brasil é muito mais difícil conseguir um posto: “Lá, a concorrência é enorme, com gente que estudou cinco anos e às vezes tem mestrado e até doutorado, e mesmo assim não encontra um emprego, porque há pouco trabalho.”
Ministros alemães recrutam pessoalmente
Assim, no que diz respeito a enfermagem e outros cuidados, Brasil e Alemanha parecem ser o par perfeito. Pelo menos assim pensa o ministro alemão do Trabalho, Hubertus Heil, que em junho visitará o país juntamente com a chefe da pasta do Exterior, Annalena Baerbock.
A viagem é parte de uma estratégia de recrutamento que envolve também países como o México e a Indonésia. “Vamos proceder de forma bem sensível, para não privar os países de mão de obra de que eles mesmos estejam precisando”, assegurou Heil em entrevista ao jornal Neue Osnabrücker Zeitung.
O ministro vê vantagens para ambos os lados: “Nós lucramos; os países de origem lucram com o nosso engajamento na formação profissional in loco; e quem vem para cá lucra com um emprego bem pago, e talvez também com a chance de dar apoio financeiro a seus familiares na terra natal.”
Uma situação em que todos saem ganhando, portanto? Ativistas dos direitos dos pacientes têm dúvidas de que se possam preencher as lacunas da Alemanha na área de cuidados com profissionais de outros países.
“A falta de pessoal de enfermagem é, em primeira linha, um problema doméstico alemão, e umas centenas de enfermeiras brasileiras não vão dar jeito”, sentenciou o presidente da Fundação de Direitos dos Pacientes, Eugen Brysch, à agência de notícias DPA. Segundo a Agência Federal de Trabalho, em 2022 havia apenas 656 enfermeiras estrangeiras empregadas no país, a maioria das Filipinas.
Quem ganha, quem perde?
E quanto a países como Brasil e México? Eles se beneficiam de fato cem por cento, ou a Alemanha estará estará provocando uma evasão de cérebros na América Latina, levando embora profissionais qualificados de países que poderão precisar deles no futuro?
A abordagem do cirurgião mexicano Xavier Tello é pragmática: “Essa evasão de cérebros é completamente normal num mundo globalizado. Se tenho formação excelente e isso é mais valorizado num país estrangeiro do que em casa, onde as condições de trabalho são ruins e os salários são baixos, aí faz sentido dar esse passo”.
Destacado especialista na área de saúde na América Latina, ele ressalta que poucos na região estão cientes dos esforços no exterior para recrutá-los: “Mas quando ficam sabendo, sua reação é mais: ‘Bem, pelo menos no estrangeiro nossas enfermeiras vão ter o reconhecimento que não recebem em casa.’”
Thaiza Maria Silva Farias bem conhece os motivos por que enfermeiras latino-americanas decidem tentar a sorte na Alemanha: qualidade de vida melhor, mais segurança, salários até seis vezes mais altos, trabalhando para um só empregador, em vez de em dois ou três hospitais no Brasil.
Margem para melhorias na integração
Ainda assim, Tello não tem receios de que seu país vá sofrer em breve carência de mão de obra na área de cuidados: “Os mexicanos são muito ligados à terra natal. Emigrar para a Alemanha e aprender uma língua nova, difícil, seria um choque cultural grande. Então para eles é realmente a última opção. Interessante: até agora isso não é tratado aqui como uma grande chance de carreira, com um ótimo salário.”
A enfermeira Farias observa que, para algumas das colegas que a fuzilam com perguntas sobre uma mudança para a Europa, trata-se antes de uma fase em sua vida e carreira do que a jogada profissional definitiva. E se os ministros Heil e Baerbock pretendem atrair cuidadoras da América Latina, é preciso haver mudanças também na Alemanha, enfatiza.
“Os hospitais têm que estar mais bem preparados para seus novos funcionários. O pessoal costuma não ter muita paciência quando a gente não fala bem alemão. Seria preciso dar [às enfermeiras estrangeiras] um ano para dominar a língua. A Alemanha precisa integrar melhor os profissionais de saúde estrangeiros.”