O juiz federal Eduardo Appio, que desde fevereiro é o responsável pelos processos da Operação Lava Jato em Curitiba, determinou no fim da tarde desta segunda-feira, 20, a prisão de Alberto Youssef, ex-doleiro cuja delação premiada foi um dos pilares do início da operação, em 2014. Youssef foi preso em Itapoá (SC), no litoral de Santa Catarina. Inicialmente, a Polícia Federal tentou cumprir o mandado de prisão em um endereço residencial fornecido por ele à Justiça, mas o local era um barracão abandonado onde não havia ninguém morando. Alberto Youssef foi detido na praia da cidade e será levado inicialmente para Joinville (SC), de onde seguirá a Curitiba. A prisão dele é preventiva, ou seja, não tem prazo para terminar.
Na decisão que ordena a prisão, tomada no âmbito de uma representação fiscal para fins penais aberta pela Receita Federal, a que VEJA teve acesso, o magistrado afirma que o ex-doleiro não devolveu todos os valores de que se beneficiou ilicitamente, leva vida “privilegiada” e deixou de informar à Justiça Federal dados atualizados sobre seu endereço. Youssef foi condenado a mais de 100 anos de prisão em processos abertos a partir das investigações do petrolão.
“O relatório fiscal para fins penais da Receita Federal deixa evidenciado que o acusado não devolveu aos cofres públicos todos os valores desviados e que suas condições atuais de vida são totalmente incompatíveis com a situação da imensa maioria dos cidadãos brasileiros”, afirma Appio. “O simples fato de que possui diversos endereços e de que estaria morando na praia já evidencia uma situação muito privilegiada e que resulta incompatível com todas as condenações já proferidas em matéria criminal”, conclui.
Foi a partir das relações entre Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da petrolífera Paulo Roberto Costa que a Lava Jato avançou sobre o monumental esquema de corrupção na estatal. O primeiro fio de ilegalidade captado pelos investigadores foi o famoso Range Rover Evoque com que o doleiro havia presenteado Costa, também delator, no valor de cerca de 250.000 reais, em maio de 2013.
“A referida Operação Lava Jato demonstrou, com juízo de total certeza, que Alberto Youssef, além de multireincidente em crimes econômicos e de lavagem de dinheiro nos últimos 10 anos, tornou-se o personagem central da engrenagem que permitiu o desvio de muitos milhões dos cofres públicos e das estatais”, diz o juiz no despacho.
Pelo acordo firmado com o Ministério Público Federal no âmbito da Lava Jato, Alberto Youssef teria suspensos todos os inquéritos e processos da operação contra si depois que as sentenças impostas a ele somassem 30 anos de prisão. O ex-doleiro deixou a cadeia em novembro de 2016, quase três anos depois de ter sido preso pela Lava Jato, em um hotel de São Luís (MA). Ele usou tornozeleira eletrônica até 2017 e vivia em um apartamento na Vila Nova Conceição, bairro nobre de São Paulo.
Um dos maiores doleiros do país, verdadeiro “banqueiro” do mercado paralelo, Alberto Youssef funcionava como caixa de propinas do esquema de corrupção que atingiu a Petrobras. Empresas de papel que ele controlava, como MO Consultoria, GDF Investimentos, RCI Software e Construtora Rigidez, recebiam por meio de contratos fictícios dinheiro de empreiteiras que integravam o cartel da estatal e repassavam os valores a políticos, seus operadores financeiros e ex-dirigentes da petroleira.
O acordo de colaboração firmado entre Youssef e a Procuradoria-Geral da República foi o segundo do ex-doleiro em sua “carreira” no crime. Em 2004, ele já havia fechado ajustamento semelhante no caso Banestado, o primeiro do tipo na história do país, mas descumpriu as cláusulas e teve o acordo anulado pela Justiça paranaense – em 2021, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin restabeleceu a validade da delação. Em sua decisão nesta segunda, o juiz Appio pontua que “o casuado somente poderá ser beneficiado pela suspensão das ações penais caso cumpra determinados requisitos, um dos quais, assumir a condição de não delinquir”.
Ao determinar a volta à prisão de um dos ícones entre os delatores da Lava Jato, Eduardo Appio mostra a que veio. Crítico dos métodos do ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (União-PR) e da antiga força-tarefa do MPF que atuou na operação, o magistrado assumiu o cargo com a disposição de não deixar os casos morrerem, mas tem deixado claro que não adotará a mesma régua de seus antecessores.