A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) negou neste último sábado (27) que houve uma tentativa de obstrução de Justiça durante o cumprimento de mandados de busca e apreensão pela Polícia Federal na sede do órgão, na última quinta-feira. Segundo a PF, servidores da Abin se recusaram num primeiro momento a conceder o acesso a documentos da agência, alegando que a decisão judicial era genérica. As ações haviam sido autorizadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
A PF, então segundo Eduardo Gonçalves, do O Globo, pediu a Moraes para que especificasse o alcance do mandado e acrescentasse uma cláusula que previa a prisão em flagrante em caso de obstrução, o que foi atendido pelo magistrado. A Abin confirmou o entrevero, mas disse que “não houve obstrução de Justiça” e sim um “alerta” do setor jurídico de que o mandado não contemplava “uma situação específica”.
“Na verdade não houve obstrução de justiça, pelo contrário. A área jurídica da Abin alertou que estava faltando um mandado para uma situação específica de busca. Nesse sentido, solicitaram que a formalidade fosse realizada. As demais buscas e diligências ocorreram normalmente, enquanto o novo mandado não chegava”, diz o texto enviado pela assessoria da Abin.
Os agentes da PF chegaram à sede da Abin pela manhã e só saíram à noite por causa do imbróglio. Durante as buscas, eles estavam atrás de documentos que corroborassem as suspeitas de que havia uma “estrutura paralela” no órgão que monitorou e produziu dossiês contra políticos, ministros do Supremo, advogados e jornalistas, sem autorização judicial. O foco deles estava nos arquivos dos servidores do Centro de Inteligência Nacional (CIN).
O comitê paralelo teria funcionado durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro sob a gestão na Abin do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), que também foi alvo de mandados de busca e apreensão. Ele nega todas as irregularidades. Homem de confiança de Bolsonaro e delegado da PF, Ramagem foi diretor da agência entre 2019 e 2022.
A PF também descobriu que, na manhã de quinta-feira, ocorreu uma reunião interna convocada às pressas pelo atual diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Corrêa, o que acendeu o alerta na PF. Para os investigadores, isso representa mais um indício de que a atual direção da Abin tem atuado para dificultar as apurações.
A Abin afirmou que a reunião ocorrida às 11h era um procedimento normal voltado ao “gerenciamento de crise”. Três servidores que participaram da audiência foram intimados a prestar depoimento à PF, nesta sexta-feira. Eles relataram que Corrêa chegou a demonstrar insatisfação com o desdobramento das apurações.
Esse episódio reforçou a percepção da PF de que há um “conluio” entre a atual administração da Abin sob o governo Lula e a passada da gestão Bolsonaro com o objetivo de preservar a imagem do órgão e dificultar as apurações. “As ações realizadas pela gestão atual, dessa forma, se mostram prejudiciais à investigação posto que transparecem aos investigados realidade distinta dos fatos”, diz relatório enviado pela PF ao Supremo.
Interceptações
Mensagens obtidas pela Polícia Federal apontam ainda que funcionários da Abin reconheceram a utilização indevida da ferramenta FirstMile, um programa secreto israelense que permitia monitorar a localização de pessoas por meio de dados de celulares. Segundo investigadores, o fato revela uma “gravidade ímpar”.
Os diálogos ocorreram após reportagem do GLOBO revelar, em março do ano passado, que a Abin usou durante o governo de Jair Bolsonaro um sistema secreto com capacidade de vigiar os passos de alvos selecionados em todo o país. Após o escândalo vir à tona, a Polícia Federal instaurou um inquérito para apurar os fatos e passou a ouvir integrantes da agência de inteligência e solicitar informações.
Em outubro do ano passado, a PF deflagrou uma operação para buscar provas do uso indevido da ferramenta de espionagem — e apreendeu celulares de suspeitos envolvidos no caso. Após analisar mensagens dos aparelhos telefônicos, investigadores destacaram em um relatório encaminhado ao STF que “elementos de prova colhidos podem traduzir o intento de embaraçar as investigações em curso, conduta de gravidade ímpar”.
Uma dessas mensagens foi enviada no ano passado por um integrante da agência a um diretor da Abin alvo da PF. Na conversa, o homem diz ao investigado: “Gente nossa que fez um monte de coisa errada”. Em outro texto encaminhado, o mesmo servidor escreve: “Um esforço específico de conversar com o nosso ministro a respeito abrindo tudo o que aconteceu para ele tá”.