Anderson Lacerda Pereira, o Gordão, teve uma grande ideia em 2016, como muitas que ele registrava em cadernos, com uma caligrafia clara: financiar a chapa de um candidato a prefeito na cidade de Arujá, na Grande São Paulo. Deu certo. Em pouco tempo, o megatraficante de drogas que sonhava seguir os passos do colombiano Pablo Escobar, apoderou-se da coleta de lixo e da Secretaria da Saúde do município.
Aos poucos, além de empregar em hospitais do municípios os apadrinhados da facção, Gordão passou a desviar fentanil dos hospitais. O desaparecimento de um antigo funcionário de Anderson – a polícia suspeita que seu corpo tenha servido de alimento para jacarés que Anderson mantinha em um sítio – levou a polícia a descobrir o esquema durante a Operação Soldo Sporchi (dinheiro sujo).
De 2016 para cá a ameaça se multiplicou. Quatro anos depois, candidatos tucanos foram impedidos de fazer campanha em comunidades dominadas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) em Campinas, em Santos e na Praia Grande. Áudios com ameaças a candidatos foram encontrados pela polícia, que passou a acompanhar carreatas e atos de campanha dos tucanos em Santos.
Desta vez, a campanha mal começou e a sombra do PCC já ameaça partidos e candidatos. Não apenas como alvos de ameaças dos criminosos, mas também como alvos de um esquema de infiltração nas eleições patrocinado por pessoas investigadas por supostos vínculos com a facção. É o que mostrou a Operação Decurio, deflagrada pela Delegacia Seccional de Mogi das Cruzes.
O juiz Paulo Fernando Deroma de Mello, da 2.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital, decretou o bloqueio de R$ 8,1 bilhões de bens relacionados ao PCC e decretou medidas restritivas de direito contra dois candidatos a vereador – um pelo União Brasil, em Mogi das Cruzes, e outro pelo PSD, em Santo André –, proibindo-os de se ausentarem das comarcas e de sairem de casa no período noturno, além de não poderem exercer cargo, emprego, função pública ou mandato eletivo.
Foi também de Mogi que saíra, pouco tempo antes, a primeira notícia de envolvimento de um líder partidário com a facção. Reportagem de Heitor Mazzoco no Estadão mostrou que o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) teve como presidente um homem – Tarcísio Escobar de Almeida – indiciado por associação para o tráfico e organização criminosa: o PCC. Trata-se do partido do empresário e coach Pablo Marçal, candidato à Prefeitura de São Paulo.
Três dias depois de ser nomeado, Escobar foi desligado oficialmente. Apesar disso, ele continua a participar de encontros políticos nos quais ainda se apresenta como presidente da legenda. Agora é a vez do presidente nacional do partido, Leonardo Avalanche, ser flagrado em áudio afirmando ter ligações com a facção. O PRTB e os citados rejeitaram as denúncias. Já o União Brasil decidiu cancelar a candidatura a vereadora de Marie Sassaki Obam, atingida pela Operação Decurio. Sua defesa também alega inocência.
Mas não é só isso. Neste ano, o Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco) deflagrou a Operação Fim da Linha, a maior feita até agora contra a captura do transporte público pelo crime organizado. Além de obter o bloqueio de R$ 684 milhões em bens, a operação obteve da Justiça a intervenção nas empresas de ônibus UPBus e Transwolff porque o capital social delas teria sido constituído com dinheiro do tráfico de drogas de integrantes da facção.
Entre os acionistas da UPBus, por exemplo, estão lideranças do PCC e seus parentes. Esse era um fato conhecido desde 2022, quando foi feita a primeira operação policial contra a presença da facção na empresa. Apesar disso, a UPBus continuou a receber milhões em repasses da Prefeitura e novos contratos foram assinados por Ubiratan Antonio da Cunha, preso recentemente por ameaçar testemunhas do caso. A Prefeitura alega que apurava o caso, mas a verdade é que a farra do PCC só acabou após a ação do Gaeco.
Já o inquérito sobre as ligações da Transwolff com o crime organizado atingiu o presidente da Câmara de Vereadores de São Paulo, Milton Leite (União Brasil), que teve os sigilos bancário e fiscal quebrados pela Justiça em razão de sua suposta ligação com os chefes da empresa. O vereador repudiou as suspeitas, mas a investigação permanece em andamento.
A situação em São Paulo se estende da periferia, onde atuam as empresas de ônibus suspeitas, ao centro, onde a Operação Salus et Dignitas, surpreendeu um ecossistema criminoso que unia guardas-civis e policiais militares a bandidos do PCC na exploração de oportunidades e negócios criminosos que iam da venda de proteção a comerciante ao tráfico de armas e drogas. Foi ali na região da chamada Cracolândia que o PCC estabeleceu seu domínio no coração da cidade, sob as ordens de Leonardo Monteiro Moja, o Leo do Moinho.
E no grupo de Leo do Moinho, mais uma vez, apareceu a sombra do PCC na política. É que entre os presos da Operação Salus et Dignitas estava Janaína da Conceição Cerqueira Xavier, acusada de estar entre os responsáveis pelo esquema de vigilância das comunicações policiais montado na Favela do Moinho. Janaína foi candidata a vereadora pelo PT em 2020, quando obteve 283 votos. O partido de imediato procurou se desvencilhar da história de Janaína, afirmando que quando ela se candidatou a acusação contra ela não existia.
Todos esses fatos mostram como os partidos em geral devem estar com medo dessa sombra. Do PT aos bolsonaristas do PRTB de Marçal, passando pelo MDB do prefeito Ricardo Nunes e pelo União de Milton Leite. A cada operação das autoridades contra o crime organizado, uma nova ligação do submundo mafioso com a política é descoberta, o que demonstra cada vez mais para os partidos a necessidade de criar mecanismos contra a infiltração das facções e ao Poder Público a necessidade de enfrentar essa ameaça de forma rápida e eficiente.
E sobretudo, é necessário que o mundo político tenha coragem, aquela mesma que acompanhou o juiz italiano Giovanni Falcone em sua luta contra Cosa Nostra. Não se trata de nenhum esforço inumano. Falcone assim o explicava: “O importante não é estabelecer se alguém tem mais ou menos medo, mas saber conviver com o próprio medo e não se deixar condicionar por ele. Coragem é isso; de outra foram não seria mais coragem, mas inconsequência”.
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Por Análise por Marcelo Godoy
Repórter especial do Estadão e escritor. É autor do livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015). É jornalista formado pela Casper Líbero.