quinta-feira 30 de janeiro de 2025
Foto: Getty Images
Home / ARTIGO / A DeepSeek e o início do século chinês
quarta-feira 29 de janeiro de 2025 às 09:42h

A DeepSeek e o início do século chinês

ARTIGO, NOTÍCIAS


Enquanto Donald Trump domina as manchetes, a China segue assumindo a liderança mundial. Num cenário de confronto global, o Brasil precisa, finalmente, articular interesses e perspectivas próprias de longo prazo.O mundo como o conhecemos hoje mudará drasticamente nos próximos anos – mas não da forma como muitos imaginam. A presidência de Trump não é uma extensão do século 20, no qual os Estados Unidos foram a potência hegemônica, exercendo uma enorme influência, muitas vezes negativa, especialmente sobre a América Latina. Estamos testemunhando, ao contrário, o início do século chinês.

À primeira vista, o estilo político de Trump pode parecer o de um gorila batendo no peito. No entanto, ele é muito mais semelhante ao de um atirador descontrolado, disparando a esmo. A verdadeira questão que se coloca é: como a América Latina – e, em particular, o Brasil – reagirá a isso?

Para o Brasil, o caminho mais sensato seria, finalmente, articular-se com outros países latino-americanos em torno de interesses comuns. Pouco indica que isso vá acontecer. O sistema presidencialista predominante na América Latina tende a gerar lideranças egocêntricas, que mostram pouco interesse na integração regional. Não parece haver a compreensão de que, independentemente das diferenças ideológicas, a força só é alcançada por meio da união.

Latino-americanos sem resposta coletiva

É muito lamentável que, até agora, os governos latino-americanos não tenham conseguido formular uma resposta coletiva às ameaças neoimperialistas de Trump contra o Panamá. Talvez algo surja na próxima cúpula da Celac, que ocorre nesta quinta-feira (30), em Tegucigalpa, Honduras. A cúpula foi convocada em resposta às deportações de latino-americanos, anunciadas por Trump há meses, mas que mesmo assim deixaram os governos da América Latina despreparados.

O sentimento predominante é de indignação, mas falta uma posição conjunta. No final das contas, a região se curva, impotente, à prepotência do “bully“ Trump. Um exemplo? O do presidente de esquerda da Colômbia, Gustavo Petro, que, em um longo e absurdo tuíte, declarou com bravata: “Vocês jamais vão nos dominar.” Contudo, sucumbiu rapidamente à ameaça de tarifas feita por Trump – a mesma ameaça que Trump já havia lançado contra o Brasil.

Enquanto Trump monopoliza os holofotes, o que realmente importa está acontecendo na China. Talvez, em um futuro próximo, alguém identifique esses dias como o marco inicial do século chinês.

Maremoto do DeepSeek

O exemplo mais claro disso é o lançamento recente do sistema de inteligência artificial chinês DeepSeek. O DeepSeek se mostrou tão avançado quanto os sistemas da OpenAI, mas com uma fração do custo e um uso muito menor de GPUs da Nvidia. A notícia sobre o DeepSeek provocou, nesta segunda-feira, um maremoto no setor de tecnologia, derrubando as ações de grandes empresas americanas que dominam o mercado.

Um provérbio chinês ilustra bem a situação: os Estados Unidos tentaram derrubar a China do topo da montanha da alta tecnologia, proibindo exportações essenciais, e os chineses, em resposta, construíram sua própria montanha.

Essa mudança de paradigma é visível nas ruas do Brasil. Se, até pouco tempo atrás, os carros chineses eram uma raridade por aqui, agora, entre os veículos elétricos e híbridos, sua presença cresce rapidamente. Modelos das montadoras BYD e GWM estão cada vez mais comuns nas ruas, tendência que deve se intensificar com a abertura de fábricas dessas empresas no Brasil.

No campo militar, a China desenvolveu recentemente um caça de sexta geração com desempenho equivalente aos modelos americanos mais modernos. Sua Marinha, por sua vez, já é a maior do mundo, com quase o dobro de embarcações em relação à Marinha dos Estados Unidos.

Bomba-relógio nos EUA

Enquanto isso, os Estados Unidos enfrentam uma bomba-relógio doméstica: uma dívida pública astronômica de 36,2 trilhões de dólares, que cresce cerca de 100 mil dólares a cada três segundos. Sob a presidência de Trump, essa dívida deve aumentar ainda mais, graças às promessas de cortes fiscais para empresas e pessoas ricas. Muitos já começam a questionar quando, afinal, o mercado financeiro começará a duvidar da slvência dos Estados Unidos e se o sistema atual acabará implodindo.

Trump se apresenta como um líder forte, o que naturalmente impressiona a extrema-direita bolsonarista no Brasil. Mas é previsível que a presidência Trump terminará num desastre. Um líder onipotente, que se considera um enviado de Deus, enriquece descaradamente, coloca a lealdade acima da competência, desmantela os órgãos de controle da corrupção, desvaloriza a ciência e destrói o meio ambiente, está fadado ao fracasso. A mudança climática, uma força inexorável, não desaparecerá simplesmente porque Trump a ignora. Ela voltará para assombrá-lo com incêndios, secas, furacões e enchentes.

China avança

Enquanto os EUA caminham para um capitalismo autoritário, impulsionado por bilionários da tecnologia como Musk, Zuckerberg, Bezos e Thiel, a China avança com um desenvolvimento socialista racionalmente planejado, que retirou centenas de milhões de pessoas da pobreza em poucas décadas. A China busca, sim, hegemonia e vantagens para si. Quer importar matérias-primas baratas do Brasil e vender seus produtos industrializados aqui – mas não impõe suas concepções políticas e econômicas. Essa postura, aliada à dupla moral do Ocidente em questões como a destruição de Gaza, explica a crescente popularidade da China no “Sul Global”.

Nesse contexto de tensão entre uma China cada vez mais poderosa e um Estados Unidos cada vez mais instável e agressivo, seria crucial que o Brasil desenvolvesse perspectivas de longo prazo e assumisse a liderança na união da América Latina. No entanto, mais uma vez, o país parece paralisado por debates internos de curto prazo (Pix!), incapaz de formular uma visão para o futuro.

Há, no entanto, uma lição que o governo brasileiro poderia aprender com Trump: se houver vontade política, é possível agir de forma radical, moldar realidades e promover mudanças profundas – até mesmo para melhor.

Por Philipp Lichterbeck, ele conta que queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

Veja também

Contas do governo têm déficit de R$ 43 bilhões em 2024

As contas do Governo Central registraram déficit primário em 2024. No ano passado, a diferença …

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

error: Content is protected !!