Polícia Federal suspeita que pivô de escândalo que abalou o STJ promovia lavagem de dinheiro por meio de transferências para ‘contas de passagem’, além de saques e entrega de dinheiro em espécie
Os investigadores de um suposto esquema de venda de sentenças e de informações privilegiadas no Superior Tribunal de Justiça (STJ) descobriram de acordo com a coluna de Malu Gaspar, do O Globo, que o motorista João Batista Silva recebeu entre 2019 e 2023 um total de R$ 2,65 milhões de uma empresa de propriedade do lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, pivô do escândalo que abalou a Corte.
As cifras na conta do motorista chamam a atenção não só pelos valores depositados ao longo de cinco anos, mas também pelo fato de Batista ter sido beneficiário do auxílio emergencial federal criado na época da pandemia do coronavírus para ajudar pessoas de baixa renda.
As investigações da venda de sentenças judiciais miram o lobista, a mulher dele, a advogada Mirian Ribeiro Rodrigues, ex-servidores de quatro gabinetes do STJ e desembargadores do Mato Grosso do Sul – e tramitam sob sigilo no Supremo Tribunal Federal (STF) porque há menções a pelo menos um ministro da Corte superior: Moura Ribeiro.
Os outros gabinetes que estão sob investigação são os dos ministros Isabel Gallotti, Og Fernandes e Nancy Andrighi.
Uma das hipóteses cogitadas pela Polícia Federal é a de que Andreson promovia lavagem de dinheiro por meio de transferências para “contas de passagem” de pessoas físicas e jurídicas interpostas, além de saques e entrega de dinheiro em espécie. No caso do motorista, houve tanto depósitos de quantias vultosas quanto saques em dinheiro vivo.
Os repasses a João Batista foram feitos pela empresa Florais Transportes, de propriedade de Andreson. A sede da empresa, em Cuiabá, foi alvo de uma operação de busca e apreensão da Polícia Federal em outubro do ano passado no bojo das investigações.
Dinheiro vivo
Ao analisar um relatório de inteligência financeira com as movimentações do motorista, a Polícia Federal constatou que João Batista sacou um total de R$ 425,7 mil em dinheiro vivo entre maio e novembro de 2020, ao fazer 34 saques fracionados em agências bancárias de Brasília. Os saques variaram de R$ 1 mil a R$ 49,9 mil num intervalo de seis meses.
A prática se repetiu no ano seguinte, de acordo com a Polícia Federal. No período entre 1º de fevereiro de 2021 e 4 de agosto de 2021, João Batista fez 21 saques em agências bancárias do Distrito Federal, totalizando a soma de R$ 367,5 mil.
A movimentação bancária não condiz com a realidade financeira de Batista, que foi beneficiário de 15 parcelas do auxílio emergencial federal criado na época da pandemia.
O auxílio foi implantado durante o governo Jair Bolsonaro para socorrer – com repasses mensais de R$ 600 – a população de baixa renda, que ficou em situação ainda mais vulnerável durante a pandemia.
Entre as regras para ter direito ao benefício estavam não ter emprego formal e pertencer a família com renda mensal per capita de até meio salário-mínimo.
Para a Procuradoria-Geral da República (PGR), há indícios de que Andreson e Mirian estão envolvidos no esquema ilícito, com indícios de cometimento de crimes como corrupção ativa e passiva e organização criminosa.
O escritório da advogada, localizado no Lago Sul, bairro nobre de Brasília, foi alvo de uma operação de busca e apreensão em dezembro do ano passado. Por decisão de Zanin, Andreson foi preso, enquanto Miriam está sendo monitorada com tornozeleira eletrônica desde novembro do ano passado.
Ao longo da apuração, os investigadores identificaram que, em alguns bancos de dados, o endereço do escritório também consta como sendo residência do próprio João Batista – foi o motorista quem franqueou o acesso dos policiais ao escritório durante a operação.
Mensagens
A investigação sobre os servidores do STJ começou quando a Polícia Federal apreendeu uma série de mensagens no celular do advogado Roberto Zampieri, morto com 10 tiros dentro do próprio carro, em dezembro de 2023.
Ao longo da apuração, os investigadores identificaram que Zampieri realizou em dezembro de 2019 duas transferências para a Florais, empresa de Andreson, uma no valor de R$ 100 mil e outra de R$ 150 mil, montantes prometidos para o lobista.
Procurada pela equipe do jornal O Globo, o advogado Luís Henrique Cesar Prata, responsável pela defesa de Anderson e Mirian, informou que vai aguardar o relatório final da Polícia Federal no caso para se manifestar.
João Batista, por sua vez, não foi localizado.