O governo do presidente Lula da Silva (PT) não quer segundo Felipe Frazão e Vera Rosa, do jornal O Estado de S. Paulo, aumentar ainda mais a crise diplomática com a gestão de Donald Trump e pretende atuar de forma reativa a iniciativas vindas dos Estados Unidos. A diplomacia brasileira entende que o embate só interessa à oposição, mas vai avaliar caso a caso a resposta a dar se partir do governo norte-americano alguma mensagem considerada como “interferência” em assuntos internos ou “distorção” do que ocorre no País.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, alvo de ações na esfera judicial nos EUA, foi consultado sobre o teor da nota divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores após críticas feitas pelo Departamento de Estado dos EUA ao bloqueio das redes sociais no Brasil.
O comunicado no qual o Itamaraty afirma que o governo Trump “distorce o sentido das decisões do Supremo Tribunal Federal” passou pelo crivo de Moraes e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O documento foi preparado pelas equipes do Itamaraty e da Assessoria Especial da Presidência, comandada por Celso Amorim, sendo revisado pelo chanceler Mauro Vieira.
Nesta quinta-feira (27) Moraes defendeu a soberania do Brasil e disse que o País deixou de ser colônia em 2022. “Reafirmo nosso juramento integral de defesa da Constituição brasileira e pela soberania do Brasil, pela independência do Poder Judiciário e pela cidadania de todos os brasileiros e brasileiras, pois deixamos de ser colônia em 7 de setembro de 1822 e com coragem estamos construindo uma República independente e cada vez melhor”, destacou o magistrado.
Moraes é alvo de uma ação movida na Justiça dos EUA pelas plataformas de vídeos Rumble e Trump Media. Setores do governo Lula vinham acompanhando o caso, mas não chegaram a formalizar nenhuma reação por entenderem que o processo havia ficado na esfera privada.
Para auxiliares do presidente, porém, a nota de uma seção do Departamento de Estado dos EUA configurou uma iniciativa do Executivo, após campanha bolsonarista feita pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos gabinetes de Washington.
A publicação original partiu do Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental (Américas) do Departamento de Estado – o “sub do sub”, ironizaram integrantes do governo. No Itamaraty, o setor correspondente seria a Secretaria de Europa e América do Norte. O conteúdo da mensagem, no entanto, foi republicado pela Embaixada dos Estados Unidos no Brasil e também pelo perfil oficial do Departamento de Estado em língua espanhola.
“O respeito à soberania é uma via de mão dupla com os parceiros dos EUA, incluindo o Brasil. Bloquear o acesso à informação e impor multas a empresas sediadas nos EUA por se recusarem a censurar indivíduos norte-americanos é incompatível com os valores democráticos”, afirmou a diplomacia americana nesta quarta-feira, dia 26.
Risco Eduardo
Os passos do deputado Eduardo Bolsonaro nos EUA, alguns deles divulgados abertamente nas redes sociais, vêm sendo acompanhados por diplomatas. Nos últimos dias, o filho “03″ do ex-presidente Jair Bolsonaro fez um giro por gabinetes do Congresso norte-americano, inclusive de parlamentares ligados à América Latina, entre eles María Elvira Salazar. Republicana e da Flórida, Salazar é integrante da Frente Parlamentar do Brasil nos EUA, a Brazil Caucus. O deputado visitou integrantes do Executivo e conversou com autoridades do Departamento de Estado.
Além disso, uma outra preocupação entrou no radar da diplomacia: a possibilidade de o filho de Bolsonaro conseguir retomar o comando da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (Creden) da Câmara, o que poderia transformar o colegiado em palanque da oposição e ampliar o desgaste do governo Lula em pautas internacionais. A composição da Câmara sempre foi mais hostil ao governo do que a do Senado. Como presidente da Creden, Eduardo poderá controlar a pauta e articular a convocação de autoridades, como o ministro Mauro Vieira e o ex-chanceler Celso Amorim.
No Palácio do Planalto, a avaliação é a de que bolsonaristas querem alimentar essa ofensiva contra Moraes para provocar uma crise às vésperas de o STF apreciar a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro. Moraes é o relator do caso e a Primeira Turma do STF, integrada por ele, deve aceitar por unanimidade a acusação contra o ex-presidente por tentativa de golpe.
O entendimento do Planalto é que Bolsonaro e seu grupo foram encurralados pela denúncia da PGR e, sem resposta para as provas colhidas, apelaram para ações políticas e judiciais dentro e fora do Brasil, a fim de tentar macular a independência do Judiciário. A estratégia seria carimbar Moraes como parcial e dizer que ele está em conluio com o governo Lula, como já acusou o empresário Elon Musk. Dono do X e chefe do Departamento de Eficiência Governamental, Musk já foi alvo do ministro do STF.
Mesmo assim, o governo brasileiro não está disposto a alimentar nenhuma polêmica com os EUA nem a entrar em rota de colisão com Trump. No diagnóstico de Lula, agir assim seria o mesmo que fazer o jogo do adversário.
Interlocutores do presidente ouvidos pelo Estadão afirmam não haver interesse do Planalto em elevar o tom, mas o governo não deixará sem resposta a desinformação e os ataques à democracia brasileira por parte da gestão Trump.
A crítica do Departamento de Estado ocorreu depois de Moraes bloquear a plataforma Rumble no País, afirmando que a rede social cometeu “reiterados, conscientes e voluntários descumprimentos das ordens judiciais, além da tentativa de não se submeter ao ordenamento jurídico e ao Poder Judiciário brasileiros”. O ministro havia exigido que a empresa indicasse um representante no Brasil.
Entenda o caso
A Rumble e a Trump Media, empresa ligada a Donald Trump, processaram o ministro Moraes nos Estados Unidos, acusando-o de violar a soberania americana. O pedido, no entanto, foi rejeitado pela Justiça americana. Na decisão, a juíza Mary Scriven não analisou o mérito da ação, argumentando que as decisões do ministro não se aplicam nos EUA e que não houve qualquer tentativa de impor seu cumprimento em território americano.
Segundo o inquérito das fake news, presidido por Moraes, o Estado brasileiro e suas instituições foram alvo de uma orquestração antidemocrática que teria como base a desinformação em massa, divulgada em mídias sociais. O processo tramita no STF há quase seis anos. Bolsonaro e seus aliados dizem que Moraes excede suas funções como juiz e atua com parcialidade.