Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e parte (minoritária) dos congressistas consideram que a liminar do ministro Flávio Dino para suspender o pagamento das emendas parlamentares ao Orçamento foi necessária para fazer um “freio de arrumação” e exigir mais transparência no envio de recursos para Estados e municípios por indicação dos deputados e senadores antes que as denúncias sobre desvios de recursos se avolumem a ponto de ocorrer uma nova “Lava-Jato”, dada a ampla utilização do modelo pela classe política. As informações são de Raphael Di Cunto, Isadora Peron e Marcelo Ribeiro, do jornal Valor.
Na sexta-feira, o STF confirmou as três medidas liminares de Dino que suspenderam o pagamento das emendas até que o Congresso adote novas regras de “transparência, rastreabilidade e eficiência”. O voto de Dino foi acompanhado por unanimidade pelos demais integrantes da Corte.
A decisão envolveu todos os tipos de emendas orçamentárias: as “de comissão” (que substituíram o orçamento secreto); as individuais impositivas, de execução obrigatória; e as de “bancadas estaduais”, rateadas entre eles por meio dos coordenadores de cada Estado, que também são impositivas. As individuais podem ser transferidas por convênios ou diretamente da União para Estados e municípios sem finalidade específica (o que ficou conhecido como “emenda Pix”). Em 2024, as emendas somam R$ 56 bilhões.
Os alertas dos ministros sobre a necessidade de aperfeiçoamento no modelo das emendas orçamentárias já tinham chegado à cúpula do Congresso ao longo do primeiro semestre, segundo apurou o Valor. Eles avisaram a parlamentares sobre o “desconforto” no tribunal com o descumprimento da decisão, tomada em 2022, de acabar com o orçamento secreto.
Num primeiro momento, as verbas foram repassadas num modelo com ainda menos transparência dentro dos recursos do Executivo. Para 2024, o Legislativo criou um novo mecanismo, as emendas de comissão, que na prática reproduziu a de relator e continuou a omitir o real responsável por indicar o recurso para o município.
O Valor apurou que um desses alertas ocorreu no começo do ano em almoço do ministro Gilmar Mendes com deputados. O encontro, organizado pelo ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, atualmente presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), teve entre os presentes dois candidatos à presidência da Casa: o líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), e o vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP). O aviso foi levado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que passou a defender mais transparência para as “emendas Pix”.
Para integrantes do STF, o Congresso tentou “enrolar” a Corte para não cumprir a decisão de dar mais transparência ao uso de dinheiro público. Esse modelo, segundo dois ministros, favorece desvios e acusações de corrupção, e os casos já têm se avolumado nos gabinetes, desde investigações sobre o uso de verbas para asfaltar ruas em propriedades dos parlamentares até casos de superfaturamento em obras e pagamento de propina. Na opinião deles, se a situação não for controlada agora, é questão de tempo até uma nova Operação Lava-Jato causar outra uma crise política. Essa preocupação foi debatida em almoço entre os ministros na quinta-feira para reforçar o julgamento das liminares no dia seguinte.
A decisão do STF de forçar o bloqueio das emendas até uma composição, contudo, enfureceu os congressistas. Eles responderam com a rejeição de medida provisória (MP) que aumenta verbas para o Judiciário e colocaram em andamento propostas de emenda constitucional (PEC) para restringir o uso de decisões monocráticas (individuais) em tribunais superiores e permitir que o Congresso possa suspender a eficácia de decisões do STF.
Embora concordem com a necessidade de mais transparência, parlamentares mais críticos ao atual modelo das emendas orçamentárias afirmam, nos bastidores, que a decisão do STF não será suficiente e que uma solução só ocorrerá com um novo escândalo semelhante ao dos “anões do Orçamento”, que na década de 1990 provocou mudanças na composição da Comissão Mista de Orçamento (CMO) para evitar que o mesmo grupo se perpetuasse à frente do direcionamento das verbas públicas, o que acabou sendo utilizado para desvios de recursos.
Aliado de Dino, o líder do PCdoB na Câmara, deputado Márcio Jerry (MA), evita polemizar e afirma que a situação precisa ser resolvida com diálogo entre os Poderes. “A ação que existe hoje no STF pode servir para provocar esse rearranjo nas emendas. É preciso que a gente avance na garantia de total transparência sobre a destinação, qualquer que seja o tipo da emenda”, diz.