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segunda-feira 3 de junho de 2024 às 13:01h

Veja 5 perguntas sobre a polêmica da PEC das Praias que pode ‘privatizar’ terrenos à beira-mar

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Como é hoje?

As áreas à beira-mar de que trata a PEC são chamadas de terrenos de marinha. Correspondem a uma faixa que começa 33 metros depois do ponto mais alto que a maré atinge. Ou seja, esses terrenos não abrangem a praia e o mar, região geralmente frequentada pelos banhistas. Essa parte continuaria pública. Os terrenos de marinha correspondem a uma camada mais atrás da praia, onde ficam geralmente hotéis e bares.

Veja a divisão das áreas na beira da praia — Foto: Ministério da Gestão e Inovação (MGI)
Veja a divisão das áreas na beira da praia — Foto: Ministério da Gestão e Inovação (MGI)

São uma faixa de terra contada a partir do ponto mais alto da marés- delimitada ainda no Brasil Colônia, em 1831. Rios e lagos que sofrem influência das marés são também considerados.

Os lotes correspondem a 48 mil km em linha reta e representam 70% de todas as áreas em nome do governo federal.

Pela legislação atual, a União, dona dos terrenos de marinha, pode permitir que pessoas e empresas usem e até transmitam as terras aos seus herdeiros. Mas, para isso, esses empreendimentos têm que pagar impostos específicos.

Como ficaria com a PEC?

O texto discutido no Senado prevê a autorização para a venda dos terrenos de marinha a empresas e pessoas que já estejam ocupando a área.

Pelo projeto, os lotes deixariam de ser compartilhados, entre o governo e quem os ocupa, e teriam apenas um dono, como um hotel ou resort.

Conforme o texto, só permaneceriam com o governo áreas ainda não ocupadas e locais onde são prestados serviços públicos, como portos e aeroportos, por exemplo.

Projeto de reurbanização da Praia Central, em Balneário Camboriú, com visão aérea mostrando calçadão e restinga — Foto: PMBC/Divulgação

Projeto de reurbanização da Praia Central, em Balneário Camboriú, com visão aérea mostrando calçadão e restinga — Foto: PMBC/Divulgação

Isso significa privatização?

A diretora de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ana Paula Prates, explica que o projeto abre brecha para “privatizar o acesso à praia, e não a praia em si”, já que a parte frequentada pelos banhistas continuaria com a União.

Para a especialista, a proposta não prevê a “privatização direta” das praias, mas possibilita que uma empresa cerque o terreno e impeça a passagem de banhistas na faixa de areia, como já é visto hoje em alguns resorts.

“São áreas de restinga, mangues, dunas, pedaços de praia mais para cima, entradas de rios. São locais que vivem sob a influência da maré e têm ligação direta com o aumento do nível do mar. Esses terrenos são a salvaguarda para a adaptação da mudança do clima”, disse Prates ao g1.

O relator da proposta no Senado, Flávio Bolsonaro (PL-RJ), diz que o texto vai permitir a transferência de 8,3 mil casas para moradores do Complexo da Maré e para quilombolas da Restinga de Marambaia — ilha também localizada no estado do Rio.

O senador pontua que haverá um aumento da arrecadação de impostos pelo governo e da geração de empregos nas regiões.

“Olhem só o mundo de arrecadação que tem para a União. Nas utilizações dos imóveis, tem aqui os valores discriminados. Pessoa física: R$ 42 bilhões; pessoa jurídica: R$ 67 bilhões; setor hoteleiro: R$1,7 bilhão; ramo imobiliário: quase R$24 bilhões. Imaginem, se houvesse a cessão onerosa dessas propriedades, o quanto que a União não arrecadaria com isso, muito mais”, afirmou o parlamentar na audiência pública.

Quem critica?

Quem é contra, a exemplo do Painel Mar, plataforma que reúne sociedade civil e entidades governamentais, argumenta não fazer sentido vender lotes que podem “deixar de existir no futuro” por causa do aumento do nível do mar. Dados da Universidade de São Paulo (USP) mostram que a elevação é de cerca de 4 milímetros por ano.

Além disso, segundo o grupo de estudos, a proteção dos mangues e restingas ajuda a enfrentar as mudanças climáticas, pois essas áreas funcionam como uma barreira natural, que ameniza a gravidade de situações como a vivida no Rio Grande do Sul, assolado pelas enchentes.

Se essas áreas, responsáveis pela absorção de carbono, forem vendidas empreendimentos privados, a tendência é aumentar a degradação ambiental. E isso, de acordo com a plataforma, vai fragilizar ainda mais comunidades tradicionais que dependem do ecossistema marinho para sobreviver — populações caiçaras, quilombolas, ribeirinhas e povos indígenas.

Estudo do MMA, de 2018, revela que há “avançado processo erosivo em 40% da costa brasileira”. De acordo com o Painel Mar, a erosão será intensificada, causando o chamado “estreitamento da costa” “até o colapso do turismo com a supressão das praias”.

O cientista Carlos Nobre, especializado em aquecimento global, afirma que “se não controlarmos o efeito estufa, até o final do século, o mar vai subir de 80 cm a 1 metro”. Para ele, ao invés da proposta, é necessário um plano, a longo prazo, para retirada das comunidades ribeirinhas dos terrenos de marinha, já que o aumento das marés e ressacas mais fortes são inevitáveis.

“Completamente sem sentido tornar propriedade privada quando, no final desse século, essas áreas serão mar”, disse.

O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) sustenta que “a gestão tradicional promovida pelas comunidades indígenas, fundamentada em conhecimento sócio-tecno-ecológico profundo, resulta em práticas de conservação sustentável que impedem a degradação ambiental, a extinção de espécies e contribuem com a desaceleração das mudanças climáticas”.

Quem defende?

Além de Flávio Bolsonaro, quem também defende o texto é o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), que relatou o texto na Câmara, onde a matéria já foi aprovada.

Segundo ele, o projeto vai fomentar investimento em praias que se tornaram “verdadeiros cortiços no litoral do Brasil” e criar empregos para milhares de pessoas.

“Não estamos oportunizando nenhum negócio imobiliário a quem quer que seja, não estamos autorizando a privatização de praia alguma. Absolutamente nada.”, afirmou o deputado.

“Agora, pegue aí uma ilha como a de Florianópolis, pegue as áreas portuárias que nós temos abandonadas, verdadeiros cortiços no litoral do Brasil, sem nenhuma conservação, sem nada, pontos absolutamente apodrecidos, destruídos, que poderiam ser áreas nobres das cidades, agregar ao patrimônio das cidades, mas que estão fora, porque são áreas de marinha. A SPU [Secretaria do Patrimônio da União] não tem dinheiro para cuidar, não faz absolutamente nada, e elas ficam como verdadeiras cicatrizes nas nossas cidades”, argumentou o parlamentar.

Terrenos à beira-mar

O Ministério da Gestão e Inovação (MGI) informou que há 564 mil imóveis registrados em terreno de marinha. O governo arrecadou, em 2023, R$ 1,1 bilhão com as taxas de foro e de ocupação.

A pasta estima que o valor poderia ser cinco vezes maior, com um total de quase 3 milhões de construções nas áreas próximas ao mar, mas que não foram oficializadas.20% dos valores apurados são repassados para os municípios.

A Secretaria do Patrimônio da União (SPU) é responsável por gerir os terrenos. O órgão promove a regularização fundiária urbana de assentamentos irregulares.

“No ano de 2022 foram repassados para municípios cerca de 120 milhões de reais. Embora a PEC em análise determine que as áreas desocupadas permanecem na gestão da União, a possibilidade de municípios poderem acessar mais áreas a partir da expansão de perímetros urbanos, sem dúvida irá reduzir áreas disponíveis ao desenvolvimento nacional. Isso demandará futuras desapropriações trazendo altos custos indenizatórios para a União”, explica o MGI.

Suelly Araújo, do Observatório do Clima, identifica no projeto um “grande lobby” do setor turístico de resorts. Segundo ela, trabalho de pessoas que vendem produtos na praia, em barracas e quiosques, será ameaçado com o estabelecimento de áreas privativas.

MMA e Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP) também são contra a medida.

Exemplo prático

Segundo a plataforma Painel Mar, em Balneário Camboriú (SC), “a supressão das dunas e praias por calçadões e avenida beira-mar durante as últimas décadas acarretou severos impactos tais como a diminuição da área de lazer da praia central e o sombreamento da praia”.

“A privatização de lucros e a socialização de prejuízos acarretou custos milionários para o alargamento da praia, custeados por empresários locais, mas que a grande maioria dos municípios brasileiros não possuem condições financeiras sequer de realizar um projeto desta natureza. Outro exemplo é o que vem ocorrendo na cidade de Atafona, litoral norte do Estado do Rio de Janeiro, onde o mar avança em média 2,7 metros por ano, mas já chegou a aumentar até oito metros em alguns anos, como entre 2008 e 2009, causando diversos prejuízos e transformando a cidade em uma cidade fantasma”, explica a entidade.

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