Situada às margens do Lago Lucerna, no coração da Suíça, a pequena cidade de Brunnen é um idílico destino de turismo cercado de montanhas, fontes de água mineral e lojinhas que vendem suvenires locais, como gorros, ímãs de geladeira, licores e chocolates. Um item, contudo, não pode faltar na bagagem de quem visita a região: um autêntico canivete do Exército Suíço. Na loja da fabricante Victorinox, cujo fundador patenteou o produto há 135 anos, é possível não apenas comprar um canivete como montá-lo de maneira personalizada, seguindo o mesmo método de seu inventor, Carl Elsener.
A experiência é aberta a qualquer visitante. Os preços variam em torno de 49 francos suíços, dependendo do modelo, do tamanho, da quantidade de funções e do material escolhido para o acabamento, que pode ser plástico ou madeira. Pelo câmbio oficial, a moeda valia R$ 5,74 na quarta-feira (17). No Brasil, os preços variam de R$ 281 a R$ 521 no e-commerce da Victorinox — sem nenhum tipo de costumização.
Permitir que cada cliente monte seu próprio canivete é uma das inovações da companhia para aproximar ainda mais sua famosa marca das necessidades do consumidor. Esse desafio tem sido a principal missão do atual CEO, Carl Elsener, bisneto do fundador. “Sou muito orgulhoso do fato de nossa família ter criado, em uma pequena vila da Suíça, um produto que se tornou um ícone global”, afirmou Elsener à DINHEIRO durante entrevista na sede da companhia, em Ibach. “É uma honra e também uma responsabilidade manter esse legado. Mas é igualmente importante manter os nossos 2,2 mil funcionários apaixonados pelo que fazem.”
Manter empregos, por sinal, foi o que motivou seu bisavô a abrir o negócio, em 1884. Àquela época, a Suíça passava por uma crise econômica, obrigando muita gente do interior a abandonar suas cidades e tentar a sorte em outros países. A solução encontrada por Elsener para evitar o êxodo na comunidade em que vivia foi fundar uma cutelaria, empregando quantas pessoas conseguisse na produção de facas.
Deu certo e a empresa foi crescendo organicamente por mais de um século.
• Desde que se tornou fornecedor oficial do Exército Suíço, em 1891, a Victorinox já vendeu mais de 550 milhões de canivetes.
• Ainda hoje, o item responde por 36% do faturamento global da empresa, que foi de 424 milhões de fracos suíços em 2023.
• A cada dia, 45 mil canivetes saem da fábrica em Ibach.
• Outros 34% da receita provêm de facas, tanto para uso doméstico quanto profissional.
• Juntas, as duas categorias somam 90 mil unidades produzidas diariamente.
• Ainda compõem as receitas a divisão travel gear, de mochilas, bolsas e malas de viagem (cerca de 20%, incluindo uma pequena participação da linha de perfumes) e os relógios (10%, divididos entre as marcas Victorinox e Wenger, adquirida em 2005).
Hoje, com 12 subsidiárias e vendas para 120 países, a empresa se orgulha de manter inabaláveis seus quatro pilares: “Nossa gente, nossos clientes, nossos produtos e nossa marca”, afirmou Elsener.
A marca, por sinal, tem raiz familiar. Foi criada pela fusão do nome Victoria (mãe do fundador) com a palavra inox, tipo de aço que acabara de ser aplicado em escala industrial na Suíça. O emblema usado até hoje, que sobrepõe a bandeira da Suíça (cruz branca sobre fundo vermelho) a um escudo, é o mesmo desde 1909.
Além do Exército Suíço, os de outros nove países utilizam canivetes Victorinox. O fornecimento para instituições militares corresponde a apenas 3% da receita global da empresa. Mas o retorno em termos de marketing gerado pelo uso em missões oficiais no mundo todo é incalculável.
Basta lembrar a mídia espontânea gerada pelo astronauta canadense Chris Hadfield, famoso pelos vídeos que publicava nas redes sociais a partir de sua experiência a bordo da Estação Espacial Internacional. Em sua autobiografia, intitulada An astronaut guide to life on earth, Hadfield afirmou: “Nunca saia do planeta Terra sem um canivete suíço”.
Alguns modelos chegam a ter mais de 30 funções, incluindo pen drive com 32 gigabytes de memória. E a fabricante tem uma linha especial de customização para empresas que desejam dar um canivete de brinde usando a própria logomarca. “Eles são produzidos de forma quase artesanal uma equipe destacada”, afirmou a gerente sênior de visitação da fábrica em Ibach, Marika Farkas.
Trata-se de um brinde funcional, como atestou o astronauta Hadfield, e também com design atemporal. A ponto de ser exposto em museus importantes como o MoMA, de Nova York, ou na Design Society de Shenzhen, na China, onde um Swiss Champ XAVT é exibido ao público desde 2018. Para colecionadores, todos os anos são lançados novos modelos, em edições limitadas.
O movimento de diversificação do portfólio teve início em 1989, com a produção de relógios. Apesar de a Suíça não usinar aço, que é todo importado de outros países, a empresa entendeu que tanto essa matéria-prima, à qual já tinha acesso em grande escala dado o volume adquirido para fabricar canivetes e facas, quanto a expertise em trabalhar o material poderiam ser aproveitados em outras categorias de produto.
RELÓGIOS E MOCHILAS
Italiana que já trabalhou na suíça Swatch, Ariana Frésard é a atual head da categoria de relógios na Victorinox. Ela comanda cerca de 160 funcionários que trabalham na unidade da empresa em Delémont, capital do cantão de Jura, próxima à fronteira com a França.
“Nós encaramos a fabricação de relógios como um passo natural da Victorinox e não como uma extensão de marca”, afirmou Frésard.
Isso porque a tradição secular de qualidade no manuseio do aço deu à companhia a expertise necessária para criar caixas e pulseiras de alta resistência. Não por acaso, os modelos da linha Drive Pro são certificados para mergulhos em profundidades de até 300 metros. “Além da resistência à pressão, eles possuem um sistema antimagnetismo que impede qualquer alteração na marcação do cronômetro, garantindo a segurança dos mergulhadores.”
Para a empresa, que fornece garantia de cinco anos para os relógios Vixtorinox (no caso da Wenger, concorrente adquirida em 2005, são apenas três), a resistência é um ponto de honra. Tanto assim que há na fábrica uma ‘sala de tortura’, em que os relógios são submetidos às mais variadas provas. Marteladas, esmagamentos, mergulho em ácidos e até em máquinas de lavar roupa e louça são algumas das etapas de testes a que os produtos são submetidos antes de liberados para venda.
Na mais recente campanha de publicidade da marca nas redes sociais, um alpinista é içado de helicóptero usando um relógio como gancho de sustentação de seu peso. A pulseira ficou firme.
No mercado local, os preços dos relógios Victorinox partem de 695 francos suíços e chegam a 1.545, caso de um modelo de titanium em edição limitada de apenas 1 mil peças por ano.
Até setembro deste ano, a empresa irá ampliar a linha feminina, que atualmente tem poucos modelos. “Nós não queríamos fazer para mulheres um relógio feminino em tamanho menor”, disse Frésard. “O que fizemos foi utilizar o design para expressar o DNA da marca com apelo para esse público. Olhamos para o que as clientes buscam e que a indústria não está oferecendo.”
Complementando o portfólio, a linha travel gear, lançada pela Victorinox em 1999, é composta por malas de viagem, bolsas e mochilas fabricadas em cinco países da Ásia. Desde 2005, quando adquiriu a concorrente Wenger, a empresa possui também uma linha de perfumes com as marcas Victorinox e Swiss Army.
Faz sentido. Afinal, por mais icônico que seja um canivete, ele não pertence às categorias de produtos com grande apelo para presentear uma mulher. Relógios, bolsas e perfumes, com certeza. E assim, somando públicos dos dois gêneros, a empresa pretende seguir crescendo sem abrir mão de sua história e dos itens que a tornaram referência mundial.
ENTREVISTA|
Carl Elsener, CEO da Victorinox
“Fornecer produtos com qualidade, funcionalidade e confiabilidade dá às nossas vidas um significado mais profundo”
Quando a Victorinox percebeu que era preciso diversificar o portfólio?
Foi quando nosso principal produto, o canivete adotado pelo Exército Suíço e por mais nove Forças Armadas no mundo, passou a ser copiado por fabricantes asiáticos. Era final da década de 1980 e eu e meu pai entendemos que nosso futuro dependia de fortalecer nossa marca. Ao mesmo tempo em que pensávamos em como fazer isso, fomos procurados por grandes parceiros comerciais. Juntos, começamos a estudar em quais categorias de produtos seria possível colocar a confiança depositada na marca Victorinox. Entendemos que o segmento de relógios se ajustava ao nosso DNA, por sermos suíços, usarmos a bandeira suíça em nossa marca. Em 1989 lançamos os primeiros relógios e ficamos bastante surpresos com o sucesso.
É possível seguir inovando em um produto tão tradicional quanto o canivete?
Nós ouvimos muito nossos clientes e fazemos o possível para incorporar novas soluções. Uma delas foi introduzir pen drives, com entrada USB e USB-C, que hoje equipam alguns modelos. É uma maneira de colocar o canivete na era digital, embora ele tenha muitas outras funções para facilitar o dia a dia dos consumidores. Também fizemos uma parceria com a Nespresso para o alumínio das cápsulas de café e reaproveitar em nossos produtos.
A aquisição da Wenger foi em 2005. Existe outra em vista?
Compramos a Wenger, que era nossa concorrente, fundada em 1893, porque ela estava à beira da falência. Foi uma oportunidade de negócio e também de manter viva uma marca suíça, além de preservar muitos empregos. Na nossa visão, mais importante que uma fusão ou aquisição é manter a nossa companhia sólida. Por isso, desde 2000, criamos as Victonox Foundation, que destina recursos para caridade mas que também mantém um fundo financeiro que possa servir de garantia em momentos difíceis, como foram o 11 de setembro e a pandemia. Nosso objetivo é fornecer aos nossos consumidores a qualidade, a funcionalidade e a confiabilidade que se espera de nossos produtos. Isso dá às nossas vidas um significado mais profundo. Como disse o Chris Hadfield: “Nunca deixe o planeta Terra sem um canivete Swiss Army”.