Em 2023, ainda há refugiados que vivem na Alemanha desde 2015 que não encontraram um apartamento. Especialistas falam em “crise” e cidades alemãs buscam alternativas, se oferecendo para ser fiadoras de aluguéis.É um ciclo que não se fecha. Repetidamente, municípios alemães pedem ajuda por terem pouco ou nenhum espaço para acomodar mais requerentes de asilo e refugiados de guerra da Ucrânia.
O exemplo mais recente é o distrito de Fulda, no estado alemão de Hesse. As cidades e vilas estão “absolutamente no limite de sua capacidade” para acomodar as pessoas “pelo menos com um pouco de decência”, de acordo com uma carta aos governos estadual e federal, aprovada por ampla maioria pelo parlamento local em meados de julho.
“Precisamos de um limite para a imigração”, disse o chefe do distrito, Bernd Woide, do partido União Democrata Cristã (CDU), sigla da ex-chanceler federal Angela Merkel.
“Não há apenas falta de opções de acomodação, mas também capacidades limitadas de creches, escolas, assistência médica e em muitas outras áreas”, destacou.
Cerca de 300 mil requerentes em 2023
Embora apenas alguns ucranianos venham para a Alemanha, o número de requerentes de asilo segue aumentando. O Departamento Federal para Migração e Refugiados contabilizou mais de 162 mil pedidos de asilo de janeiro a junho de 2023.
A maioria das pessoas vem da Síria (cerca de 44 mil), seguida do Afeganistão (cerca de 28 mil) e da Turquia (cerca de 19 mil). Além disso, cerca de 20 mil refugiados de países africanos solicitaram asilo na Alemanha este ano.
Até o fim do ano, devem ser cerca de 300 mil requerentes de asilo, acredita Boris Kühn, do grupo de pesquisa sobre política migratória da Universidade de Hildesheim.
Esses requerentes são distribuídos pela Alemanha de acordo com alguns critérios, recebem acomodação e devem permanecer no mesmo local. O problema é que a maioria das acomodações está constantemente ocupada e, muitas vezes, simplesmente não há mais lugares.
“Crise de mudança”
Boris Kühn e Julian Schlicht, coordenador do Hilfen für Geflüchtete (Ajuda aos Refugiados), em Tübingen, são autores de uma pesquisa sobre a situação de moradia dos refugiados na Alemanha. Segundo eles, há uma “crise de mudança” no país. Atualmente, 25% das pessoas que vieram para a Alemanha na onda de migração de 2015 e 2016 ainda vivem em acomodações para refugiados.
É uma espécie de “congestionamento no sistema de acolhimento”. Especialmente em áreas com um mercado imobiliário apertado, é muito difícil para os refugiados reconhecidos encontrarem por conta própria um apartamento para viver.
Para os requerentes de asilo recém-chegados, isto significa, muitas vezes, permanecer nos centros de acolhimento iniciais por semanas em vez de alguns dias. E esses lugares também têm limites de capacidade.
É mais fácil para quem está preparado
Mas definitivamente existem diferenças regionais. Kühn e Schlicht observam que cidades e comunidades que estão particularmente sob pressão, cortaram cargos e infraestrutura de refugiados após a onda de chegadas em 2015 e 2016. Por outro lado, nos locais onde essas estruturas foram mantidas ou melhoradas, 2022 soou mais como um “novo desafio”.
Muito é uma questão de vontade política – ou mesmo de prioridades políticas.
“Embora o acolhimento de refugiados seja uma tarefa obrigatória, a sua concretização deixa margem de manobra no quadro da autonomia local”, refere o estudo.
“Na verdade, parece um pouco preocupante”, escrevem os autores. “Uma fase de calma é seguida – agora pela segunda vez em alguns anos – por uma construção frenética de abrigos de emergência, apelos urgentes da administração e, por fim, um discurso de sobrecarga”.
Düsseldorf é uma das cidades onde as coisas são diferentes. Cerca de 10 mil refugiados de guerra ucranianos chegaram à capital do estado da Renânia do Norte-Vestfália em um curto período em 2022.
“Foram tantos refugiados quanto em 2015 e 2016 juntos”, disse Miriam Koch, do departamento municipal de Cultura e Integração de Düsseldorf. “No entanto, não ficamos sobrecarregados, apenas fomos desafiados”.
Nem tudo correu bem. “Mas conseguimos colocar em funcionamento as estruturas que vínhamos praticando desde 2015”. Isso incluiu a cooperação de diferentes órgãos “e a experiência de como a cidade pode conseguir apartamentos”.
Mais flexibilidade na acomodação
Düsseldorf gerencia os processos de mudança, o que significa que a cidade procura proativamente por apartamentos de aluguel para refugiados reconhecidos. Isso também inclui convencer proprietários privados a aceitarem refugiados como inquilinos – o que costuma ser difícil.
Koch explica que muitos proprietários querem receber apenas mulheres e crianças ucranianas. Em muitos casos, a persuasão deve ser feita para “acalmar os medos e preocupações” dos proprietários, como diz Koch. Há também o conceito de Wohnen-auf-Probe, ou seja, moradia de aluguel por um período de experiência.
No estado de Baden-Württemberg, várias cidades se uniram em uma rede para encontrar espaços habitacionais. Algumas autoridades locais até pagam subsídios de reforma para tornar imóveis utilizáveis, enquanto outras se oferecem como fiadoras, ou até assinam o contrato de aluguel nos primeiros anos.
No entanto, mesmo iniciativas como essas ajudam apenas até certo ponto em cidades com escassez de moradias. Koch, que vive em Düsseldorf, gostaria, que todos os refugiados – e não apenas os ucranianos – conseguissem encontrar acomodação por conta própria. Há muitos migrantes na Alemanha que estariam dispostos a receber parentes, amigos e conhecidos que estão fugindo.
Um em cada dois pedidos de asilo é rejeitado
Diante do problema de logística, cada vez mais municípios pedem que sejam designados apenas refugiados com perspectiva de permaner na Alemnha. Um exemplo disso é Fulda. A resolução aprovada pelo parlamento local afirma: “os requerentes de asilo recém-chegados e refugiados de países terceiros devem permanecer nos centros de acolhimento centrais do país até que os primeiros exames sejam concluídos”.
E Woide acrescenta: “caso contrário, a experiência já nos mostrou que a deportação não funcionará mais tarde”.
De acordo com números do Departamento Federal para Migração e Refugiados, cerca de 133 mil pedidos de asilo foram processados e decididos no primeiro semestre de 2023. Do total, 48% foram rejeitados, ou seja, apenas um em cada dois candidatos tem perspectivas de permanecer na Alemanha.