Para o cientista político José Álvaro Moisés, professor sênior do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), a condenação de Jair Bolsonaro (PL) na Justiça Eleitoral é um “indicativo”, apesar das fragilidades, de que a “democracia está funcionando”.
Moisés conta ter se surpreendido, ao longo do processo nas últimas semanas, com a falta de manifestação ou atos de políticos bolsonaristas em apoio ao ex-presidente. O bolsonarismo, afirmou em entrevista a Lucas Ferraz, do jornal Valor, terá um dilema a enfrentar com a decisão.
A seguir os principais pontos da entrevista:
Valor: O senhor se surpreendeu ou era o que se esperava do TSE?
José Álvaro Moisés: Era o que se esperava. Imaginava que um dos apoiadores de Bolsonaro [no TSE] pediria vista para prolongar o processo. Não aconteceu talvez porque eles perceberam que seria frágil prolongar mais. E a fundamentação do voto do relator foi precisa e cuidadosa.
Valor: Bolsonaro reagiu com virulência, dizendo-se perseguido político. A vitimização continuará a ser parte do discurso dele?
Moisés: Vai depender. Uma coisa surpreendente é que não houve muito apoio a Bolsonaro. Houve algo nas redes sociais, mas muito limitado. Não houve manifestação. Mesmo no TSE, não havia nenhum político lá em apoio a ele. Bolsonaro e uma parte de seus aliados já tinham incorporado a condenação.
Valor: Muitos aliados tentaram se descolar, como fez o senador Ciro Nogueira (PP-PI) ao depor no processo do TSE.
Moisés: Durante os anos de Bolsonaro tivemos muito abuso de poder. Nesse caso [a reunião com embaixador para atacar o sistema eleitoral], houve resposta do Judiciário. Quando há abuso por parte do presidente, e quando há previsto uma medida judiciária que contenha isso, como aconteceu, é um indicativo de que, apesar de tudo, a democracia está funcionando.
Valor: Já se pode falar, com a decisão, no surgimento de um novo tipo de bolsonarismo?
Moisés: É cedo. Ele teve uma votação expressiva em 2022 e ainda tem uma liderança importante. Mas o bolsonarismo tomou dois grandes golpes neste ano. Primeiro, a reação contundente da sociedade e da política ao 8 de janeiro. Aquilo que era um projeto bolsonarista que foi contido. Agora tivemos um segundo. Diante do abuso de poder do líder, houve contenção. O bolsonarismo vai ter que se debater com isso. Os líderes que estão sendo sugeridos como substitutos não têm o perfil dele, são mais moderados, caso do governador de São Paulo [Tarcísio de Freitas]. O dilema do bolsonarismo vai ser como permanecer com aquele conteúdo da extrema direita e ao mesmo tempo dialogar com setores que não aceitam a radicalização.