ONGs de defesa dos oceanos criticaram nesta última sexta-feira (31) o resultado de uma reunião do conselho da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA, sigla em inglês), por considerarem que se perdeu uma oportunidade de impedir a mineração submarina.
“Deve-se destacar que o clima político mudou radicalmente desde o ano passado”, disse à AFP Emma Wilson, da Deep Sea Conservation Coalition. “Naquele momento, não havia nenhum Estado que tivesse se levantado e dito não à mineração”.
Ao fim de uma reunião de duas semanas, Emma Wilson disse que continua “muito preocupada” com a possibilidade de que se abra a porta a solicitações de mineração em águas profundas neste ano.
Criada sob a Convenção da ONU para os Direitos do Mar, a ISA tem autoridade sobre o fundo do mar situado fora das Zonas Econômicas Exclusivas de seus 167 Estados-membros, que se estendem até as 200 milhas náuticas (370 km) da costa.
Por enquanto, o órgão, com sede na Jamaica, concedeu contratos de exploração apenas a centros de pesquisa e empresas em áreas bem definidas de potencial riqueza mineral. Por isso, espera-se que a exploração industrial de níquel, cobalto e cobre só comece depois que for aprovado um código de mineração em discussão há quase dez anos.
Moratória
ONGs e cientistas advertem há anos sobre os danos que este tipo de mineração no leito submarino poderia causar aos ecossistemas de águas profundas. Cada vez mais países compartilham esta preocupação. Canadá, Austrália e Bélgica, entre outros, insistiram em que a mineração em leitos marinhos não pode começar sem uma regulamentação estrita.
“Não se apresentam as condições para que tenha início a exploração dos fundos marinhos”, insistiu hoje o representante do México, Marcelino Miranda.
“O Brasil acredita que o nível de conhecimento atual e a ciência disponíveis são insuficientes para aprovar qualquer projeto de mineração de fundos marinhos em áreas além das jurisdições nacionais”, disse a embaixadora brasileira Elza Moreira Marcelino de Castro no encontro do ISA.
Embora não tenha pedido abertamente uma moratória sobre a exploração, ela declarou que o Brasil vê “méritos significativos” na proposta de “pausa” na mineração, defendida por cerca de 15 países, entre eles França, Alemanha, Chile e Vanuatu.
“A mineração em águas profundas iria além de causar danos ao fundo do mar e teria um impacto mais amplo nas populações de peixes, mamíferos marinhos e na função essencial de regulação do clima dos ecossistemas em águas profundas”, destacou o representante de Vanuatu, Sylvain Kalsakau.
Ele convidou “os países do Pacífico que expressaram interesse na mineração em águas profundas a recuarem”, em mensagem destinada ao pequeno país insular de Nauru.
Muita ansiedade
Mas, cansada de esperar, Nauru invocou, em junho de 2021, uma cláusula que lhe permite exigir a adoção de um código de mineração em dois anos. Uma vez cumprido o prazo, em 9 de julho, seu governo poderá solicitar um contrato de mineração para a NORI (Nauru Ocean Ressources), subsidiária da empresa canadense The Metals Company.
Na falta de um código, o conselho de 36 membros aparece dividido sobre os passos a serem seguidos para a revisão do pedido de um contrato de mineração, e tende a se dissolver sem alcançar um acordo, segundo um rascunho ao qual a AFP teve acesso, que propõe a continuidade dos diálogos.
A incerteza está “gerando muita ansiedade”, destacou Pradeep Singh, especialista em direito do mar e pesquisador do Research Institute for Sustainability, em Potsdam, Alemanha.
Nauru reiterou a promessa de esperar até o próximo encontro do conselho da ISA, em julho, para apresentar um pedido de exploração mineral, mas observadores informaram à AFP que duvidam que o código de mineração esteja pronto para ser adotado na ocasião.
“Parece que cumprir esse prazo é impossível”, disse Singh. “Há muitos pontos que continuam sendo polêmicos”, acrescentou. Entre eles, está o tema delicado de como serão distribuídos os lucros obtidos com a mineração em águas profundas e a medição de seus impactos ambientais.
Sua posição era compartilhada hoje pelo embaixador belga, Hugo Verbist, para quem “as duas semanas da sessão de julho serão, em grande medida, insuficientes para concluir” o código.
Sem regras claras sobre como aprovar ou rejeitar uma solicitação de mineração, “os governos deixam, de forma imprudente, a porta dos fundos aberta para que a mineração em águas profundas fure a fila e comece a operar no fim deste ano”, advertiu, em nota, Louisa Casson, do Greenpeace.
As ONGs temem que, se a The Metals Company começar a se preparar para lançar sua produção no fim de 2024, outros grupos industriais possam pedir permissões quando terminarem os dois anos da cláusula invocada por Nauru.
Semanas depois da histórica adoção, em março, do primeiro tratado internacional sobre a proteção do alto-mar, “este resultado profundamente irresponsável é uma oportunidade perdida de enviar um sinal claro de que a era da destruição dos oceanos terminou”, criticou Casson.