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domingo 19 de março de 2023 às 10:51h

Jornal mostra estratégias da direita americana pós-Trump que dão lições ao bolsonarismo

NOTÍCIAS, POLÍTICA


Em uma transmissão no Instagram no último dia 5, logo após a conferência conservadora CPAC nos Estados Unidos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) notou: “Quando você vem para o exterior e expõe, percebe que não está sozinho”. E completou: “É tudo praticamente o mesmo problema”.

Ao seu lado, o também deputado e ex-secretário da Cultura Mário Frias (PL-SP) respondeu: “Parece que estou vendo um filme, só que eles estão um pouquinho mais na frente”. E os dois elencam: “É negócio de mudança de sexo, agenda trans, agenda 2030, sexualização infantil, pauta ambiental, homem competindo com mulher em competição feminina”.

Conforme Thiago Amâncio, da Folha, são muitas as semelhanças entre as políticas dos EUA e do Brasil desde a ascensão ao poder de Donald Trump e de Jair Bolsonaro: dois líderes considerados populistas de direita que contestaram a derrota nas urnas sem argumentos consistentes, que tiveram apoiadores engajados em atos violentos para tentar reverter o resultado eleitoral e que adotaram condutas vistas como ataques à democracia.

E ambos foram para a Flórida após perderem, sem participar da passagem do cargo para seus sucessores —Joe Biden e Lula, respectivamente.

Tudo isso aconteceu nos EUA dois anos antes do Brasil. E o caminho que a direita trumpista tomou nesse período para tentar levar o republicano de volta ao governo pode dar indícios do que a base bolsonarista deve fazer fora do poder, avaliam especialistas.

A CPAC é a principal conferência da ultradireita americana e reuniu fervorosos apoiadores de Trump, além do próprio Bolsonaro, na região de Washington. Conforme observado pelo filho Eduardo, a questão das pessoas transgênero foi um dos assuntos mais presentes nas falas dos palestrantes, com série de discursos transfóbicos.

Em quase duras horas de exposição, Trump prometeu “revogar cada política de Biden que promova a castração química e mutilação sexual da nossa juventude e propor ao Congresso uma lei proibindo mutilação sexual de crianças nos 50 estados”, além de dizer que deixará “homens fora de esportes femininos”, o que considerou “ridículo.”

Um podcaster famoso, Michael Knowles, chegou a dizer que, “pelo bem da sociedade”, o que chamou de transgenerismo “deve ser erradicado da vida pública inteiramente”, assim como o que classificou de “toda ideologia absurda”.

Quatro dias depois, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), que também foi à CPAC, subiu na tribuna da Câmara em Brasília, colocou uma peruca e fez um discurso transfóbico.

Essa é uma das pautas de comportamento mais fortes entre a direita americana. No ano passado, o governador do Texas, Greg Abbott, determinou que uma agência local abra investigações contra pais de crianças trans por abuso e maus-tratos.

A questão extrapola para outros temas, como apresentações de drag queens. Um levantamento do jornal The Washington Post encontrou 26 projetos de lei apresentados somente neste ano por parlamentares estaduais do Partido Republicano para restringir shows do tipo em pelo menos 14 estados do país.

O primeiro a aprovar uma legislação assim foi o Tennessee, onde a lei proíbe “entretenimento adulto de cabaré” em prédios públicos e onde menores de idade possam assisti-los. Bolsonaro esteve em Nashville, capital do Tennessee, uma semana antes da aprovação, para participar de uma feira de caça.

Para Pedro Abelin, pesquisador da ultradireita na Universidade de Maryland, a direita brasileira é muito influenciada pelos debates que acontecem nos Estados Unidos e “muitas vezes importa a retórica, gramática e estratégias” americanas.

“Por exemplo, importantes atores têm adaptado narrativas conspiratórias para o Brasil produzidas pela extrema direita estadunidense, como teorias que ligariam a esquerda a redes de pedofilia.”

Em 2016, quando Trump concorreu contra Hillary Clinton, por exemplo, se tornou viral uma teoria da conspiração que dizia que autoridades democratas comandavam uma rede de pedofilia e tráfico humano que funcionaria em restaurantes de fachada.

Abelin afirma que o bolsonarismo “deve continuar apostando no que chamamos de guerras culturais e nas pautas de pânico moral, assim como ocorre nos EUA”.

Fábio de Sá e Silva, professor de estudos internacionais da Universidade de Oklahoma, afirma que isso é uma vulnerabilidade da extrema direita hoje, que já dita a lógica interna do Partido Republicano e deve dar o tom das primárias para a Presidência no ano que vem.

“Estabelece-se a disputa de quem é mais radical nas pautas de costumes e isso pode acabar custando a eleição geral”, diz ele, citando o exemplo das eleições de meio de mandato, que aconteceram em novembro.

Naquele pleito, que renovou a Câmara e um terço do Senado, os republicanos tiveram performance muito aquém do esperado, e um dos motivos apontados foi o fato de que os candidatos que venceram as primárias do partido e chegaram às urnas eram os mais radicais, o que acabou por afastar eleitores moderados, sobretudo na questão do aborto.

“A direita democrática brasileira pode aprender com a direita americana que dobrar a aposta no bolsonarismo coloca em risco a competitividade eleitoral”, afirma ele. “Você fala para uma base muito fiel, mas não consegue expandir além disso.”

Há mais de dois anos fora do cargo, Trump é ainda uma das figuras mais relevantes da política americana e está em pré-campanha para disputar novamente a eleição à Casa Branca no ano que vem. Mas tem visto um antigo aliado, o governador da Flórida, Ron DeSantis, ameaçar seu projeto.

Hoje, a mais de um ano das primárias, Trump tem 46% das intenções de voto entre os republicanos, segundo pesquisa de fevereiro da Universidade Quinnipiac. DeSantis tem 32% das intenções.

O governador é o favorito para suceder Trump como liderança da direita. Com posições muitas vezes tão radicais quanto as do ex-presidente, é jovem (tem 44 anos, 32 anos a menos que o adversário) e não carrega consigo o mesmo desgaste de série de investigações na Justiça.

Para Abelin, Bolsonaro deve se manter relevante na política brasileira assim como Trump, mas o tamanho do protagonismo vai depender das investigações contra ele.

“O bolsonarismo tem se consolidado como uma força estruturante da política brasileira e dá sinais de ter relativa autonomia de Bolsonaro. Existe a possibilidade de alguém pegar esse espólio, sobretudo se Bolsonaro ficar inelegível”, afirma.

Sá e Silva diz que há uma diferença importante entre Trump e Bolsonaro quando se pensa na estrutura partidária. “Trump tem uma vantagem que é controlar o Partido Republicano. Bolsonaro, não exatamente. Ele tem uma posição forte, mas não é dono do PL. Nesse sentido, o bolsonarismo é mais um movimento social do que algo institucionalizado em um partido. E isso deixa Bolsonaro um pouco mais frágil, porque pode ser alienado do processo caso os partidos de direita consigam pactuar outra candidatura.”

A quase quatro anos de distância das próximas eleições, é impossível saber quem herdará o espólio político de Bolsonaro na campanha de 2026, mas as figuras que mais se aproximam de DeSantis no Brasil são os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo): empunham bandeiras semelhantes às do ex-presidente, são mais jovens e populares, além de liderarem estados ricos e populosos.

Até na maneira de arrecadar dinheiro fora do governo os bolsonaristas se inspiraram nos trumpistas. Eduardo lançou a Bolsonaro Store, loja online que vende calendário, caneca e troféu do ex-presidente. Trump tem experiência em explorar a marca própria além dos já famosos hotéis. Na Trump Store é possível comprar de tudo com o nome do republicano: ecobags, mochilas, gorros, bonés, camisetas, moletons, chinelos e até colares e anéis.

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