Na tarde daquela sexta-feira de novembro de 2019, Lula se preparava para deixar a cela de 25 metros quadrados onde havia passado 580 dias. No espaço transformado em prisão para abrigar o ex-presidente, o advogado Cristiano Zanin se dirigiu a ele na última conversa que tiveram dentro do prédio da Polícia Federal, em Curitiba:
— Hoje o senhor vai sair pela porta da frente, como a gente planejou.
— Nós sempre estivemos certos — respondeu Lula, diz a colunista Bela Megale, do O Globo.
O breve diálogo resume uma batalha travada pelo advogado com o PT em torno da estratégia de defesa de Lula na operação Lava-Jato. Com o aval de Lula, Zanin defendia que o então ex-presidente só deveria deixar a prisão se estivesse totalmente livre, sem ceder a barganhas da Justiça. A maioria dos integrantes do partido discordava. Via o chamado de “habeas corpus humanitário” como a única saída para Lula, que consistia em um pedido de prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica. O petista resistia fortemente à ideia e respondia com irritação que “não era pombo” para usar o aparelho. Para ele, negociar sua liberdade seria assumir culpa pelas acusações que respondia.
A visão de que esse era o melhor caminho não predominava só no PT, mas era compartilhada por advogados de renome que integravam a defesa do ex-presidente, como Sepúlveda Pertence, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) aposentado. Foi dele a iniciativa de apresentar à corte um pedido de prisão domiciliar a Lula. Ao tomar conhecimento da medida pela imprensa, Zanin e sua esposa e sócia, a advogada Valeska Teixeira Martins, desmentiram o colega por meio de uma nota. Com a divergência escancarada e Pertence desautorizado, ele deixou o time de defensores de Lula, em julho de 2018.
Quase cinco anos depois do episódio, Zanin segue ao lado de Lula e é visto no entorno do presidente como o favorito para ocupar a primeira vaga no Supremo, aberta em maio, com a aposentadoria de Ricardo Lewandowski. A avaliação é que o advogado encarna as principais características que Lula afirma, em conversas reservadas, que seu indicado terá: lealdade e não ter medo de se posicionar contra a opinião pública.
Nesta quinta-feira, o presidente falou abertamente segundo Bela Megale, em sua coluna, sobre a possibilidade de escolher seu advogado em entrevista à BandNews:
— Hoje, se eu indicasse o Zanin, todo mundo compreenderia que ele merecia ser indicado. Tecnicamente ele cresceu de forma extraordinária. É meu amigo, meu companheiro, como outros são meus companheiros — disse o presidente, destacando que seu critério de escolha será “pessoal”.
Zanin x PT
Cristiano Zanin se tornou o principal condutor da defesa de Lula na Lava-Jato, em meio a críticas e questionamentos do próprio PT e de advogadas ligados ao partido. A entrada dele no caso aconteceu no fim de 2015, quando acompanhou o, na época, ex-presidente, em um depoimento sigiloso na Polícia Federal, em Brasília.
O bombardeio contra o advogado ia de queixas de que não era um criminalista de renome a vincularem sua escolha exclusivamente ao parentesco com Roberto Teixeira, compadre do presidente. Zanin é casado desde 2004 com Valeska, filha de Teixeira que atua com o marido representando Lula.
Havia ainda descontentamento com a maneira como ele conduzia a defesa. Diferentemente dos criminalistas tradicionais, que procuravam não fazer um confronto direto com o juiz Sergio Moro, que gozava de grande apoio popular na época, Zanin optou pelo enfrentamento. Além de colocar no ar páginas nas redes sociais que rebatiam as acusações sobre Lula, apontou para a parcialidade do então juiz e afirmou que sua motivação para as condenações era política e não jurídica. Chegou a contratar o trabalho de psicólogos forenses para traçar um perfil psicológico de Moro. Os argumentos eram apresentados tanto nos autos quanto nas falas públicas do advogado.
O pedido para que o ex-juiz fosse considerado suspeito, levado por Zanin em 2018 à Justiça, também se tornou foco de embate entre o advogado e o PT. Na ocasião, boa parte dos correligionários da sigla era contra a medida e tinha receio de que ela pudesse complicar ainda mais a situação de Lula, que seguia preso. O assunto chegou a ser discutido em uma reunião na cela do próprio ex-presidente, em Curitiba, com advogados filiados ao partido. Depois de Zanin ameaçar deixar a defesa se a peça fosse retirada, a decisão foi seguir com o processo.
O caso culminou na decretação da parcialidade de Sergio Moro pelo STF e na anulação das provas produzidas ao longo da Lava-Jato, em 2021. No fim da sessão da Segunda Turma, o ministro Gilmar Mendes chorou ao homenagear Zanin.
— Sem dúvida nenhuma nós vimos um advogado que não se cansou de trazer questões ao tribunal, muitas vezes até sendo censurado, incompreendido. Mas ele tinha, vamos reconhecer, uma causa muito difícil, muito personalizada. – disse Gilmar, com lágrimas nos olhos. – Acho que faço na pessoa do Dr. Zanin uma justa homenagem à advocacia brasileira.
Lula assistiu ao julgamento do sobrado em que foi morar quando saiu da prisão, em São Bernardo do Campo, no ACB Paulista. No fim da sessão, ligou para seu advogado, agradeceu o trabalho e disse que a homenagem era “merecida”.
Janja, Lula, Valeska e Zanin no casamento do presidente — Foto: Ricardo Stuckert/ Divulgação
Maré a favor
A maré favorável a Cristiano Zanin e seu cliente, porém, tinha virado alguns anos antes. Em dezembro de 2019, a Justiça Federal em Brasília absolveu Lula e os demais réus na ação do “quadrilhão do PT”, que o acusava de ser chefe de uma organização criminosa que teria operado desvios da Petrobras. Aquela foi a primeira vitória expressiva de Zanin, que havia passado os três anos anteriores amargando derrotas na Justiça e ataques na vida pessoal. Na ocasião, o trabalho de Moro e da força-tarefa de Curitiba estava em xeque após o vazamento de mensagens trocadas por eles que foram interceptadas por um ataque hacker e divulgadas pelo site “The Intercept”. O caso ficou conhecido como “Vaza Jato”.
No auge da popularidade da operação, os três filhos do advogado tiveram que mudar de escola onde estudavam após sofrerem hostilidades. Os pais de seus colegas também atacavam Zanin e Valeska por sua atuação na defesa de Lula.
A ameaça mais grave contra o advogado, porém, foi em janeiro deste ano, após a posse de Lula como presidente. Zanin escovava os dentes no banheiro do Aeroporto de Brasília quando o empresário Luiz Bassetto se aproximou e o chamou de “bandido”, “vagabundo” e disse que tinha “vontade de meter a mão na orelha” do advogado. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) acionou o empresário na Justiça e pede uma indenização de R$ 150 mil.
Nos últimos três anos, o advogado encerrou mais 25 ações contra Lula vinculadas à Lava-Jato e outros clientes como, como o ex-governador de Goiás Marconi Perillo (PSDB) e José Eliton (PSB). Um desses processos chegou a ser usado no ano passado pela defesa do hoje vice-presidente Geraldo Alckmin numa acusação que ele enfrentou em decorrência da delação da Odebrecht. Após trancar o caso, Alckmin ligou para Zanin para agradecer a ajuda indireta.
O advogado também atuou como articulador de apoio dos tucanos para a chapa Lula-Alckmin. Em janeiro do ano passado, promoveu em seu escritório o primeiro encontro do ex-senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) com Lula. Nunes, que é amigo de Zanin, se tornou o principal defensor do apoio dos cabeças brancas de seu partido à chapa petista, que se concretizou. Na área jurídica, coordenou com o Eugênio Aragão guerra travada com Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Antes de mergulhar na defesa de Lula, Zanin tinha como foco principal o direito empresarial, com atuação na recuperação judicial de companhias como Transbrasil e Varig e em litígios envolvendo empresas como Schincariol, e as petroquímicas Quattor e Braskem.
Neste ano, Zanin foi contratado para atuar na defesa da Americanas, no litígio com o banco BTG Pactual que corre no Superior Tribunal de Justiça. O fato foi usada por postulantes à vaga no STF para tentar tirá-lo da disputa. O advogado se tornou alvo de críticas pelas altas cifras que o caso envolve e as queixas chegaram a Lula. A auxiliares, o presidente sinalizou não ver problemas e afirmou que Zanin segue trabalhando como advogado.
A declaração de Lula na última quinta-feira sobre a possibilidade de indicar seu advogado ao STF reforçou o sentimento de integrantes do governo que o veem como favorito. Há, no entanto, uma atuação intensa, inclusive de parte dos ministros do próprio Supremo, na tentativa de convencer Lula a indicar Zanin para a vaga que será aberta em outubro, com a aposentadoria de Rosa Weber. A leitura é que Lula seguirá o critério pessoal para fazer sua escolha e que, nesta frente, Zanin será “favorito” para essa e futuras vagas na corte.
Zanin acompanhou Lula em viagem ao Vaticano para encontrar o para Francisco — Foto: Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação