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segunda-feira 23 de janeiro de 2023 às 07:15h

Maiores organizações criminosas do Brasil se espalham pelo interior da Bahia

DESTAQUE, NOTÍCIAS, SSP-BA


Presídios funcionam como “centros de comando” do PCC e CV, afirma delegado

Conforme reportagem de Bruno Wendel, do jornal Correio da Bahia, nos primeiros dias do ano, a polícia prendeu um jovem de 18 anos em Porto Seguro, no Sul do estado, com uma certa quantidade droga. O mais surpreende não foi o fato de o rapaz sul-mato-grossense falar inglês e ter morado na Europa, e, sim, a condição do flagrante: na hora que fora surpreendido por PMs, ele tinha acabado de receber um pagamento via Pix pelos “serviços prestados” ao Primeiro Comando da Capital (PCC), a organização criminosa mais poderosa do país.

Este caso e outros ilustram como cidades do interior da Bahia passaram a conviver com o medo e a insegurança. Mas isso não é de agora.  Há pelo menos 10 anos a situação se agravou, com a ampliação territorial do PCC, e de sua arquirrival, o Comando Vermelho (CV), a segunda maior facção do Brasil, principalmente no sul do estado.

“Esse tráfico pulverizado está relacionado às facções que estão filiadas a São Paulo (PCC) e ao Rio de Janeiro (CV). Essas maiores dão suporte, desde ao fornecimento de armas e drogas, como eventual reforço em material humano em situações pontuais de ataque. O que a gente percebe que essas divisões no cenário nacional, eles refletem nas localidades aqui, seja na capital ou no interior, com suas representações”, declarou o delegado Marcus Vinícius, da Delegacia de Tóxico e Entorpecentes (DTE) de Porto Seguro.

Segundo ele, o ponto de partida para essa expansão começou nas unidades prisionais. “Há bastante tempo a gente observa isso no interior e a relação básica tem a ver com os presídios, pois são basicamente os centros de comando. Você hoje tem uma integração com crime no nível nacional por meio dos presídios, o que acontece nas cidades do interior, que elas têm os seus comandos respectivos, então ali há determinada presença de uma facção que rivaliza com outra organização criminosa, normalmente o PCC e o CV. Então, você tem as filiações, vão surgindo as siglas”, explicou o delegado.

Costa do Descobrimento

Porto Seguro, Santa Cruz Cabrália e Belmonte são os três municípios que fazem parte da Costa do Descobrimento, no sul da Bahia. Povoados como Arraial D’Ajuda, Trancoso, Caraíva e Praia do Espelho [entre Trancoso e Caraíva]  são os locais mais procurados para quem busca de tranquilidade, águas calmas e transparentes e muito pé na areia. No entanto, é na nessa região que atuam duas facções sob a liderança do PCC.

A mais antiga de todas, segundo fontes ouvidas pelo jornal Correio, é a Mercado do Povo Atitude (MPA), fundada em Porto Seguro, tem a maior representatividade, logo a mais forte entre as demais em atuação – sim, existem outras organizações menores que atuam de forma independente, como o grupo denominada Santa Catarina, nome de bairro local, a MB, dos irmãos Jadiel da Silva Medino, o Marrocos, e Jabes da Silva Medino, o Big Mel, e o bando de Romarinho, presença forte em Arraial d’Ajuda.

A MPA está envolvida nas principais ações criminosas da região.  liderada pelo traficante André Márcio de Jesus, o Buiu. Em em 2011, seu exército ateou fogo em quatro ônibus e apedrejou outros dois em Porto Seguro. Na época, a SSP-BA divulgou que a facção era ligada ao PCC. Anos depois, o grupo foi apontado como mandante de outros ataques também em Porto Seguro, entre eles uma chacina no distrito de Vera Cruz, em setembro de 2014. Seis pessoas foram assassinadas.

Em 2018, a MPA participou de uma série de ataques em Eunápolis, no extremo-sul baiano, para roubar a empresa de valores Prosegur, usando inclusive armas de uso restrito das Forças Armadas. De acordo com a Polícia Militar, os bandidos estavam armados com fuzis 762 e 556 e metralhadoras ponto 50, usadas em ataques antiaéreos.

E é em Eunápolis que está outra facção que atua na Costa do Descobrimento ligada à maior organização criminosa do país. O Primeiro Comando de Eunápolis (PCE) é a segunda mais forte da região.

“Aqui em Cabrália (Santa Cruz de Cabrália), por exemplo, temos feito diversas operações, desde 2000, quando eu assumi, e já apreendemos diversas quantidade de drogas, submetralhadoras, pistolas, várias pessoas foram presas, mas ainda há um intenso movimento do tráfico de drogas, porque há três facções dentro de uma cidade pequena”, declarou o titular da delegacia Santa Cruz de Cabrália, delegado Wendel Ferreira, que fez referência aos grupos PCE, MPA e Santa Catarina.  A cidade tem cerca de 28 mil habitantes, segundo o IBGE.

Ainda no extremo sul do estado, os municípios de Guaratinga, Itapebi, Itagimirim também têm o comércio de entorpecentes controlados PCC e alguns pontos pelo CV.

Em 2018, nove pessoas foram condenadas pela Justiça por integrarem a facção Raio-A, responsável por diversos homicídios e roubos cometidos na cidade de Ilhéus e região. Segundo denúncia oferecida pelo Ministério Público estadual, por meio da 1ª Promotoria de Justiça de Ilhéus, as ações criminosas eram comandadas de dentro do Conjunto Penal de Serrinha, onde estavam custodiados os líderes da facção, Márcio Arandiba dos Santos, conhecido como Tila, hoje preso em Jequié, e Adailton Soares Sampaio, apelidado de Dai, que está morto.

Segundo a Polícia Civil, a Raio A é ligada ao CV, que tem forte atuação na cidade de Teixeira de Freitas. Em Itabuna, a Raio A e DMP há anos travam uma guerra pelo poder do tráfico de drogas na cidade de itabuna. O Raio A (Tudo2) tem o controle de 80% do município dominando ao todo 56 bairros. Já o DMP existe há seis anos, depois do desmanche do Raio B, e controla 15 bairros com 20% de domínio. Mesmo sendo poucas localidades, ela lucra bastante por dominar áreas estratégicas e bate de frente com o Raio A, pois conta com ajuda da facção BDM de Salvador.

Segundo o delegado Wendel Ferreira, o Bonde do Maluco (BDM), considerada a maior organização criminosa baiana, e que predomina em Salvador e região metropolitana, além de outras grandes cidades, como Feira de Santana, tentou se expandir na Costa do Descobrimento. “Já houve formação do BDM, mas não cresceu. Eles necessitaram de pessoas da região, mas não conseguiram, pois, as pessoas daqui já estão fechadas com as lideranças mais fortes (PCC e CV), por isso houve a dificuldade no avanço. Soube há um tempo que ia (BDM) fazer uma fusão com uma dessas facções que atuam aqui, como alternativa”, explicou Ferreira, que é também titular da Delegacia Especializada de Atendimento e Proteção ao Turista (Deltur) de Porto Seguro e por muito tempo ficou à frente da delegacia de Belmonte.

inda de acordo com Ferreira, os conflitos entre as facções deram uma trégua. “As brigas cessaram, porque tivemos várias operações, algumas foram e outras fugiram, tanto que houve uma diminuída, tanto que, tivemos a diminuição dos níveis de homicídio nos últimos 12 meses”, disse ele.

Segundo o delegado Marcus Vinícius, atualmente “há um respeito na territorialidade de cada um”. “ Mas não há uma situação que a gente pode estabelecer como regra, porque o traficante tem a paz dele retirada à medida que percebe o outro no território dele ou alguma outra circunstância que não tem a ver diretamente com a droga, como um cara vai atrás de uma mulher de outro bairro, e o traficante fica impelido a tomar uma providência, que resultada em homicídio. Muitas vezes não é uma disputa territorial que gera um homicídio baseado nessas rivalidades.  Agora o que isso tem a ver com o tráfico de drogas, diretamente, nada, mas indiretamente tem porque são rivalidades entre as facções”, declarou o titula da DTE de Porto Seguro.

Apesar da força do crime organizado no interior da Bahia, as principais lideranças do tráfico estão presas ou foram mortas recentemente. “Dessas fações todas, apenas o Romarinho está solto”, disse o delegado Marcus Vinícius, fazendo referência ao traficante, cujo grupo leva o nome do próprio criminoso. O caso foi recente aconteceu no dia primeiro deste ano. O traficante André Márcio de Jesus, o Buiu, líder do MPA, foi localizado na cidade de Bonito, no Mato Grosso do Sul.

Alvo da morte de subtentente, Buiu, é preso em mansão no MS. Ele é líde do MPA (Foto: Reprodução)

Buiu estava foragido desde setembro do ano passado, quando deixou o Complexo Penitenciário de Lauro de Freitas com benefício de saída temporária, usando tornozeleira eletrônica. Ele seria o alvo da polícia em uma operação policial que resultou na morte do subtenente da Polícia Militar Alberto Alves dos Santos, na cidade de Itajuípe.

Segundo informações da Polícia Civil do Mato Grosso do Sul, Buiu foi preso em uma chácara de alto padrão, onde estava escondido. Ele tinha três mandados de prisão em aberto por tráfico de drogas e era o “Às de Copas” do Baralho do Crime – ferramenta eletrônica da SSP/BA usada para localização de bandidos através de denúncias anônimas. Na posse dele, foi encontrado um documento falso, e ele também irá responder por falsificação de documento público.

“Além de Buiu, os líderes do PCE, os irmãos Dado e Rena também estão presos. Na mesma situação se encontra o Marrocos, líder  da MB. O irmão dele, o Big Mel está morto”, detalhou o titular da DTE de Porto Seguro.

Lista de facções presentes no interior da Bahia

Porto Seguro: 
MPA (PCC)
Santa Catarina (independente)
MB (independente)
Romarinho (independente)

Santa Cruz de Cabrália:
PCE  (PCC)
MPA  (PCC)
Santa Catarina  (independente)

Belmonte: 
MPA (PCC)
Santa Catarina   (independente)
MB (independente)

Eunápolis:
MPA (PCC)
PCE (PCC)

Guaratinga, Itapebi e Itagimirim: têm pontos comandados pelo PCC e CV

Itabuna:
Raio-A  (CV)
DMP   (independente)

Teixeira de Freitas:
Raio-A  (CV)

Legenda:

PCC – Primeiro Comando da Capital
CV – Comando Vermelho
PCE – Primeiro Comando de Eunápolis
MB – Big Mel

 Posicionamentos

Em relação a atuação do crime organizado no interior do estado, a Polícia Civil informou que realiza ações de inteligência e investigação para o combate e a desarticulação de grupos criminosos, com apreensões de armas, drogas e valores, por meio de atividades do Departamento de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco), com apoio dos Departamentos de Inteligência Policial (DIP), de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), de Crimes Contra o Patrimônio (DCCP), de Polícia Metropolitana (Depom) e da Coordenação de Operações Especiais (COE).  “Alguns dos exemplos são as operações Unum Corpus, Disciplina, Borderline e Balder, que prenderam, em 2022, centenas de integrantes de organizações criminosas que atuam no tráfico de drogas”, diz a nota enviada à reportagem.

O jornal Correio informa que procurou a Polícia Militar (PM/BA) e o Ministério Público da Bahia (MP/BA), mas não teve nenhuma resposta.  A reportagem procurou também a Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap), pois uma das fontes aponta os presídios como sendo “centrais de comando” das maiores facções atuantes na Bahia. No entanto, até o fechamento desta edição não houve posicionamento.

SSP destaca ações de combate

A Secretaria da Segurança Pública, informou em nota, que através das polícias Militar e Civil, está atuando de forma integrada com instituições federais (PF e PRF) no combate sistemático de Organizações Criminosas (ORCRIMs), em todas as regiões da Bahia. “Muitos líderes destes grupos foram identificados e capturados” , diz a SSP.

Em outro trecho da nota enviada ao jornal, a SSP-BA ‘esclarece que a influência das citadas ORCRIMs se dá em todo o território nacional, não sendo um fenômeno próprio da Bahia. A SSP salienta que não há cidade baiana sob domínio de nenhuma delas’.

O secretaria destaca ainda que, em nota, que “em 2022, as forças de segurança apreenderam e destruíram cerca de 100 toneladas de maconha, cocaína, crack, ecstasy, entre outros entorpecentes. Reforça que o trabalho de inteligência e as ações de repressão qualificada continuarão sendo promovidas contra as organizações criminosas”.

A SSP enfatiza, por fim,  que o foco não é somente no comércio de entorpecentes. “Os roubos a bancos, promovidos por estes mesmos grupos, apresentaram redução de 70%, em 2022. As mortes violentas, aproximadamente 70% com ligação direta ou indireta com estas organizações criminosas, recuaram 9% no ano passado. Por fim, a SSP reforça que em 2023, a polícia continuará atuando com força máxima buscando desarticular e descapitalizar as ORCRIMs, além de localizar e capturar novas lideranças”, disse.

Dona Maria foi a 3ª mulher a entrar no Baralho do Crime

Uma das maiores lideranças do tráfico de drogas na Bahia, Jasiane Silva Teixeira, de 30 anos, também está presa. A “Dama de Copas” do Baralho do Crime foi surpreendida pela polícia em 2019 na cidade de Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, junto com o também traficante Márcio Faria dos Santos, o Carioca, braço financeiro PCC no Leste Paulista.

Líder de facção, Jasiane foi presa em SP com liderança do PCC – Foto: Alberto Maraux/Divulgação SSP-BA

Na ocasião, Jasiane estava escondida em São Paulo há pelo menos quatro anos e  meses antes de sua prisão, compareceu a um aniversário de uma prima em Porto Seguro. No dia 24 de setembro de 2019, uma operação conjunta entre as policiais baianas e paulistas resultou no esconderijo de Jasiane, um imóvel de luxo em Biritiba-Mirim.

Além do tráfico de drogas, ela, segundo a polícia, tem envolvimento com homicídios, corrupção de menores, roubos, falsificações, tráfico de armas, entre outros crimes. Natural de Vitória da Conquista, a traficante comandava uma facção atuante na região Sudoeste da Bahia, a Bonde do Neguinho (BDN), com ramificações nos estados de Minas Gerais e São Paulo.

Além de ser conhecida como Dona Maria, Jasiane era apelidada no mundo do crime como Tia. Ela é enteada de Antonilton de Jesus Martines, o Nenzão, um dos traficantes mais antigos da região Sudoeste do estado.

Ela foi presa em 2008 em flagrante, em Vitória da Conquista por tráfico de drogas e porte ilegal de arma junto com o então companheiro Bruno de Jesus Camilo, o Pezão, que é sobrinho de Nenzão. Em Vitória da Conquista, Jasiane cresceu no bairro Kadija, um dos mais violentos da cidade.

O mandado de prisão em aberto e que levou a polícia a prendê-la em São Paulo é referente ao assassinato do agente penitenciário Luciano Caribé, ocorrido em 2009, em Jequié.

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