Na terça-feira (1º), quando Jair Bolsonaro reuniu-se com ministros e colaboradores no Alvorada, tinha um texto no qual mencionava o resultado das urnas e anunciava o início dos trabalhos da transição.
Na lembrança de um dos presentes, ao longo da reunião decidiu-se dividir a fala do presidente, deixando a parte da transição para ser dita pelo chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira. Desde o dia anterior ele defendia a normalidade.
A certa altura, segundo a Folha, o deputado Eduardo Bolsonaro disse ao pai que ele não deveria reconhecer publicamente o resultado da eleição. Foi interrompido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, condenando explicitamente o “golpe” embutido na proposta. Numa constatação factual e, ao mesmo tempo irônica, acrescentou: “Cadê os generais?”
A conversa prosseguiu e, chegando-se à parte que seria anunciada pelo ministro Ciro Nogueira, partiu um palpite de um personagem secundário e paisano. Ele queria que, em vez de “transição”, se falasse em “eventual transição”. Não foi ouvido, até porque, pelo andar da carruagem, essas palavras não sairiam da boca de Ciro.
Terminada a reunião, encerrava-se um silêncio que durou dois dias. Nos Estados Unidos o negacionismo persiste e deverá custar caro ao presidente Biden na eleição desta semana.
Bolsonaro e Trump
O 6 de janeiro de Donald Trump e os dias de novembro de Jair Bolsonaro tiveram diferenças essenciais.
A saber:
1- Trump tinha um objetivo pontual, melar a proclamação do resultado eleitoral no Senado. Bolsonaro não tinha objetivo, salvo a convulsão social com que sonhou desde a pandemia. Trump chegou a anunciar que iria à marcha sobre o Capitólio. Bolsonaro manteve-se em relativo silêncio no Planalto e no Alvorada.
2- Por ter um objetivo pontual, Trump colocou suas cartas na invasão do Capitólio. Nisso, teve o apoio de senadores e deputados. Bolsonaro não mandou parlamentares (nem eles foram) para o bloqueio de estradas ou para a frente de quartéis.
3- Trump tinha uma esperança, ainda que delirante. Achava que o vice-presidente Mike Pence, presidindo a reunião do Senado, colaboraria com o golpe. Estava enganado.
Bolsonaro estava preso num alicate. Entre a noite de domingo e a terça-feira, o resultado eleitoral havia sido reconhecido pela presidente do Supremo Tribunal Federal e pelos presidentes do TSE, da Câmara e do Senado, além de seu próprio vice-presidente.
Se alguém sonhou com o modelo americano, o que teve à mão foi uma sedição boliviana.