A eleição presidencial chega ao fim com a votação deste domingo deixando para trás um país profundamente dividido e um clima de apreensão que se estenderá mesmo após o fechamento das urnas e a definição de quem governará o Brasil a partir de 1º de janeiro de 2023: Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou Jair Bolsonaro (PL).
Pesquisas de intenção de voto divulgadas neste último sábado (29) mostraram Lula e Bolsonaro empatados horas antes da abertura das mais de 472 mil seções eleitorais para os mais de 156 milhões de eleitores aptos a votar. As urnas serão fechadas em todo país às 17h (horário de Brasília).
Levantamento do Ipec, por exemplo, apontou o petista com 54% dos votos válidos contra 46% do candidato à reeleição. Já o Datafolha apontou o placar de 52% a 48%, com a vantagem do petista no limite da margem de erro da sondagem, de 2 pontos percentuais.
As sondagens de opinião, aliás, também estarão sob lupa ao término da eleição, após terem sido duramente criticadas depois do primeiro turno, no dia 2 deste mês, por terem subestimado a votação obtida por Bolsonaro.
No sábado, último dia de campanha, Lula fez uma caminhada na avenida Paulista, em São Paulo, e disse, em entrevista, que pretende fazer uma sequência de viagens ao exterior o mais brevemente possível para recuperar as relações internacionais do Brasil.
Bolsonaro, por sua vez, esteve em Belo Horizonte e à noite divulgou em suas redes sociais um conjunto de promeses, basicamente repetições do que prometeu ao longo da campanha.
Os eventos colocaram um ponto final em uma campanha extremamente agressiva em que “mentiroso” foi o adjetivo mais ameno que um candidato reservou ao outro. O resultado é um país dividido que será herdado pelo vencedor deste domingo.
“Politicamente o Brasil está mais parecendo dois países do que um país só, talvez até três”, disse Larissa Peixoto Vale Gomes, doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora da Universidade de Cardiiff, no País de Gales.
A campanha, lembra ela, também foi marcada pela consolidação das notícias falsas no cenário político brasileiro e das redes sociais como campo de batalha das campanhas.
O tom dos dois candidatos e de seus apoiadores também foi o mais agressivo desde a redemocratização, o que contribui para aprofundar as divisões na sociedade.
“Infelizmente, creio que o saldo desta campanha é um esfacelamento da ideia de debate qualificado. A forma como as principais campanhas construíram suas ações e estratégias tem muito a ver com a ideia de busca incessante por uma bala de prata que permita erradicar o outro, visto como um inimigo e não como um adversário”, disse o CEO da Dharma Political Risk, Creomar de Souza.
“O espalhamento da sensação de medo e a insegurança percebida para se falar de política, são marcadores muito fortes que me parecem levar um legado de empobrecimento da ideia de debate e convivência com o diferente”, acrescentou.
A disputa de 2022 teve ainda um envolvimento sem precedentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que emitiu uma enorme quantidade de decisões determinando a retirada de conteúdos desinformativos das plataformas, entre outras medidas.
Na noite de sábado, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, decidiu proibir que a Polícia Rodoviária Federal realize, até o fim do segundo turno das eleições, qualquer tipo de operação relacionada ao transporte público, gratuito ou não, de eleitores.
Moraes também proibiu que, durante o mesmo período, a Polícia Federal divulgue o resultado de operações relacionadas às eleições.
As duas medidas foram tomadas atendendo a ação movida pelo deputado federal pelo PT Paulo Teixeira (SP), que afirmava, com base em reportagens publicadas pela imprensa, que poderia haver uma instrumentalização da PRF e da PF para interferir no processo eleitoral de forma a beneficiar Bolsonaro.
Dias seguintes
Os principais temas em discussão na campanha giraram em torno de religião –com Bolsonaro apostando na pauta de costumes para fidelizar o eleitorado evangélico– e corrupção –com trocas mútuas de acusações.
“Em termos de ideias, pouco se discutiu. Discutiu-se pouco os problemas do país, nós não discutimos o futuro, o que fazer, por exemplo na educação”, disse Carlos Melo, cientista político e professor do Insper.
“Não foi uma grande campanha. O legado vai depender do resultado. Antes de termos o resultado, não saberemos qual será o tipo de lição possível de tirar dessa campanha”, disse.
Para Melo mesmo depois de definido o resultado, o clima de apreensão deve permanecer pelos próximos dias.
“Minha expectativa é de muita tensão, apreensão. Quem for votar vai votar de certa forma apreensivo, apreensão também em relação à abstenção, se teremos maior ou mais significativa abstenção, e apreensão para a hora da apuração dos votos e no pós-apuração dos votos”, disse Melo.
“Minha expectativa é de apreensão pelos próximos dias, talvez pela próxima semana”, acrescentou.
Bolsonaro frequentemente e sem fundamentos coloca em suspeição a votação em urnas eletrônicas, inclusive com alegações falsas de que as urnas não são auditáveis. Nos últimos dias, no entanto, o presidente disse recuou no discurso e passou a dizem que “quem tiver mais votos” será o ganhador.
As Forças Armadas fiscalizaram a votação no primeiro turno, realizado em 2 de outubro, mas ainda não apresentaram suas conclusões sobre a lisura do pleito, embora observadores internacionais tenham apontado a correção da eleição e o Tribunal de Contas da União (TCU) tenha realizado auditoria em uma amostra das urnas, em um trabalho ainda em andamento e que no momento não encontrou inconsistências.
Na última semana antes da eleição, o presidente tem afirmado sem provas concretas que inserções da propaganda de sua campanha não foram veiculadas em emissoras de rádio, particularmente na Região Nordeste onde Lula tem liderança folgada nas pesquisas. A campanha à reeleição entrou com uma denúncia no TSE que, no entanto, foi descartada por ser considerada inepta e sem apresentação de provas pelo presidente da corte, Alexandre de Moraes.
Então presidente da corte eleitoral, o ministro Edson Fachin disse em julho que havia risco de ocorrer no Brasil um evento mais grave do que a invasão do Capitólio em janeiro de 2021 nos Estados Unidos, quando apoiadores de Donald Trump, derrotado nas urnas por Joe Biden, invadiram o prédio do Congresso dos EUA para tentar impedir a certificação da vitória eleitoral de Biden.
Uma alta fonte do Judiciário disse à Reuters, sob condição de anonimato, que o TSE está bem preparado para eventuais contestações de Bolsonaro aos resultados das urnas, ao mesmo tempo que alertou que o tribunal precisará estar prevenido.