Segundo o Correio Braziliense, a evolução tecnológica possibilita o desenvolvimento de robôs para auxiliar na exploração de ambientes diversos, do fundo do mar ao cume de um vulcão. E a forma como essas máquinas se locomovem em diferentes cenários é considerada uma característica estratégica. Dois projetos desenvolvidos por pesquisadores norte-americanos buscam melhorar essa habilidade. Um consiste na criação de um androide híbrido que muda a forma das patas para percorrer ambientes terrestres e aquáticos. O outro, no aprimoramento de robôs a partir de um novo sistema de algoritmos que os ajuda a desviar de obstáculos.
Androides que navegam dentro e fora da água representam uma alternativa de monitoramento de espécies e áreas específicas, além de possível ferramenta para suporte de mergulhadores em desastres. Em um estudo divulgado na última edição da revista Nature, cientistas da Universidade de Yale mostram como o conceito de morfogênese adaptativa pode ajudar nessas tarefas. Segundo Sree Patiballa, coprimeiro autor do artigo, o termo refere-se a “um novo paradigma de design no qual o robô adapta sua morfologia e o seu comportamento para atravessar vários ambientes de forma eficiente”.
A equipe criou uma máquina inspirada na anatomia de uma tartaruga. Como tem patas que se transformam tanto em uma nadadeira aerodinâmica quanto em uma perna de suporte de carga, esse “anfíbio” é capaz de percorrer ambientes aquáticos e terrestres. Os membros consistem em dois pares de atuadores pneumáticos feitos de elastômero de silicone. A composição contém materiais poliméricos que podem variar em sua rigidez, bem como atuadores infláveis — dispositivos que convertem energia em ação — para facilitar as mudanças na forma das patas.
Patiballa explica como a versatilidade do robô foi planejada: “Cada articulação do ‘ombro’ tem três motores para realizar várias marchas. Para a programação, utilizamos o ensino cinestésico, em que movimentamos manualmente um membro do robô em um ritmo inspirado em tartarugas terrestres e aquáticas enquanto registramos as posições dos motores. Em seguida, os valores de posição registrados são enviados aos outros motores para atingir o ritmo necessário em todas as patas”.
A morfogênese adaptativa permite que a máquina use diversas estratégias para se mover em vários ambientes: nadar submersa ou na superfície da água, caminhar em distintos terrenos terrestres e rastejar pela transição terra-água. Segundo os cientistas, a tartaruga funciona tão bem ou, em alguns casos, melhor do que outros robôs exclusivamente aquáticos ou terrestres em termos de custo de transporte — a agilidade entre a entrada de energia no sistema e a eficiência produzida pelo movimento para frente.
Mais ajustes
Futuras máquinas do tipo poderão conter a nova abordagem para se especializarem não apenas em uma, mas em várias superfícies. Os criadores ponderam que a tartaruga robótica ainda não tem confiabilidade suficiente para ser comercializada. Uma fonte de alimentação sem fio, ajustes automáticos da flutuabilidade, precisão dos movimentos e um hardware mais robusto estão entre os pontos a serem melhor desenvolvidos.
“Em primeiro lugar, essa criação robótica abre caminho para a próxima geração de sistemas robóticos adaptativos que alavancam o paradigma de design da morfogênese adaptativa. No futuro, o sistema robótico será usado para desvendar o mistério por trás das transições multiambientais e a física de locomoção dos sistemas biológicos”, enfatiza Patiballa.
A inteligência artificial (IA) é o impulsor da máquina criada na Universidade da Califórnia. A equipe desenvolveu um novo sistema de algoritmos que permite que robôs quadrúpedes andem e corram em terrenos de difícil acesso evitando obstáculos estáticos e em movimento. Nos testes, o software guiou máquinas para manobrar de forma autônoma e rápida em superfícies arenosas, com pedras, grama, buracos e cobertas de galhos e folhas caídas. Elas também percorreram um espaço de escritório sem esbarrar em caixas, mesas ou cadeiras.
Esse aprimoramento tem por objetivo permitir que robôs realizem missões de busca e resgate e coletem informações em locais muito perigosos ou difíceis para humanos acessarem. A inovação está na maneira como o sistema foi configurado. A visão do robô é combinada com a propriocepção, uma modalidade de detecção, de ambientes e obstáculos, baseada na capacidade do robô de reconhecer a sua localização sem utilizar imagens.
A habilidade envolve o senso de movimento, direção, velocidade, localização e toque. “Em nossa estrutura, usamos a pose, o ângulo e a velocidade das articulações do robô, além do comando de controle aplicado anteriormente no simulador de aprendizado por reforço”, explica Xiaolong Wang, autor sênior do estudo e professor de engenharia elétrica e computação da universidade estadunidense.
Os pesquisadores afirmam que a maioria das abordagens para treinar androides com pernas para andar e nadar utiliza propriocepção ou visão, mas não ambas ao mesmo tempo. O software criado por eles faz as duas coisas: usa um conjunto especial de algoritmos para juntar imagens tiradas, em tempo real, por uma câmera na cabeça do robô com dados de sensores nas pernas.
Desafio
E essa não era uma tarefa simples. Isso porque, durante a operação do androide, pode ocorrer um pequeno atraso no recebimento de imagens da câmera. Por esse motivo, os dados das duas modalidades de detecção diferentes nem sempre chegam ao mesmo tempo. A equipe solucionou o problema simulando essa incompatibilidade com uma técnica que os pesquisadores chamam de randomização de atraso multimodal (MMDR).
Os dois conjuntos de entradas do sistema foram dispostos de maneira aleatória e usados para treinar um algoritmo de aprendizado por reforço. Essa abordagem ajudou o robô a tomar decisões rapidamente durante a navegação e identificar mudanças em seu ambiente com antecedência, conseguindo, assim, se mover e desviar de obstáculos.
“Há muito espaço para melhorar os componentes individuais dentro da estrutura, incluindo a compreensão visual das informações 3D na cena e a otimização do aprendizado por reforço”, reconhece Wang. “Se o robô for capaz de andar em terrenos cada vez mais desafiadores, permitirá aplicações como resgate em cenas de desastres.” O trabalho será apresentado na Conferência Internacional de Robôs e Sistemas Inteligentes (IROS) 2022, que acontecerá entre os dias 23 e 27 deste mês, na cidade japonesa de Kyoto.
“O robô anfíbio representa a ideia de se ter uma tecnologia que atinja boa performance debaixo da água e também consiga andar em um terreno irregular.
É uma proposta interessante do ponto de vista de criar um robô híbrido, que tenha essa capacidade de se adaptar a vários ambientes. Diferente de uma tartaruga, que, na vida real, não pode modificar o corpo para se adaptar melhor a um espaço, no projeto do robô, os pesquisadores criaram essa possibilidade.
Já o estudo do robô quadrúpede representa mais uma técnica de funcionamento, uma proposta de algoritmo diferente. A inovação está em combinar técnicas de controle de inteligência artificial, como a aprendizagem por reforço, em que o robô vai aprendendo sozinho a como se comportar nas superfícies. De maneira geral, o estudo inova ao usar os dados de sensores e da câmera para conseguir atingir maior agilidade. Isso pode solucionar problemas complexos, como equilíbrio e localização ao percorrer ambientes difíceis.”
Anderson Harayashiki, professor do curso de engenharia de controle e automação do Instituto Mauá de Tecnologia
Convivência pode gerar insegurança
Apesar da possibilidade de facilitar trabalhos humanos, o trabalho em conjunto com androides nem sempre agrada. Profissionais em Estados Unidos, Cingapura, Índia e Taiwan se sentem inseguros quanto a sua estabilidade nos postos de trabalho por causa dos robôs, mostra um estudo divulgado no Journal of Applied Psychology. O fenômeno pode ocorrer mesmo em empresas onde eles não são incorporados. Quando presentes, por sua vez, podem contribuir até para o esgotamento mental dos humanos.
Dois experimentos foram realizados pela equipe para chegar à conclusão. Um deles incluiu 343 pais de alunos da Universidade Nacional de Cingapura, que foram divididos aleatoriamente em três equipes. A primeira leu um artigo sobre o uso de robôs nas empresas; a segunda, um texto geral sobre robôs; e a terceira, sobre um assunto não relacionado. Em seguida, os participantes foram entrevistados sobre suas preocupações com a insegurança no trabalho. Integrantes do primeiro grupo relataram níveis significativamente mais altos do desconforto.
Outro experimento, on-line com 400 participantes, descobriu que exercícios de autoafirmação, em que as pessoas são encorajadas a pensar positivamente sobre suas características exclusivamente humanas, podem ajudar a diminuir os medos de robôs no local de trabalho. Segundo Kai Chi Yam, autor principal da pesquisa, esse receio pode ter um caráter mais subjetivo.
“Alguns economistas teorizam que os robôs são mais propensos a assumir empregos de colarinho azul (mão-de-obra mais operacional) mais rapidamente do que empregos de colarinho branco (mais gerenciais, burocráticas, administrativas). No entanto, parece que os robôs ainda não estão assumindo tantos empregos, pelo menos não nos Estados Unidos. Então, muitos desses medos são bastante subjetivos”, explica, em nota.