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quarta-feira 17 de agosto de 2022 às 18:47h

O que caso de varíola dos macacos em cachorro pode significar para o futuro da doença

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Um grupo de cientistas franceses confirmou o primeiro caso de monkeypox, doença conhecida popularmente como varíola dos macacos, em um cachorro.

O relato inédito foi publicado no periódico científico The Lancet e já foi suficiente para mudar algumas recomendações das autoridades em saúde pública.

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, por exemplo, incluiu os cães entre as espécies que podem ser afetadas por esse vírus e orientou que pessoas diagnosticadas com a doença limitem o contato com os pets até a completa recuperação do quadro.

Após realizar o teste que confirmou a presença do patógeno no bicho de estimação, os cientistas fizeram o sequenciamento genético das amostras colhidas de um dos donos e do cão.

Os resultados mostraram que os vírus eram idênticos — o que praticamente confirma a transmissão do monkeypox dos humanos para o cachorro.

Ainda não está claro se o caminho inverso também pode acontecer, ou seja, se o patógeno pode passar dos cães para as pessoas.

Os especialistas entendem que isso é algo que ainda precisa ser observado e estudado a fundo.

Representantes da Organização Mundial da Saúde (OMS) explicaram que a informação “é nova, mas não surpreende”.

“Esse é o primeiro incidente do tipo e ainda estamos aprendendo sobre a transmissão desse vírus de humanos para animais”, declarou a médica Rosamund Lewis, líder técnica sobre monkeypox da OMS ao jornal The Washington Post.

A virologista Clarissa Damaso, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, concorda com a avaliação e se mostra preocupada com o risco de que o vírus “descubra” hospedeiros diferentes.

“Há um grande receio que envolve o fato de o monkeypox poder encontrar novos repositórios na natureza, o que dificultaria bastante o controle de casos”, analisa.

Entenda a seguir o que se sabe sobre o episódio confirmado na França e o que ele pode significar para o futuro da crise sanitária relacionada ao monkeypox.

Uma nova espécie-alvo?

O relato do caso foi publicado em 10 de agosto por pesquisadores da Universidade Sorbonne, em Paris.

O cachorro, um galgo italiano de quatro anos, começou a apresentar lesões na pele doze dias após os seus dois tutores serem diagnosticados com monkeypox.

Os indivíduos, do sexo masculino, se declaram como homens que fazem sexo com outros homens, moram na mesma casa e mantêm uma relação amorosa não exclusiva.

O primeiro deles, de 44 anos, apresentou lesões no ânus, no rosto, nas orelhas e nas pernas.

O segundo, de 27, teve feridas no ânus, nas pernas e nas costas.

Ambos também sentiram falta de energia, dor de cabeça e febre.

Já o cachorro apresentou pequenas pústulas no abdômen e uma pequena úlcera no ânus.

Outras espécies afetadas

Em regiões da África onde o monkeypox é endêmico, o vírus circula entre roedores e primatas não humanos — antes do surto atual, uma das principais formas de transmissão por lá, inclusive, acontecia pelo contato com esses animais na natureza ou nas regiões de transição das florestas para as cidades.

Em entrevista à BBC News Brasil, Damaso lembra de um surto de monkeypox que aconteceu no zoológico de Roterdã, na Holanda, em 1964.

À época, animais de várias espécies foram infectados — incluindo até tamanduás originários da América do Sul.

Os registros do episódio mostram que orangotangos, chimpanzés, gorilas e outros primatas também foram afetados e alguns deles morreram.

Mais recentemente, durante um surto de monkeypox que ocorreu nos Estados Unidos no início dos anos 2000, cientistas documentaram que o vírus passou para cães-da-pradaria, uma espécie de roedor que é mantida como animal de estimação por algumas pessoas.

Atualmente, o CDC americano aponta que, além de seres humanos, a doença também pode afetar:

  • Esquilos
  • Cães-da-pradaria
  • Marmotas
  • Chinchilas
  • Ratos de bolsa de Emin
  • Cachorros
  • Porcos-espinho
  • Musaranhos
  • Primatas não-humanos

A entidade admite que o vírus provavelmente também infecta ratos, camundongos e coelhos.

Não se sabe se o patógeno pode passar para porquinhos-da-índia, hamsters, gatos, vacas, camelos, ovelhas, porcos ou raposas.

Que fique claro: o fato de esses animais serem possíveis “alvos” do patógeno não faz com que eles virem automaticamente uma ameaça a nós. Por isso, especialistas asseguram que nada justifica atacar ou até matar esses bichos — como, aliás, já aconteceu com alguns macacos no Brasil nas últimas semanas.

Damaso explica que os orthopoxvirus, família da qual o monkeypox faz parte, têm essa característica de circular por várias espécies animais.

“Como falamos de um vírus capaz de infectar diferentes hospedeiros, nós já esperávamos que isso [a transmissão para cachorros] pudesse acontecer”, avalia.

Uma das únicas exceções deste grupo viral é o smallpox, o vírus causador da varíola humana. Ele é bem “exclusivo” e, enquanto não foi eliminado do planeta por meio da vacinação na década de 1970, só circulou entre as pessoas.

O que fazer?

A recomendação geral dos especialistas é que indivíduos com diagnóstico confirmado de monkeypox limitem o contato com os bichos de estimação.

Vale, se possível, manter os animais em cômodos separados ou pedir que alguém cuide deles enquanto a infecção estiver ativa — a recuperação completa da doença acontece quando todas as lesões de pele cicatrizam (mesmo as casquinhas ainda podem trazer partículas virais).

“Nesse contexto, é importante não colocar o cachorro para dormir na mesma cama, até porque ele pode ter contato com as lesões da pele ou com os vírus que foram parar no lençol”, diz Damaso.

“Caso não seja possível se distanciar do animal de estimação, o tutor deve usar máscara quando estiver próximo do pet, não deixar que ele toque nas lesões de pele e evitar abraços, carinhos e brincadeiras por um tempo”, complementa a virologista.

O CDC reforça que não há necessidade de dar banho no animal com desinfetante, álcool ou outros produtos químicos. O uso de máscaras nos pets também é algo contra-indicado.

“Não abandone ou sacrifique animais de estimação apenas por causa de uma exposição potencial ao monkeypox”, acrescenta a entidade.

Nesse contexto, também é importante redobrar os cuidados de higiene dos potes de comida e água, dos brinquedos e dos locais de descanso dos pets.

Se o cachorro ou o gato apresentar qualquer sintoma típico de monkeypox, como letargia, falta de apetite, tosse, secreções nasais, febres e, principalmente, lesões na pele, vale levá-lo para uma consulta com veterinário.

Damaso entende que esses cuidados são primordiais para diminuir a probabilidade de o vírus “pular” e se estabelecer em outras espécies — o que tornaria o controle da doença ainda mais complicado no futuro.

“Todo vírus que encontra novos reservatórios na natureza fica mais difícil de eliminar”, conta.

“Por isso que a gente precisa tomar cuidado agora e monitorar os casos, ainda mais um país com uma grande abundância na fauna, como é o caso do Brasil”, conclui a virologista.

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