“Menos drag queens e mais Chuck Norris.”
“Já posso ver as manchetes de amanhã: racista e antissemita europeu de extrema direita, cavalo de Troia de Putin, faz discurso em conferência conservadora. Mas eu não quero dar nenhuma ideia a eles, eles sabem melhor como escrever notícias falsas.”
“Precisamos retomar as instituições em Washington e em Bruxelas. Devemos coordenar o movimento de nossas tropas, porque enfrentamos o mesmo desafio.”
Essas são algumas das frases do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, em seu discurso em uma conferência de conservadores no Texas, na abertura do evento na quinta-feira (4). O Conservative Political Action Conference (CPAC, na sigla em inglês) é um dos maiores eventos políticos entre eleitores conservadores americanos.
O político húngaro é uma das estrelas da conferência que vai até domingo e ainda contará com a participação do ex-presidente americano Donald Trump e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
A mera presença de Orbán no evento já foi uma demonstração da força que ele tem entre conservadores americanos.
Muitos duvidaram que ele participaria do evento conservador no Texas depois que comentários seus foram classificados até mesmo por seus apoiadores como racistas.
Em discurso no mês passado na Romênia, Orbán provocou indignação quando disse “[Nós húngaros] estamos dispostos a nos misturar, mas não queremos nos tornar pessoas mestiças”.
Seu discurso foi chamado de “puro nazismo” por Zsuzsa Hegedus, conselheira próxima de Orbán que se demitiu em protesto. A fala também foi criticada pelo governo dos EUA, a Comissão Europeia, organizações judaicas e intelectuais.
Um porta-voz do primeiro-ministro húngaro disse que seus comentários haviam sido mal interpretados, mas posteriormente Orbán afirmou que eles representavam um ponto de vista “cultural”.
Apesar da fala, a presença do governante húngaro na CPAC no Texas foi confirmada pelos organizadores, que afirmaram tratar-se de uma questão de liberdade de expressão.
“Vamos ouvir o homem falar”, sugeriu Matt Schlapp, presidente da CPAC. “Quando silenciamos as pessoas, perdemos a oportunidade de descobrir por que concordamos ou discordamos de seu ponto de vista”, tuitou Schlapp. “Quanto mais liberdade de expressão, mais cedo encontramos a verdade.”
Na quinta-feira, o primeiro-ministro húngaro disse em discurso no Texas que o Ocidente está preso em “um choque de civilizações” e foi ovacionado. Dois dias antes, Orbán foi recebido por Trump em seu clube de golfe em Nova Jersey. O ex-presidente americano chamou Orbán de amigo.
Ídolo dos Bolsonaros
O político húngaro também é idolatrado por conservadores no Brasil.
Em fevereiro, após viagem oficial para a Rússia, o presidente Jair Bolsonaro encontrou-se com Orbán na Hungria.
“Acredito na Hungria e no prezado Orbán, que eu trato praticamente como um irmão, dadas as afinidades que nós temos na defesa dos nossos povos e na integração dos mesmos”, disse o presidente brasileiro na ocasião.
Eduardo Bolsonaro também esteve com Orbán em 2019 durante viagem de menos de dois dias a Budapeste, quando disse que aprendeu com o húngaro “principalmente sobre cultura e trato com imprensa sem politicamente correto”.
Há poucas semanas, Eduardo Bolsonaro fez um discurso na versão brasileira do encontro conservador, a CPAC Brasil 2022. Sua palestra “Hungria, exemplo a ser seguido” elogiava as políticas de Orbán.
Eduardo Bolsonaro participará da CPAC no sábado — no mesmo dia em que Trump fará um discurso. O filho do presidente brasileiro estará em um painel chamado “O Mundo Está de Olho” ao lado de Jay Aeba (representante de um partido da direita radical do Japão) e Miklos Szantho (advogado e cientista político húngaro, apoiador de Orbán).
Ídolo entre conservadores nos EUA
A presença no encontro conservador americano de um líder nacionalista húngaro acusado de autoritarismo e extremismo é visto como o mais recente sinal da prestígio de Orbán entre parte do eleitorado americano.
Ele apresenta-se como uma referência internacional para as políticas da direita.
Quando a Hungria sediou uma reunião do CPAC pela primeira vez em maio, Orbán definiu seu país como “o laboratório onde testamos o antídoto contra o domínio dos progressistas”.
“Ele representa o que muitos conservadores americanos querem hoje”, disse Rick Wilson, ex-estrategista republicano, à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC. “Orbán é um modelo que eles não conseguiram com Trump.”
Mas por quê?
Aos 59 anos e no cargo há 12 anos, o primeiro-ministro húngaro formou um governo peculiar na União Europeia.
À primeira vista, parece uma democracia como qualquer outra: Orbán foi eleito quatro vezes consecutivas, a última vez em abril. No entanto, ele a define o país como uma “democracia iliberal”.
Seu governo desafia os princípios do estado de direito proclamados pela UE e rejeita a imigração ou a diversidade sexual, que Orbán aponta como ameaças à identidade nacional e cristã da Hungria.
Segundo especialistas, a “guerra cultural” declarada pelo governante húngaro está longe de ser a única coisa que cativa os conservadores americanos.
“Estou preocupada que a segunda coisa que os atrai é que Orbán ganhou quatro vezes seguidas porque ele projetou o sistema eleitoral e legal húngaro para que ele não pudesse perder: ele se instalou no poder para sempre”, diz Kim Scheppele, professora de Sociologia e Relações Internacionais da Universidade de Princeton.
Desde que chegou ao poder em 2010, Orbán reformou a constituição húngara e encheu os principais tribunais de Justiça com seus nomeados.
Ele também foi acusado de atacar a liberdade de imprensa e controlar a mídia com várias artimanhas, reprimir dissidências em ONGs ou universidades e favorecer empresários amigos.
O sucesso de Orbán em suas políticas contra a União Europeia e, ao mesmo tempo, sua tentativa de manter a aparência de uma democracia geram interesse em um setor da direita dos EUA, apontam os especialistas.
Scheppele argumenta que, ao mudar as regras eleitorais húngaras — por exemplo, redesenhando os distritos eleitorais — Orbán demonstrou como é possível obter vitórias nas urnas mesmo sem obter a maioria dos votos.
Na política de migração, o governo Orbán construiu uma barreira na fronteira sul da Hungria em 2015 para impedir a entrada de imigrantes e refugiados, além de limitar as concessões de asilo.
“Quando você olha para o que os EUA fizeram sob Trump com a fronteira sul, foi uma cópia quase exata do plano que Orbán colocou em prática. Então eu acho que eles estão prestando atenção nisso”, diz Scheppele, que trabalhou durante anos na Hungria.
“Os republicanos estão olhando para a Hungria como uma espécie de comprovação de suas ideias: para mostrar que sua visão da política funciona”, disse a acadêmica à BBC News Mundo.
‘Regras próprias’
Trump se comparava a Orbán antes de sua derrota eleitoral de 2020, que ele se recusou a admitir, e seus apoiadores invadiram violentamente o Capitólio para impedir que certificassem a vitória do atual presidente Joe Biden.
“Victor Orbán fez um trabalho tremendo de várias maneiras”, disse Trump ao recebê-lo na Casa Branca em 2019. “(Ele é) respeitado em toda a Europa. Provavelmente um pouco como eu, um pouco polêmico, mas tudo bem.”
A direita dos EUA exalta a forma como o líder húngaro promove as suas políticas e nega que tenha atitudes antidemocráticas.
“A Hungria e seu governo foram impiedosamente e injustamente atacados: ‘É autoritário, eles são fascistas…’ Há muitas mentiras sendo contadas agora, essa pode ser a maior de todas”, disse Tucker Carlson, âncora do canal conservador americano Fox News, em visita à Hungria no ano passado.
Durante a edição da CPAC em Budapeste em maio, Orbán elogiou Carlson, dizendo que programas como o dele deveriam ser transmitidos “sem parar”, e disse que ter propriedade dos meios de comunicação é fundamental na batalha conservadora. Carlson passou este ano pelo Brasil, onde entrevistou Bolsonaro, com elogios ao presidente brasileiro.
Outros conselhos que ele deu à direita americana foi de “jogar pelas suas próprias regras” e “recusar-se a aceitar soluções e caminhos oferecidos por outros”, além de priorizar o “interesse nacional” na política externa e “quebrar tabus” na luta contra os rivais.
Um dos inimigos apontados por Orbán — e também pelos conservadores americanos — é o bilionário e filantropo George Soros.
Nascido em Budapeste em 1930 em uma família judia e promotor de ideias liberais em todo o mundo, Soros foi acusado sem provas por Orbán de ter um plano para encher a Hungria de imigrantes e destruir o país.
Alguns dizem que essa campanha contra Soros é uma tentativa de se reviver estereótipos antissemitas.
Analistas acreditam que Orbán busca estreitar laços com a direito americana para romper seu isolamento na Europa, onde ele tem apoiado as políticas de seu aliado, o presidente russo, Vladimir Putin.
No entanto, tudo isso preocupa especialistas em autoritarismo, como Erica Frantz, professora de Ciência Política da Michigan State University.
Para ela, “que a CPAC tenha convidado Orbán para falar é um sinal de que o movimento conservador está abraçando — ou pelo menos não está evitando — uma agenda mais autoritária”.
“O apoio do movimento conservador [nos EUA] a Orbán sugere que esse movimento não se importa com sua falta de respeito pelas instituições democráticas”, disse Frantz à BBC News Mundo. “Isso é, evidentemente, preocupante.”