As discussões em torno da renovação antecipada da concessão da Ferrovia Centro Atlântica (FCA), operada pela VLI, deverão voltar a ganhar força. Após o aval para prorrogação da MRS, no último mês, o processo passa a ser o “próximo da fila”. Porém, este tem sido alvo de disputa intensa entre estados, que brigam por uma fatia dos investimentos bilionários previstos. Alguns já ameaçam judicializar o caso.
De acordo com Taís Hirata, do jornal Valor, o objetivo é prorrogar o contrato, que venceria em 2026, por mais 30 anos. Em troca, o grupo deverá fazer R$ 13,8 bilhões de investimentos na malha e pagar mais R$ 3,3 bilhões de outorga. Estes recursos seriam destinados a outras obras, como a dos trechos 2 e 3 da Ferrovia de Intergração Oeste Leste (Fiol). Os valores foram apresentados em 2020, e agora deverão ser revistos.
Pela complexidade, há incertezas em relação ao processo. O Ministério da Infraestrutura trabalha para ao menos enviar a modelagem final ao Tribunal de Contas da União (TCU) até o fim de 2022.
A consulta pública do projeto foi feita no início de 2021 e gerou muitos questionamentos, o que levou a um atraso do cronograma. Agora, as autoridades avaliam reabrir as discussões.
Um dos estados insatisfeitos com o rumo da renovação é a Bahia. O governo reivindica duas obras: a construção de uma nova ponte entre São Felix e Cachoeira e outra entre Camaçari e Aratu. “São investimentos emergenciais”, afirma Mateus Dias, superintendente de Planejamento da secretaria de Infraestrutura.
Além disso, o governo pede que a VLI faça obras de recuperação da malha. O plano ferroviário prevê melhorias de R$ 650 milhões até 2025. Até 2030, o valor chegaria a R$ 2,8 bilhões. “Fomos o estado mais prejudicado pela FCA nos últimos anos. A malha na Bahia foi abandonada”, diz ele.
Pela proposta da VLI para o corredor Minas-Bahia, os investimentos se concentrariam em novas locomotivas e uma oficina de manutenção – proposta rechaçada pelo estado. “Em uma situação-limite, uma alternativa é judicializar a questão”, afirma.
Outro governo descontente é o do Espírito Santo. Hoje, os trechos da FCA no Estado não estão operacionais, são considerados antieconômicos e deverão ser devolvidos.
O secretário de Inovação e Desenvolvimento, Ricardo Pessanha, diz que o governo não foi ouvido na elaboração da proposta e defende que a FCA é importante para apoiar a expansão da estrutura portuária do estado, que já está em curso. O principal pleito é o Contorno da Serra do Tigre (MG), que permitiria ampliar a capacidade do corredor que chega ao estado. O investimento é estimado em R$ 3,15 bilhões.
O Espírito Santo demanda que o ministério reabra as negociações. O Estado também cogita levar a questão à Justiça, a depender do processo. “Precisamos participar da discussão. Se tecnicamente entendermos que não é viável, buscaremos outra empresa [para o trecho]”, diz Pessanha.
O Rio de Janeiro se encontra em situação semelhante, já que os trechos da FCA no estado também estão sem operação e poderão ser devolvidos. A Secretaria de Transportes diz que aguarda a divulgação do relatório final para “definir as próximas ações”.
O Estado de Minas Gerais concentra boa parte dos investimentos propostos, mas ainda tem pleitos. O principal é a construção do ramal entre Unaí e Pirapora, com investimento estimado em R$ 3 bilhões. “É a grande fronteira agrícola do estado. Para a VLI faria muito sentido, porque captura cargas que vão pela Norte-Sul”, afirma Fernando Marcato, secretádio de Infraestrutura.
Outra demanda do estado era a interligação entre Varginha e Lavras, obra que a VLI já iniciou por conta própria. “Também queremos a requalificação dos terminais de Uberaba e Araguari. E estamos mapeando junto aos municípios os conflitos urbanos.”
A pressão dos Estados tem sido forte. Há uma crítica ao plano do governo federal de, além dos investimentos na malha, reservar uma sobra de recursos, que poderia subsidiar obras na Fiol.
Procurada, a VLI defendeu, em nota, a importância da renovação, que considera a saída mais vantajosa para atrair investimentos no curto e médio prazos. Em relação às obras, o grupo diz que “os projetos de conflitos urbanos foram integralmente extraídos de pleitos apresentados na audiência pública”. “Com um processo pautado pela transparência desde o início e diálogo permanente com os estados envolvidos, a VLI não acredita na judicialização. Todos os pleitos estão sob consideração do ministério e serão apresentados em audiência complementar”, conclui.
Procurada, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) diz que “entende serem necessárias novas rodadas de discussão com a sociedade”. O Ministério da Infraestrutura afirma que a audiência pública ainda está em aberto, já que o relatório final não foi publicado. “Os documentos estão sendo revisitados, e o ministério, a ANTT e a FCA seguem em tratativas sobre a possibilidade de complementação”.
Para Fernando Paes, diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), a prorrogação da FCA tem um forte peso simbólico. “O processo consolida a política pública de renovação antecipada das concessões de ferrovias, lançada em 2015. É um programa que atravessou três governos.”