Dora Nunes foi reeleita para comandar a Federação das Santas Casas da Bahia pelos próximos três anos, e em entrevista ao jornalista Osvaldo Lyra, do A Tarde, afirmar que as “entidades filantrópicas são essenciais para o SUS” e que o primeiro grande desafio é fortalecer a entidade na Bahia. Segundo sua avaliação, “sem o setor filantrópico, o Sistema Único de Saúde do país estaria em colapso”. De acordo com Dora, a situação se complica ainda mais devido “52% das Santas Casas estarem endividadas com empréstimos bancários”. “Precisamos unir esforços para modificar essa realidade”, afirmou.
Dora, você foi reeleita para comandar a Federação das Santas Casas da Bahia. Que avaliação você faz do trabalho realizado até aqui na Federação e que garantiu a sua recondução no cargo?
Na verdade, esse cargo de presidente da Federação das Santas Casas (FESFBA) do estado da Bahia não estava no meu planejamento de vida, muito menos nas minhas perspectivas e nos meus projetos. Entretanto, ele veio numa época bastante complicada para o setor filantrópico de saúde da Bahia, e nós enfrentamos esse desafio muito grande, onde nós pegamos uma federação com 19 entidades associadas e hoje, após 3 anos, quando eu fui reeleita, elevamos para 51. Nós pegamos a FESFBA em um processo de desunião e desconexão do setor, e a nossa gestão entrou com o maior desafio de fortalecer a entidade, trazendo de volta a união do setor, para que houvesse legitimamente uma representatividade de todos. Nós fizemos o avanço numa época de crise, de pandemia, época em que era proibido o contato direto, contato pessoal. Portanto, a gente faz uma avaliação bastante positiva desse processo. Tanto que o primeiro grande desafio que nós encontramos foi fortalecer a Federação da Bahia. E hoje realmente nós estamos com uma Federação pujante, bastante forte e atuante, e dando um feedback para seus associados, porque isso é o mais importante.
Qual a função da Federação e quais as áreas de atuação dela hoje?
Na verdade, a maior função da Federação é a representação legítima do setor filantrópico de saúde da Bahia. São os hospitais filantrópicos que hoje nós temos como os grandes nomes nesse mercado, como as Obras Sociais Irmã Dulce, Hospital Português, Hospital Santa Izabel, Hospital Martagão Gesteira, Hospital Aristides Maltez, as Santas Casas espalhadas pelo interior da Bahia que nós temos, Santa Casa de Feira de Santana, Ilhéus, Itabuna. Os maiores municípios da Bahia possuem hospitais filantrópicos e Santas Casas. Então assim, demonstrando que as entidades filantrópicas não são somente uma área complementar. As entidades filantrópicas são essenciais para o SUS. Sem o setor filantrópico, o Sistema Único de Saúde estaria em um colapso. Se hoje nós temos um SUS que não atende 100% à população, sem a rede filantrópica nacional, esse SUS estaria em um colapso total, sobretudo, na pandemia. Portanto, eu diria que o setor filantrópico está para o Sistema Único de Saúde assim como o oxigênio estava para a pandemia. Fundamental. Essencial. Sem ele, não haveria saúde pública no país.
Quais as maiores dificuldades e gargalos que as Santas Casas enfrentam hoje?
O principal gargalo é exatamente a fonte de remuneração, o formato de repasse, o valor desse repasse da contratação desse serviço a esses prestadores de serviço filantrópicos. Hoje os filantrópicos são contratados pelo valor da tabela SUS, e é de conhecimento de toda a mídia, de toda a sociedade, que a tabela SUS é uma tabela deficitária, é uma tabela que não sofre reajustes há mais de 15 anos. Então esses contratos com essas instituições são contratos altamente defasados, monetariamente inviáveis. De acordo com o aumento dos custos do mercado, do INPC, da inflação, aumento de medicamento, de materiais, de salário mínimo, enfim… Esses contratos estão congelados há 15 anos, no entanto as Santas Casas sofrem com esses aumentos do mercado que elas têm que acompanhar. Então há um déficit muito grande nas Santas Casas. Atualmente, 52% das Santas Casas estão endividadas com empréstimos bancários. Para você ter uma ideia, nós hoje temos mais de 1824 equipamentos hospitalares, Santas Casas, prestando assistência à saúde, ao SUS, e que estão endividadas para tentar sobrevier e acompanhar os aumentos de mercado. Posso te garantir que a Federação está extremamente preocupada com a situação dessas entidades, porque, se o cenário continuar dessa forma, e ainda com as questões das ameaças prováveis que existem, como o projeto de lei da enfermagem que está tramitando no Congresso e com uma perspectiva de aprovação para as próximas semanas, em que há uma colocação de um piso salarial para a categoria de enfermagem – enfermeiros, técnicos e auxiliares – isso aí vai impactar financeiramente nos custos fixos dessas unidades, um impacto em torno de 120% na folha de pagamento. Aí eu te pergunto: como é que essas entidades sobreviverão? Elas que já estão com um déficit, e ainda ter que arcar com um impacto financeiro de uma folha de pagamento que será inviável pagar. Não tem entidade filantrópica que tenha condição de arcar com esse impacto.
A gente está falando de um déficit de R$17 bilhões. A conta não fecha, não é, Dora?
Não fecha. As filantrópicas tem um déficit de R$17 bilhões no país. O grande momento desse movimento que o setor filantrópico resolveu aderir à campanha liderada pela Confederação Nacional das Entidades Filantrópicas (CMB), resolveu colocar para fora, foi intitulada “Chega de silêncio”, porque as Santas Casas têm historicamente um paradigma e um estigma de sofrer caladas, de agudizar e não colocar para fora o que está acontecendo. Então a CMB intitulou uma campanha justamente com o objetivo de alertar a sociedade, as autoridades competentes, os órgãos competentes, sobre a maior crise que o setor está passando. O que acontece… Esses R$17 bilhões referem-se a R$10,7 bilhões de dívidas de empréstimos bancários, que essas organizações estão endividadas com empréstimos para pagar décimo terceiro, cada uma no seu momento e na sua dificuldade apele aos bancos a empréstimos bancários para poder honrar com seus compromissos, para tentar continuar vivas. E mais R$6,3 bilhões que seria o impacto desse projeto de lei da enfermagem. Então hoje esse movimento tem como objetivo um repasse imediato de 17 bilhões do endividamento dessas instituições, assim como uma fonte de remuneração mais justa, mais viável para que elas continuem prestando o excelente serviço que presta aos usuários e ao Sistema Único de Saúde. É dicotômico a gente saber, a gente que vive nesse meio, e conhecer de que as entidades filantrópicas elas custam muitas vezes no mínimo 3 vezes menos, e existem estados e hospitais que custam 8 vezes menos do que a rede própria da União ou do estado. O que eu quero dizer com isso? Que nós filantrópicos prestamos o mesmo serviço, fazemos a mesma assistência de unidades federais, ou unidades públicas estaduais por 3 vezes menos o custo que essas entidades têm. E a gente não entende o porquê do estado ou da União quando fecham um contrato conosco, com o setor filantrópico, pagar 3 vezes menos, e até 8 vezes menos, a depender do estado ou da instituição filantrópica. Então assim, nós requeremos e estamos lutando para que no mínimo haja um formato diferente de contratação dos serviços dessas entidades filantrópicas. E o repasse seja ao menos igual ao que o governo estadual e o governo federal pagam às suas instituições próprias.
Quais os próximos passos da mobilização nacional?
Esse protesto… a gente não iniciou com a intenção de protestar. A gente iniciou com a intenção de alertar porque o setor filantrópico não vai suportar o cenário que está se desenhando à frente. Iniciamos com uma campanha publicitária, uma campanha de consciência interna em todas as instituições, fazendo um trabalho com os profissionais de saúde, com prefeitos, com ministérios públicos locais, com as autoridades locais primeiramente. Mas o movimento tem tomado corpo, e uma magnitude de mérito realmente, inclusive na próxima semana, na segunda-feira, eu irei até Brasília, participar no dia 26 e 27 de abril de ações como a marcha de prefeitos, além de participar de audiências com ministros, com deputados, com o Senado, para que a gente possa estar fazendo a voz do setor ser ouvida. Que fique claro: o que as entidades estão tentando fazer é justamente conseguir que o Sistema Único de Saúde permaneça atendendo à grande maioria da população brasileira. Porque foi responsável por 50% do atendimento de média complexidade de 70% na alta complexidade. Não precisa ser bom em matemática para entender que se esse setor chegar a não mais prestar o serviço ao Sistema Único de Saúde, o que nós teremos na matemática? Metade da população brasileira não sendo atendida na média complexidade, e 70% da população brasileira não sendo atendida na alta complexidade.
O deputado Antonio Brito sempre foi defensor das filantrópicas junto à Câmara e ao Senado. Qual a pauta prioritária hoje que reverbera em Brasília e que vai ser possível avançar?
Falar do deputado Antonio Brito é algo que realmente remonta muitas ações e muitos feitos pelo setor filantrópico. Eu não sei se você sabe, Antonio Brito já foi presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos da Bahia, essa que hoje eu ocupo esse cargo. Então ele foi um deputado colocado pela necessidade do setor, e hoje ele nos representa, levantando a bandeira das entidades e fazendo um trabalho espetacular. O deputado tem defendido a bandeira nacional das entidades e hoje é o maior guerreiro que nós temos e é quem realmente tem feito a diferença nas nossas conquistas a nível nacional. Ele foi o grande responsável pela mudança da lei que a gente chama do marco regulatório, que regula a filantropia, recém aprovada em dezembro de 2021. Ele foi o grande articulador, ele foi o relator, inclusive, desse projeto de lei, por tudo isso que todas as federações são unanimes em colocar o deputado Antonio Brito como um verdadeiro defensor desse setor e um verdadeiro lutador.
Durante a pandemia, muitas vezes outras comorbidades foram negligenciadas por conta da COVID-19. Agora, já é percebida uma mudança e uma pressão maior dessas demandas reprimidas da população nas Santas Casas?
Sim. Com certeza. As demandas que ficaram reprimidas, e aí a história se repete, e a necessidade desse setor se repete. Vou te dar um exemplo do que está acontecendo agora na Bahia, onde nós tivemos a portaria 164 agora em março, onde o governo do estado abriu um chamamento público para a realização de cirurgias eletivas. Essas cirurgias que estão com a demanda reprimida nesses dois anos de pandemia. E você sabe quem é o maior parceiro do estado? A rede filantrópica. Você sabe quem vai realizar 60-70% dessas cirurgias? A rede filantrópica da Bahia vai realizar 60% a 70% das cirurgias eletivas. Então mais uma vez se demonstra que tanto para o enfrentamento de situações imprevistas, como foi a pandemia do COVID-19. Tanto para isso o setor filantrópico teve destaque, foi quem embandeirou, foi quem tomou a linha de frente. Tanto para o atendimento da demanda reprimida da retaguarda também depende desse setor.
Muito obrigado Dora…
Eu que agradeço e peço para reforçar que não somos contrários ao projeto do piso da enfermagem. O setor é a favor pois reconhece o trabalho da categoria de enfermagem, eles realmente são os heróis da saúde, fazem um trabalho espetacular. Mas precisamos definir antes da votação de onde virá o recurso para garantir a efetividade dessa ação, pois se não esse projeto só servirá para fechamento de serviços de saúde e para demissão dos profissionais. Porque nenhuma Santa Casa suportará o impacto financeiro desse projeto sem que haja indicação da fonte de financiamento dele.