Os Estados Unidos deportaram para o Haiti 580 crianças nascidas no Brasil, segundo denúncia da ONG HRW (Human Rights Watch) com base em dados coletados pela OIM (Organização Internacional para as Migrações) das Nações Unidas.
Essas crianças são de pais haitianos que deixaram o país caribenho anos atrás “fugindo da violência, da falta de oportunidades econômicas ou das consequências de um terremoto devastador em 2010”, de acordo com a Human Rights Watch.
O país também passa por uma turbulência política. Em julho do ano passado, o presidente do Haiti, Jovenel Moise, foi assassinado a tiros em um ataque a sua residência. A mulher dele ficou ferida. A Human Rights Watch destaca que o primeiro-ministro Claude Joseph “não foi eleito, mas sim nomeado” pelo presidente dois dias antes da morte dele.
“O primeiro-ministro governa por decreto, sem mandato constitucional. O Parlamento deixou de funcionar e o sistema de justiça mal pode funcionar num contexto de segurança e colapsos institucionais. A impunidade para os crimes é a norma”, destacou a ONG.
Conforme a denúncia, cerca de 2.300 crianças nascidas no exterior foram deportadas pelos Estados Unidos entre 19 de setembro de 2021 – quando a OIM começou a coletar dados detalhados – e 14 de fevereiro de 2022.
A maior parte delas nasceu no Chile (1.600), seguida pelas brasileiras (580). Além disso, há cerca de 140 de outros países, incluindo Bahamas, Argentina, México e Venezuela.
“A maioria morava no Chile ou no Brasil. Eles disseram que deixaram esses países por causa da discriminação, da desaceleração econômica relacionada à covid-19 e da dificuldade, no Chile, de obter documentos legais”, explica o relatório.
Devido à crise econômica e de segurança no país caribenho, os haitianos decidiram seguir para os Estados Unidos de diferentes maneiras, incluindo de ônibus e a pé.
25 mil enviados de volta ao país em crise
Considerando as crianças, o número de haitianos deportados e expulsos de diferentes países chega a 25.765. O dado abrange um período maior em relação à análise sobre as crianças e vai de 1º de janeiro de 2021 a 26 de fevereiro de 2022.
Desse total, 20.309 foram deportados pelos Estados Unidos, o que corresponde a 79%. O restante veio de Bahamas, Cuba, Ilhas Turcas e Caicos, México e outros países.
Deportações são herança de política antimigração de Trump
As deportações dos Estados Unidos ocorrem com base em uma política chamada de “Título 42”. A medida, estabelecida pelo governo Donald Trump (2017-2021) e mantida pela gestão de Joe Biden, permite que os migrantes sejam rapidamente expulsos devido à pandemia de covid-19, mesmo que sejam requerentes de asilo.
Na denúncia, a Human Rights Watch pede que o governo norte-americano “pare imediatamente com o uso inapropriado” dessa medida de governo.
Dados da OIM mostram que, de 19 de setembro até o final de fevereiro, 6% daqueles que os EUA repatriaram para o Haiti foram deportados e o restante foi expulso sob o “Título 42”.
“Os EUA não estão dando às pessoas que tiveram que voltar ao Haiti sob o Título 42 a oportunidade de expressar seus medos de perseguição ou violência ou de solicitar asilo, em violação ao direito internacional”, salienta a HRW.
Uma pesquisa realizada pela equipe da OIM entre 383 pessoas que retornaram mostrou que 69% delas não se sentiam seguras no Haiti. O contato com elas ocorreu por telefone entre janeiro e fevereiro deste ano. Desses, 84% queriam deixar o país novamente por causa da crise econômica e de segurança.
“Além de interromper as repatriações, os governos estrangeiros devem trabalhar com as autoridades haitianas, agências da ONU e doadores para criar um programa abrangente de reintegração de repatriados para aqueles que já foram devolvidos”, disse a Human Rights Watch.
“O programa deve atender às necessidades específicas dos retornados, incluindo trabalho, segurança, reagrupamento familiar, serviços para sobreviventes de violência baseada em gênero, incluindo acesso à contracepção de emergência e apoio a crianças com base em avaliações de melhor interesse”, complementou a ONG.
César Muñoz, pesquisador sênior das Américas da Human Rights Watch, critica as deportações de haitianos devido à situação que passa o país caribenho.
“É inconcebível que qualquer governo envie pessoas para o Haiti enquanto experimenta tal deterioração na segurança e um risco elevado à vida e à integridade física de todos”, disse. “Nenhum governo deve devolver as pessoas ao Haiti. E os Estados Unidos, que respondem pela grande maioria dos retornos, devem acabar com o uso desnecessário e ilegítimo de um regulamento de saúde pública para expulsões abusivas de haitianos”, complementou.
Muñoz pede a interrupção das deportações. “Os governos estrangeiros devem interromper todas as repatriações e devem ajudar a estabelecer um programa de reintegração, em colaboração com as autoridades haitianas, para monitorar a situação dos que já retornaram, ajudá-los a acessar serviços básicos, prestar assistência a seus filhos e intervir se suas vidas forem em risco.”