Em menos de dez dias, o presidente Jair Bolsonaro visitou três estados do Nordeste, onde aumentou o tom de ataques a adversários políticos da região e prometeu até ampliar o benefício do Bolsa Família.
Segundo o Datafolha, é no Nordeste onde o presidente enfrenta a maior reprovação de seu governo: 62%.
Para cientistas políticos ouvidos pelo UOL, as viagens engatilhadas ao Nordeste tentam reverter a baixa adesão ao bolsonarismo em meio a dois cenários paralelos que corroem a popularidade do presidente: o avanço das críticas geradas na CPI da Covid e a presença de Luiz Inácio Lula da Silva na dianteira de todas as pesquisas eleitorais para a Presidência em 2022.
A escolha dos locais para as visitas também foi estratégica: em duas semanas, ele foi a Alagoas, Maranhão e Piauí.
Penso que os dois processos ocorrem de forma concomitante: a CPI e a alta de Lula. Considerando que o Bolsonaro perdeu parte do apoio da classe média de grandes cidades, ele está buscando acenar ao Nordeste, como forma de manter suas chances eleitorais, confrontando-se ao lulismo.
Vitor Sandes, professor de ciência política da UFPI (Universidade Federal do Piauí)
Curiosamente, as visitas de quinta e sexta-feira ocorreram onde o PT tem tido melhor desempenho eleitoral desde o governo Lula. Em 2018, no segundo turno presidencial, Fernando Haddad (PT) venceu nos dois estados com a maior margem: 77% no Piauí e 73% no Maranhão.
“Esta é uma base importante do PT e, especialmente, do Lula. Então, a ideia é aproveitar o momento pré-eleitoral para inaugurar obras, principalmente em localidades mais pobres, onde há forte dependência em relação aos recursos do governo federal”, acrescenta Sandes.
Em Alagoas, Renan virou alvo
No último dia 13, em Maceió, Bolsonaro subiu ao palco para inaugurar casas populares, quando chamou o senador e relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), de “vagabundo” e “picareta”.
A fala foi uma resposta clara ao papel que Calheiros tem exercido na relatoria da CPI. “Foi uma resposta, uma afronta a Renan Calheiros, mas também uma forma de dizer que tem aliados no estado, que tem alguma força política”, explica a cientista política Luciana Santana, da Ufal (Universidade Federal de Alagoas).
O cunho político, por sinal, pôde ser percebido quando o prefeito e anfitrião da visita a Maceió, João Henrique Caldas (PSB), pediu ajuda do governo federal para o problema do afundamento de cinco bairros que atingiu mais de 60 mil pessoas na capital alagoana.
Não só Bolsonaro fez cara de poucos amigos no momento da fala de JHC, como ignorou o pedido e recusou a fazer um sobrevoo para ver o estrago causado pela mineração da empresa Braskem na cidade.
No Piauí, promessa do Bolsa Família
Na quinta-feira, em Santa Filomena (PI), o presidente inaugurou uma ponte ao lado do senador Ciro Nogueira (PP-PI), centrou fogo em Lula e usou o principal programa social criado pelo ex-presidente, o Bolsa Família.
“Um bandido aí que não tem um dedo falou há pouco que ia dar auxílio emergencial de R$ 600 para todo mundo. Por que não fez lá atrás com o Bolsa Família? Hoje em dia a média do Bolsa Família é de R$ 190. Estamos trabalhando para que suba, porque sabemos que houve inflação, que aumentaram os preços”, disse.
O Bolsa Família beneficia hoje 14,6 milhões de famílias no Brasil, metade delas no Nordeste. Maranhão e Piauí são os dois estados que têm, proporcionalmente, o maior percentual de beneficiários.
Ainda no Piauí, Bolsonaro voltou a criticar os governadores pelos decretos de isolamento social. “Estamos tendo problemas com desemprego, sim, querem botar na minha conta também. A conta é de quem fechou tudo sem qualquer responsabilidade, sem qualquer comprovação científica, apenas para provar que estava preocupado com a vida de vocês. Obviamente nós defendemos as medidas, distanciamento e higiene, mas o emprego é tão ou mais importante”, argumentou, sem citar o governador Wellington Dias (PT), que preside o Consórcio Nordeste e é defensor ferrenho das medidas de isolamento social.
Dino, o alvo comunista
No dia seguinte à visita ao Piauí, durante cerimônia de entrega de títulos de propriedade rural em Açailândia (MA), Bolsonaro mirou no governador Flávio Dino (PCdoB), aliado de Lula, e disse que libertará o estado “dessa praga” que é o comunismo.
“Lá na Coreia do Sul [quis dizer do Norte] é uma ditadura e o ditador não é um gordinho? Na Venezuela também é uma ditadura e não é gordinho o ditador? E quem é o gordinho ditador aqui no Maranhão?”, disse.
Para o cientista político Wagner Cabral, da UFMA (Universidade Federal do Maranhão), a visita e a violência verbal do presidente ocorreram porque a popularidade do governo Bolsonaro “está derretendo a olhos vistos”.
“Tem aí a crise da pandemia —agora evidenciada cada vez mais pela CPI—; não tem resultados do ponto de vista macroeconômico; e ele começa a perder, inclusive, segmentos que tem —ou tinha— boa penetração, como os evangélicos. Essa condição traz a necessidade de acirrar essa condição de guerra”, afirma.
Bolsonaro só sobrevive na guerra.
Wagner Cabral, cientista político da UFMA
No caso da fala no Maranhão, Cabral afirma que o fato de Dino ter um protagonismo nacional e ser o único governador do PCdoB no país forneceram uma espécie de munição ideal para se mostrar um inimigo do “comunismo”.
“É uma guerra política, mas também é uma guerra cultural dele, 24 horas por dia, contra o inimigo comunista. E aí ele viu no Maranhão uma oportunidade de atacar diretamente Flávio Dino, esse ‘comunista gordinho’, e manter essa polarização e sinalizar sua presença junto ao eleitorado que é majoritariamente do PT”, aponta.
“Esse derretimento faz com que Bolsonaro apele para a verborragia e aumente o nível dos ataques a quem quer que seja”, finaliza.