Nem sempre o descobrimento do Brasil foi comemorado a 22 de abril. Logo depois da proclamação da República e até a Revolução de 30, o evento, que era feriado nacional, celebrava-se no dia 3 de maio. Isso quer dizer que havia outro entendimento sobre a data em que as caravelas de Cabral chegaram a Porto Seguro? Exatamente. E quer dizer também que a História não é uma disciplina estática.
Apesar de os fatos do passado estarem definitivamente concluídos, o modo de entendê-los pode se modificar de acordo com as novas informações que eventualmente deles se dispõe, assim como com as circunstâncias sociais do presente. Mas voltemos ao 3 de maio.
Esta teria sido a data do descobrimento, segundo o clássico historiador lusitano Gaspar Correia (1495-1561), que a deduziu do fato de Cabral ter batizado a terra de “Vera Cruz”, nome mudado pelo rei dom Manuel para “Santa Cruz”, em função da comemoração religiosa de mesmo nome, que ocorria a 3 de maio. Por isso também, José Bonifácio, o Patriarca da Independência, propôs que a abertura da primeira Assembleia Constituinte brasileira, em 1823, caísse nesse dia, para coincidir com o descobrimento.
Uma carta de 1500
Apesar do prestígio de que gozava a versão de Gaspar Correia, no entanto, um documento que permanecera esquecido por quase três séculos nos arquivos portugueses, tinha sido transportado para o Brasil junto a milhares de outros, por ocasião da vinda da família real para o Brasil em 1808, e acabou mudando a visão da história.
Esse documento foi descoberto por um pesquisador, o padre Aires de Casal, que o publicou em 1817, deixando evidente que o descobrimento acontecera a 22 de abril. Tratava do depoimento de uma testemunha ocular: a carta de Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral.
É curioso o fato de que um homem com a formação de José Bonifácio não tenha tomado conhecimento da Carta de Caminha. De qualquer modo, segundo matéria de Antonio Carlos Olivieri no UOL, sabe-se que já na segunda metade do século 19, ao fim do Segundo Reinado, fazia parte do conhecimento do cidadão brasileiro culto que o descobrimento ocorrera a 22 de abril, data que, contudo, não fazia parte dos feriados do Império.
Festas nacionais
Após a proclamação da República, o decreto 155 b, de 14 de janeiro de 1890, do governo provisório, “considerando que o regimen republicano basêa-se no profundo sentimento de fraternidade universal; que esse sentimento não se póde desenvolver convenientemente sem um systema de festas publicas destinadas a commemorar a continuidade e a solidariedade de todas as gerações humanas”, estabeleceu um calendário de festas cívicas.
Nele, havia grandes novidades para a época, como a comemoração de Tiradentes a 21 de abril, a do descobrimento a 3 de maio e até a do 14 de julho, em homenagem à República, à Liberdade e à Independência dos Povos Americanos. O distinto público, que, segundo a expressão do jornalista republicano Aristides Lobo (1838-1896), assistiu à proclamação “bestializado”, mais bestializado se sentiu com essas festas cívicas cujo propósito não entendia.
Na imprensa, por exemplo, dado que se tomava por fato consumado que o descobrimento ocorrera a 22 de abril, cogitava-se que o governo provisório estabelecera o feriado de 3 de maio para evitar dois feriados consecutivos, a saber, o de Tiradentes e o descobrimento.
Vantagem do trabalho nacional
O primeiro governo republicano, porém, só cogitou de dar explicações sobre o calendário cívico anos mais tarde. Para isso, encomendou ao jurista Rodrigo Octavio o livro “Festas Nacionais”, que, publicado em 1893, tornou-se o mais antigo manual de educação moral e cívica do país. Explicava, tintim por tintim, as datas celebradas e, entre outras coisas, estabelecia o mito de Tiradentes como mártir da Independência.
Quanto ao 3 de maio, não convenceu. Com a Revolução de 1930 e o decreto 19.488, Getúlio Vargas, considerando que “com manifesta vantagem do trabalho nacional, podem e devem ser reduzidos os dias feriados”, extinguiu definitivamente a folga do descobrimento do Brasil.
De resto, já na comemoração dos 500 anos da efeméride, a própria ideia de descobrimento passou a ser questionada, de vez que se trata de uma noção que se origina na perspectiva do colonizador europeu.