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sábado 26 de dezembro de 2020 às 18:31h

Pandemia fechou fronteiras e afetou direito a migrar

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A frase é do artigo 13 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento histórico adotado pelas Nações Unidas (ONU) em 1948 e que delineou as prerrogativas básicas de uma pessoa, de qualquer pessoa, independentemente de sua origem, cor, etnia, religião ou classe social.

Ignorada sistematicamente em muitos países ao longo dos últimos 72 anos conforme o  jornal do Brasil, essa premissa se viu diante de uma barreira inédita em 2020: a pandemia do novo coronavírus, que levou governos mundo afora a fecharem fronteiras para conter um agente infeccioso que, até agora, segue incontrolável.

Segundo relatório da Organização Internacional para as Migrações (OIM), em meados de julho mais de 2,75 milhões de migrantes estavam “presos” no meio de suas viagens por causa da Covid-19, sem conseguir voltar para casa e muitas vezes com vistos e permissões de estadia vencidos.

Se as restrições a deslocamentos nacionais e internacionais se tornaram uma ação consagrada e amparada pela ciência para enfrentar a pandemia, há quem veja o uso da Covid-19 por governos como desculpa para impedir a entrada de refugiados e migrantes forçados, cujo direito de “procurar e de gozar asilo em outros países” é estabelecido no artigo 14 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

“Tanto migrantes voluntários como refugiados sofreram impactos na pandemia. Na fronteira dos Estado Unidos com o México, pessoas que antes ficavam esperando o pedido de refúgio ou migração, mas tinham uma resposta no horizonte, mesmo no governo Trump, hoje não têm horizonte. Estão lá e não sabem até quando vão esperar”, diz Luís Renato Vedovato, pesquisador associado do Observatório das Migrações em São Paulo, grupo ligado à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Já na América do Sul, o governo Bolsonaro proibiu a entrada de estrangeiros no Brasil por via terrestre, embora tenha ignorado a via aérea, reconhecidamente aquela por meio da qual o coronavírus se espalhou por quase todos os países do mundo.

Uma portaria de 12 de novembro ainda diz que o descumprimento da proibição pode causar a “inabilitação de pedido de refúgio”, trecho que mira sobretudo venezuelanos.

“O interessante é que o governo fechou a fronteira terrestre, mas não a aérea, e o vírus se dissemina mais na aérea do que na terrestre. A ideia talvez fosse fechar a fronteira para diminuir a pressão sobre o sistema de saúde, mas a conduta do governo federal até agora não é a de reconhecer a existência de uma pandemia que preocupe”, acrescenta Vedovato.

Itália

Na Itália, um dos países mais atingidos pela pandemia em todo o mundo, o número de chegadas de migrantes forçados e refugiados via Mediterrâneo cresceu quase 200% até 24 de dezembro de 2020 (11.439 em 2019 e 34.001 neste ano), mas isso se deve sobretudo ao aumento no contingente de tunisianos, já que ONGs sofreram severas restrições para operar no mar.

Segundo o Ministério do Interior italiano, a Tunísia, que fica a pouco mais de 100 quilômetros da ilha de Lampedusa em linha reta, responde por quase 40% dos desembarques de migrantes forçados no país europeu em 2020, contra 23% em 2019.

Por outro lado, as ONGs que atuam no Mediterrâneo reclamam de restrições impostas pelo governo da Itália durante a pandemia. “No período de lockdown [março a maio], paramos todas as nossas operações. Utilizamos aquele tempo para criar protocolos de contenção para continuar fazendo socorro no mar. Infelizmente, ações de nível institucional não ajudaram, e algumas atrapalharam ainda mais”, diz à ANSA Giorgia Linardi, porta-voz da entidade alemã Sea Watch na Itália.

Em 7 de abril, um decreto do governo estabeleceu que os portos italianos não podiam mais ser enquadrados como “lugares seguros” para náufragos – convenções internacionais determinam que uma missão de resgate marítimo é concluída somente com o desembarque dos sobreviventes no porto seguro mais próximo, função que, por questões geográficas, recai sobretudo em Itália e Malta no Mediterrâneo Central.

“O decreto de 7 de abril é um emblema do uso da pandemia como desculpa”, afirma Linardi. Além disso, o governo passou a colocar migrantes, refugiados e tripulantes de navios de ONGs em quarentena obrigatória de 14 dias após missões de socorro.

“Nenhum outro tipo de navio teve de fazer quarentena ao entrar na Itália”, ressalta a porta-voz da Sea Watch, acrescentando que, na visão da entidade, o país também nunca deixou de ter os requisitos para ser considerado “porto seguro”.

A quarentena obrigatória é realizada em balsas comerciais alugadas pelo governo italiano justamente para esse fim. Para a ONG, essa prática comporta uma limitação do direito à liberdade de movimento, já que é aplicada exclusivamente em migrantes e refugiados salvos no mar. “Teria sido possível organizar o acolhimento em terra”, diz Linardi.

A Sea Watch voltou ao mar em junho, logo após o fim do lockdown, mas fez uma única missão com o navio Sea Watch 3, que acabou apreendido pela Guarda Costeira italiana. Já a embarcação Sea Watch 4 foi interditada pelas autoridades em setembro.

O argumento da Guarda Costeira é de que esses navios apresentam “diversas irregularidades de natureza técnica e operacional que comprometem a segurança da tripulação e das pessoas resgatadas a bordo”.

No entanto, de acordo com Linardi, as autoridades italianas cobram um certificado para operar em áreas “SAR” (sigla em inglês para “busca e salvamento”), algo que não é exigido na Alemanha, país de origem da ONG. “A Itália se esquece ou decidiu não considerar que nossos navios têm bandeira estrangeira, então não estão sujeitos à jurisdição de outro país”, diz a porta-voz.

Outras entidades, como a SOS Méditerranée, enfrentaram o mesmo problema: o navio Ocean Viking ficou cinco meses apreendido na Sicília e só recebeu autorização para voltar ao mar em 21 de dezembro.

“As nossas equipes trabalharam dia e noite para que o navio pudesse zarpar e salvar vidas novamente. Enquanto isso, centenas de pessoas morreram no mar. […] Repentinamente, os navios de ONGs não são mais considerados suficientemente seguros pelas autoridades italianas”, comentou Frédéric Penard, diretor de operações da SOS Méditerranée, em nota oficial.

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