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quarta-feira 23 de setembro de 2020 às 14:45h

Meio ambiente domina debates na primeira sessão plenária do Senado desde o começo da pandemia

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O debate sobre o meio ambiente dominou a primeira sessão semipresencial realizada no Plenário em seis meses, desde o início da pandemia de covid-19. Nesta última terça-feira (22), enquanto os senadores votavam indicações de autoridades, a preservação dos biomas da Amazônia e do Pantanal foi tratada por senadores de diversos partidos, que comentaram as queimadas que atingem essas regiões e o discurso do presidente da República, Jair Bolsonaro, na assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU), feito pela manhã.

A fala de Bolsonaro — segundo o qual o Brasil é exemplo para o mundo na questão ambiental, o governo tem “tolerância zero com o crime ambiental” e os incêndios na floresta acontecem em áreas já desmatadas, onde “índios e caboclos queimam seus roçados em busca de sobrevivência” — repercutiu no Plenário.

A senadora Rose de Freitas (Podemos-ES) foi a primeira a abordar o assunto. Ela pediu ações “concretas e imediatas” para combater as causas de desmatamento e queimadas no bioma amazônico.

— Os números transpassam a capacidade daqueles que insistem em não ver, em teimar, em minimizar o problema da região amazônica, alvo de todos os debates na ONU. Nós estamos trazendo dados cristalinos em relação a tudo que se passa — afirmou a senadora, destacando os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) segundo os quais em agosto foram identificados 29.307 focos de incêndio na Amazônia, o segundo maior número para o período em uma década, perdendo apenas para o ano passado.

Rose de Freitas disse que não há como fiscalizar a região com o “efetivo mínimo” lá colocado e a redução do número de viaturas e helicópteros a serviço do Ibama. Para a senadora, falta gestão, orçamento, logística, autonomia dos órgãos de fiscalização e  monitoramento para controlar o desmatamento.

Compensações

A senadora Kátia Abreu (PP-TO) também criticou o discurso de Bolsonaro. A senadora observou que os países da Europa, responsáveis pelo consumo de 30% das exportações brasileiras de alimentos, têm compromisso com a preservação ambiental e, no seu entendimento, o governo brasileiro está dando motivos aos que se opõem ao acordo comercial com o Mercosul.

— Todos precisam entender, cansei de falar isto na CNA [Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil], quando a presidi por vários anos seguidos: esta é uma bandeira universal, não adiantar lutar contra ela. O meio ambiente é uma preocupação de toda a população mundial. Não é mais uma bandeira de meia dúzia de ambientalistas, é uma bandeira deles, mas é uma bandeira dos pobres, dos ricos, dos negros, dos brancos. E nós temos que compreender e aceitar essa decisão da população mundial, que está preocupada com a saúde, sim, do nosso planeta — afirmou.

Para Kátia Abreu, é preciso trabalhar no sentido de obter dos países ricos o pagamento de compensações pelos serviços ambientais prestados pelo Brasil, mas isso não vai acontecer com “rompantes demagógicos”.

— Queremos é trabalhar para que os países ricos do mundo possam nos compensar, possam nos pagar pelos benefícios que nós trazemos ao meio ambiente, mesmo fazendo uma das maiores agriculturas do planeta Terra. É a maior agricultura tropical do planeta Terra! E nós conseguimos isso com muito esforço e empenho da Embrapa, da pesquisa das universidades federais do Brasil, dos produtores rurais. E nós não podemos jogar isso no lixo apenas com rompantes demagógicos.

O senador Otto Alencar (PSD-BA) afirmou que o discurso de Bolsonaro é de um “negacionismo muito grande”, no que classificou como um dos “piores momentos” do presidente da República.

— Será que não é verdade, senhor presidente, que já se levou, com o fogo, 20% do Pantanal, que significam 2 milhões de hectares queimados? Será que não é verdade que a Floresta Amazônica perdeu grande parte das suas árvores centenárias por queimadas criminosas e irresponsáveis? Como o presidente pode dizer que o meio ambiente, no seu governo, está sendo respeitado? Absolutamente não — disse o senador.

Pantanal

Presidente da comissão temporária externa responsável por acompanhar o combate aos incêndios no Pantanal, o senador Welllington Fagundes (PL-MT) relatou a situação encontrada pelos senadores no último sábado (19), quando visitaram a região, passando pela Estrada Transpantaneira.

— O que vimos lá é uma situação extrema, um prejuízo incalculável para esse bioma, que é um Patrimônio da Humanidade. Por isso, é preciso, infelizmente, reconhecer que a situação registrada mostra que se perdeu o controle. Ficou muito claro que faltou planejamento e que as decisões foram tardias. Agora, ontem ou anteontem, é que o governo do estado de Mato Grosso chamou a Força Nacional. Na semana passada é que foi decretado estado de calamidade. Portanto, as decisões estão sendo muito lentas. E o Brasil, lamentavelmente, seguiu a triste tradição de ser falho quando o assunto é planejamento. É uma dura verdade que precisamos mudar — afirmou o senador.

Para ele, se não houver uma mobilização do país, há o risco de o bioma ser totalmente destruído. Ele lembrou que os Estados Unidos gastaram bilhões de dólares para recuperar as áreas alagadas da Flórida, que não passam de 10% do tamanho do Pantanal.

— Se não houver assistência pessoal, de ir lá orientar com técnica, com pesquisa, com cientistas, o Pantanal poderá acabar. E não é isso que a gente quer. Por isso, nós temos que ouvir a todos, incluindo, é claro, as autoridades governamentais. Isso será fundamental para construirmos o estatuto do Pantanal, nosso maior desafio neste momento — disse o senador, lembrando que o “homem pantaneiro” está na região há séculos em harmonia com o meio ambiente, mas o quadro tem se transformado nos últimos anos.

O senador Jayme Campos (DEM-MT) reforçou o relato de Wellington Fagundes. Segundo ele, há milhares de pessoas impossibilitadas até mesmo de buscar seu alimento, de pescar, pois a fumaça dos incêndios no Pantanal está impedindo por completo a visibilidade.

—  A questão ambiental é mais grave do que vocês esperam. Ela vai prejudicar não só o ser humano, nas doenças que estão afetando milhares e milhões de brasileiros, como também as atividades econômicas. Lá houve uma verdadeira devastação. Os pecuaristas estão quebrados; a rede hoteleira, as pousadas, quebradas. E chegou o momento de nos preocuparmos com o futuro, porque o passado já foi. Não adianta querermos remover os cadáveres aqui. Eu vi ali a tragédia — não estão preocupados! — dos milhares de animais que morreram ali e estão na planície. Qual a destinação que vai dar? Não há nenhum inventário de quantos mil, milhares de cadáveres há ali de jacaré, de onça, de lontra, de anta etc. Ninguém sabe (…). Os órgãos ambientais ficaram bem aquém da participação ali. Lamentavelmente, o Brasil tem que se preocupar agora em criar uma força nacional na preservação, sobretudo para a Amazônia brasileira, para o Pantanal. Caso contrário, não sabemos o que vai acontecer neste país, nessa região, que vai ser uma tragédia talvez incalculável, jamais vista no planeta — afirmou o senador.

Os senadores Rogério Carvalho (PT-SE) e Esperidião Amin (PP-SC) se disseram comovidos pelo relato de Jayme Campos e pediram união do Congresso para proteger o patrimônio natural do país.

— Se esta consciência não for capaz de nos unir e nos mover, não vale a pena que o Parlamento pretenda representar o Brasil — disse Amin.

Mais cedo, em reunião na Comissão de Constituição e Justiça, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) sublinhou a dimensão dos incêndios que atingiram o bioma.

— Nunca vimos uma seca como essa, nunca vimos uma devastação que já atingiu mais de 20% do nosso bioma. O que nós presenciamos é muito mais do que uma comoção, veio também junto com isso uma indignação pois, há tanto tempo com uma tragédia anunciada, nós não tínhamos e não conseguimos fazer ações preventivas — lamentou Simone Tebet, dizendo esperar que a catástrofe ao menos possa levar ambientalistas e agronegócio ao diálogo e à união de esforços pela preservação do Pantanal.

“Complexo de colonizado”

Já para o senador Plínio Valério (PSDB-AM), o Brasil não deve “pedir desculpas” por produzir alimentos e o presidente da República acertou no pronunciamento na ONU por não aceitar o “complexo de colonizado”. O senador disse que Bolsonaro sofre uma “campanha sórdida” e não é responsável pelos incêndios que atingem a Amazônia e o Pantanal. E criticou ONGs ambientalistas e países ricos, como a Noruega e a Alemanha, que “dão esmolas” para o Brasil.

— Queriam que o presidente fosse na ONU dizer o quê? Que nós somos coitadinhos, aceitar as nódoas ambientais que querem nos impor, a pecha de criminosos ambientais que querem nos impor? O presidente foi lá e disse o quê? Que está sofrendo a campanha mais sórdida que um presidente sofre nessa questão da Amazônia — afirmou Plínio Valério, sublinhando que não é da base do governo, nem bolsonarista.

O senador afirmou ser preciso colocar em primeiro lugar a subsistência da população, que tem dificuldade até para comprar cestas básicas. “Manaus tem hoje 40 mil índios vivendo em condições subumanas”, disse, ao passo que, no estado do Amazonas, 96% da floresta são preservados.

— O Brasil alimenta o mundo. O Brasil alimenta o mundo e a gente tem que pedir desculpas! Onde é que eles vão comprar comida? Onde é que eles vão comprar comida se não têm um palmo de terra para plantar? Não têm. E a gente fica com medo: ah, não vão comprar a nossa carne, o nosso suco. Balela! Eles não têm onde comprar comida, eles não têm terra para plantar, eles não têm água para regar, não têm o sol para equilibrar e nós temos. E eu sou coitadinho? Eu não sou coitadinho — declarou.

O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) reforçou os elogios ao discurso do presidente.

— Um discurso excepcional, um dos melhores que eu já o vi fazer. Acho que melhor do que esse só quando ele fez pela primeira vez na ONU. Um discurso disruptivo, inovador e corajoso, mas que reflete o resultado das urnas. A política externa reflete o que eleitor falou nas urnas. Mudou o eixo. E o mundo se faz de parcerias, a geopolítica se faz de parcerias — declarou.

Flávio Bolsonaro relatou ter visitado recentemente o Rio Negro, no estado do Amazonas, tendo se encontrado com índios e ribeirinhos. Ele também aplaudiu o discurso de Plínio, dizendo que a política do governo federal mudou com Bolsonaro na Presidência da República.

— Para tirar a população ribeirinha e indígena da condição de semiescravidão, da condição de ser contemplada como se animal de zoológico fosse, para ser igualada, no mínimo, à nossa condição de ser humano, que quer viver do turismo, que quer que o gringo venha lá de fora e traga os seus milhares de dólares por pessoa para levar comida para a mesa dele. Vi muitos indígenas falando inglês, senador Plínio, ribeirinhos falando inglês para poderem bem receber o estrangeiro. Nos passeios que são feitos em barcos de turismo, mais de 90% são de americanos, europeus e canadenses. O brasileiro não vai porque não conhece. Lá está a retomada da nossa economia, nesse segmento — afirmou Flávio Bolsonaro.

“Torcida contra”

O senador Lucas Barreto (PSD-AP) também manifestou apoio ao discurso do presidente da República.

— Ninguém preserva nada se não estiver dando lucro. E eu acho que a palavra que tem que se falar não é preservar: é conservar, é usar racionalmente esse recurso público. Eu vou dar um exemplo do Amapá. Nós temos lá na costa do Amapá — eles dizem que é o grande prêmio — a maior reserva de petróleo e de gás do mundo, e o nosso Ibama não deu autorização, desistiu de explorar o petróleo — declarou.

Na mesma linha, o senador Zequinha Marinho (PSC-PA) aplaudiu a fala de Bolsonaro na ONU.

— Lamento que até o próprio brasileiro de outras regiões critique e torça contra. A Amazônia tem entre 24 e 25 milhões de habitantes e 56% do território nacional. A população do resto do Brasil e de fora do Brasil não se preocupa com como essa população vive. Todo mundo sabe da dificuldade do saneamento básico nessa região, há doenças de toda ordem e de toda natureza em função disso. E lá nada se pode: não pode, não pode, não pode, não pode!

Para o senador Eduardo Braga (MDB-AM), a Zona Franca de Manaus é “o maior programa de preservação ambiental do mundo”. Caso não existisse, continuou, “4 milhões de pessoas morreriam de fome para manter a floresta em pé”.

— Agora, esta compensação que é a Zona Franca de Manaus não basta em si mesma. Caso contrário, nós veremos aqui não um depoimento desesperado sobre o que acontece no Pantanal, mas nós veremos um depoimento desesperado do que acontecerá quando os amazonenses, que não são poucos não, imaginem um exército de 4 milhões de pessoas… É o que pode acontecer se o Brasil não prestar atenção no Amazonas e na Amazônia — afirmou Eduardo Braga.

Ele pediu que o governo mantenha o apoio à Zona Franca, lembrando que a equipe econômica já manifestou a intenção de cortar os subsídios à região.

— O que está acontecendo neste momento no Pantanal dói, sangra o coração de todos nós, mas é graças ao Centro-Oeste que o Brasil é o maior produtor de soja do mundo. É graças ao Centro-Oeste que o agronegócio se transformou no que se transformou! Mas sem a Floresta Amazônica, o clima não seria o mesmo. Não teríamos esperanças sequer de que a chuva iria chegar para apagar o incêndio no Mato Grosso.

Já a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) disse ser preciso ouvir a população pantaneira. Integrante da comissão externa encarregada de acompanhar o combate aos incêndios no bioma, ela leu manifesto da Sociedade de Defesa do Pantanal, criada em 1985. No texto a associação “repudia toda e qualquer tentativa de imputar a culpa pelos atuais incêndios aos pantaneiros ou, como comumente dito por especialistas de plantão, fazendeiros ou ribeirinhos da região, que, em verdade, são as maiores vítimas dessa tragédia, seja pela destruição do seu patrimônio, consumido pelas chamas; seja pela destruição de sua reputação, massacrada pela mídia; seja pelas restrições legais e econômicas, impostas por novas políticas ideológicas e de cunho eleitoreiro, que em nada beneficiam o homem, a fauna e flora do Pantanal”.

“Estágios de destruição”

Para o senador Jean Paul Prates (PT-RN), há um falso dilema entre preservar o meio ambiente e explorar economicamente a região. A seu ver, o tom nacionalista adotado pelo governo diante das queimadas que atingem a Amazônia e o Pantanal tira o foco do problema, que é o de impedir a devastação ambiental.

— Parece que nós somos uma republiqueta das bananas sendo atacada por forças internacionais intransponíveis, incombatíveis, que não temos soberania alguma, não podemos fazer nada, e as ONGs internacionais estão queimando a Amazônia e o Pantanal. Ora, poxa, vamos tomar cuidado também nós todos! Nós todos — eu não digo isso só como pessoa da oposição, digo por todos os senadores —, para não cairmos em embuste de governo que não sabe o que fazer com a Amazônia e com o Pantanal — disse Jean Prates, para quem o Brasil não precisa passar por “estágios de destruição” pelos quais outros países passaram.

O senador afirmou que o Congresso é soberano para tratar de “conciliar sustentabilidade e suporte social”. Para ele, não se trata de um “dilema pueril” sobre derrubar uma árvore para subsistência ou não, mas sim frear a destruição desses biomas.

— Esses patrimônios estão queimando, e a gente está entrando em uma conversinha de que forças internacionais querem isso, que vão dominar a Amazônia. E não estamos tratando do cerne da questão, que é este: o que fazer para evitar que isso aconteça? Por que isso está acontecendo agora e não estava acontecendo antes? Essa é a questão — declarou.

Para o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), o combate aos incêndios florestais exige não apenas maior consciência e educação ambiental, mas também punição aos crimes ambientais.

— De fato, as queimadas têm sido recorrentes. No estado de Minas Gerais também são recorrentes. É preciso ter uma reflexão não só sob o ponto de vista de consciência ambiental e de educação ambiental, mas também sob o ponto de vista de leis penais. Eu, como relator do Novo Código Penal, em trâmite no Senado da República, terei todo o cuidado de identificar a tipificação de condutas que sejam adequadas para inibir essa prática, que tem gerado tantos danos à vida nacional e ao meio ambiente do Brasil — afirmou Pacheco.

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