Há cerca de 65 mil anos, os primeiros humanos chegaram à Austrália. Desde então, os aborígenes do país formam algumas das etnias mais ancestrais da humanidade, isoladas por milhares de anos de outros povos até a chegada dos europeus no século 17.
Mas o quanto os costumes e as tradições desses povos mudaram ao longo do tempo? Quão parecidas são essas culturas com as de seus ancestrais? Como os indígenas australianos não deixaram registros escritos, é difícil saber.
Um novo estudo, porém, encontrou provas de que uma tradição moderna entre uma etnia aborígene já era praticada há cerca de 12 mil anos, no fim da última era glacial, fazendo da cultura GunaiKurnai a mais antiga ainda viva – transmitida de pais para filhos ao longo de 500 gerações.
Arqueólogos fizeram a descoberta ao escavar a caverna Cloggs, localizada no estado australiano de Victoria. Os cientistas, ligados a várias universidades australianas, foram guiados no trabalho por Russell Mullett, um ancião do povo nativo GunaiKurnai.
Durante a escavação, os pesquisadores encontraram duas pequenas fogueiras enterradas embaixo de camadas de sedimentos. Em cada uma delas havia um único pedaço de madeira e uma pequena porção de cinzas.
Não havia nenhum sinal de restos de comida nas fogueiras, sugerindo que elas não foram usadas para cozinhar alimentos. Os pedaços de madeira tinham sido manipulados por humanos, para tirar galhinhos adjacentes e deixá-los retos.
Análises microscópicas em laboratório mostraram que o pedaço de madeira estava coberto numa camada de gordura animal. Era um galho de uma árvore do gênero Casuarina, nativa da Oceania.
Usando datação por radiocarbono, os cientistas descobriram que uma das fogueiras tinha 11 mil anos. A outra era ainda mais antiga: foi feita há 12 mil anos, bem no fimzinho da última era glacial.
E a datação foi a grande surpresa. Isso porque as fogueiras não eram estranhas: elas representavam um tipo de ritual conhecido dos pesquisadores.
Em 1887, o antropólogo australiano Alfred Howitt descreveu o passo a passo desse mesmo ritual que ele presenciara. Era uma sessão de cura comandada por um mulla-mullung, um curandeiro ou curandeira do povo GunaiKurnai. No ritual, um pedaço de madeira da árvore Casuarina era besuntado com gordura de canguru e colocado na fogueira juntamente com penas de pássaros enquanto o curandeiro cantava cantos sagrados.
Os achados arqueológicos mostram que esse mesmo ritual já era realizado há 12 mil anos, dessa mesma maneira. A cultura se manteve viva, então, por 500 gerações, passada oralmente de pais para filhos.
Não há nenhuma outra prova arqueológica de alguma tradição ou ritual que tenha sobrevivido da mesma maneira por tanto tempo no mundo, fazendo da cultura a GunaiKurnai a mais antiga ainda viva.
Os GunaiKurnai tentaram resistir aos invasores europeus e foram quase dizimados pelos colonizadores. Hoje, há apenas três mil representantes do povo, e poucos falam fluentemente a língua nativa.
O estudo foi publicado na revista Nature Human Behaviour.