A pequena casta de servidores públicos que ganha acima do teto do funcionalismo – atualmente em R$ 41,6 mil mensais – custa R$ 3,9 bilhões por ano aos cofres da União, Estados e municípios.
No ano passado, segundo matéria publicada por Bianaca Lima, do jornal O Estado de S. Paulo, 25,3 mil pessoas faziam parte desse grupo seleto, o que representa 0,23% dos servidores estatutários, aqueles que foram aprovados em concurso e têm estabilidade no cargo.
Apesar do número ínfimo, o impacto nos orçamentos públicos é relevante. A cifra bilionária – que considera os dados de 2022, quando o teto era de R$ 39,3 mil – supera, por exemplo, a verba prevista neste ano para o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, que soma R$ 3,5 bilhões.
A maior parte do gasto está concentrada nos Estados (R$ 2,54 bilhões, cerca de 60%), seguidos da União (R$ 900 milhões) e dos municípios (R$ 440 milhões).
Os números foram compilados pelo Centro de Liderança Pública (CLP), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua) de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). No documento, o CLP ressalva que parte dos valores extra-teto são referentes a indenizações legítimas, mas aponta que, mesmo excluindo esses montantes, o impacto anual superaria os R$ 3 bilhões.
Segundo o levantamento, o valor máximo recebido por um servidor, em 2022, foi de R$ 302,2 mil mensais – cifra quase oito vezes o teto vigente à época e 54 vezes o salário médio de um funcionário público no País, que no ano passado somava R$ 5,6 mil.
“Isso mostra o quanto o Estado brasileiro ainda tem de gordura do ponto de vista de despesa e a importância de uma reforma administrativa”, afirma Tadeu Barros, presidente do CLP. “Sabemos que é impossível discutir duas reformas ao mesmo tempo e que o foco, agora, é a tributária, mas gostaríamos que o assunto estivesse na agenda e voltasse ao radar.”
Em 2021, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto que tem o objetivo de combater os supersalários de agentes públicos, já que limita o pagamento de auxílios que hoje driblam o teto constitucional. O texto, porém, está há dois anos parado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, à espera de um relator.
“Se a matéria tivesse sido aprovada logo na sequência, quase R$ 8 bilhões poderiam ter sido economizados nesse período”, diz Barros, que lembra que o governo está em busca de verbas para garantir o equilíbrio fiscal e zerar o rombo das contas públicas no ano que vem.
Penduricalhos multiplicam salários
O teto do funcionalismo público está inserido na Constituição, mas acaba sendo driblado com frequência. Isso porque os salários são inflados por uma série de “penduricalhos” – benefícios que se somam ao valor da remuneração.
Em maio deste ano, por exemplo, o procurador-geral da República, Augusto Aras, definiu as regras para liberar um novo benefício que pode aumentar o salário de integrantes do Ministério Público da União (MPU) em R$ 11 mil. O caso foi revelado pelo Estadão.
Os procuradores terão compensação pelo chamado “acúmulo de acervo processual, procedimental ou administrativo”, mesmo quando estiverem em férias, licença ou recesso e afastados para atuar em associações de classe. A cada três dias trabalhados, eles ganharão um de folga, que poderá ser revertido em indenização. Um procurador da República tem salário de R$ 33,7 mil.
“Se você tem um teto constitucional, ele deveria ser aplicado. O que acontece, hoje, é que muitas verbas remuneratórias acabam sendo classificadas como indenizatórias exatamente para burlar esse limite”, afirma Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil. Procurado, o MPF não respondeu.
Em outro exemplo, a Justiça de Minas Gerais liberou a juízes e promotores um auxílio-creche retroativo de até R$ 57 mil por filho – valor que deve ficar ainda maior, já que as resoluções preveem que será acrescido de juros e correção monetária. Procurado, o Tribunal de Justiça de MG afirmou que ainda não há previsão de número de magistrados que receberão o benefício, mas que já é possível adiantar que a medida alcançará um “porcentual baixo”.
“Essas verbas (extra-teto) acabam fomentando a desigualdade dentro do funcionalismo público, quando poderiam estar sendo usadas exatamente no sentido oposto: reduzir as desigualdades em todo o País, além de ajudar no equilíbrio fiscal”, diz Marina.