A funcionalidade, ainda em fase de testes internos, foi apresentada a seis representantes de setores estratégicos no Brasil em uma videoconferência, em 9 de dezembro. Um dos objetivos é tornar o aplicativo mais parecido com o Discord (usado para interação entre gamers) e o Telegram, visto com preocupação pela Justiça Eleitoral pela ausência de barreiras — não há limite para número de inscritos em canais, por exemplo.
A novidade, segundo relataram os especialistas presentes no encontro, deve incluir no WhatsApp “comunidades” compostas por diversos grupos, por meio das quais administradores conseguiriam maior alcance na circulação de mensagens ao operar como um “grupo de grupos” — os estudos estão em andamento, e a empresa não detalha qual será o limite de participantes. Hoje, tanto nos grupos quanto nas listas de transmissão — as duas formas possíveis de alcançar mais de um usuário com um disparo —, a capacidade é limitada a 256 pessoas.
A circulação em massa de mensagens com conteúdos falsos, especialmente em ambientes fechados, como o WhatsApp, foi apontada como um fator grave da eleição de 2018, o que levou autoridades a se mobilizarem para evitar o mesmo cenário este ano. No julgamento da ação que pedia a cassação da chapa que uniu o presidente Jair Bolsonaro e o vice, Hamilton Mourão, sob a acusação de disparos em massa, o ministro Alexandre de Moraes, que presidirá o TSE ao longo do processo eleitoral, foi direto ao tratar do assunto:
— Se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado, e as pessoas vão para a cadeia.
O GLOBO conversou com três participantes do encontro, marcado por meio de uma empresa de pesquisa de mercado, e dois deles manifestaram preocupação com a hipótese da implementação de um recurso que pode turbinar a circulação de desinformação. O WhatsApp está presente em 99% dos smartphones no Brasil, segundo levantamento da Opinion Box, e figura como a principal fonte de informação dos brasileiros, de acordo com pesquisa realizada pelo Congresso em 2019.
O Telegram, que estava em 53% dos aparelhos em agosto de 2021 (o índice era de 15% três anos antes), tem uma filosofia de mínima moderação e possibilidade de compartilhamento irrestrito de mensagens e, por isso, virou terreno fértil não apenas para desinformação. Como o GLOBO mostrou, a plataforma abriga grupos que negociam venda de armamentos e distribuição de pornografia infantil e vídeos de tortura e execuções. Não há representação no Brasil, o que tira a plataforma do alcance da Justiça.
“Recurso a ser evitado”
Para os técnicos ouvidos pelo jornal O Globo, a nova funcionalidade do WhatsApp vai na contramão da postura adotada pelo aplicativo nos últimos anos, quando restringiu o compartilhamento de mensagens encaminhadas mais de cinco vezes — uma resposta a eventos que provocaram danos à reputação, como os disparos em massa no Brasil e correntes falsas que desembocaram em violência na Índia.
Também ouvidos pelo jornal, especialistas que não participaram do encontro reforçaram o temor acerca dos riscos ao processo eleitoral. Marco Aurélio Ruediger, diretor de Análise de Políticas Públicas da FGV, critica o projeto em desenvolvimento e cobra maior responsabilização das plataformas digitais:
— Esse recurso não deve ser evitado apenas durante a eleição, mas sempre, porque impulsiona informações que geram polarização e descrédito informacional da sociedade.
Coordenadora do Laboratório de Pesquisa em Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), Raquel Recuero afirma que ambientes fechados tendem a radicalizar mais os usuários ao fazer com que percam contato com o contraditório. Por isso, avalia, aumentar a circulação de mensagens no WhatsApp pode levar a um processo de polarização difícil de reverter:
— Pessoas tendem a dar mais crédito a informações que venham de gente do seu convívio, com quem se comunicam essencialmente pelo WhatsApp. E esse é o risco, porque você exclui as pessoas do debate público e as alimenta com desinformação.
Para Bruna Martins dos Santos, pesquisadora visitante no WZB Berlin Social Science Center e membro da Coalizão Direitos na Rede, trata-se de um movimento concorrencial do WhatsApp para reconquistar usuários que migraram para o Telegram:
— A funcionalidade acende alerta, sim, mas vale ponderar que hoje em dia uma plataforma como o WhatsApp está mais adaptada ao cenário jurídico brasileiro, tem seus representantes no país.
“Impedir desinformação”
O WhatsApp estuda também permitir aos administradores dessas “comunidades” uma maior moderação de conteúdo, como o poder de excluir mensagens e banir membros, algo já existente no Telegram.
Procurado, o WhatsApp não confirma que a ferramenta será lançada e diz que “conduz pesquisas regularmente com seus usuários, especialistas em tecnologia e acadêmicos para avaliar funcionalidades, que podem ou não ser introduzidas”. Ao GLOBO, Dario Durigan, head de Políticas Públicas para o WhatsApp na Meta Brasil, declarou que a empresa “leva muito a sério sua responsabilidade em ajudar a impedir o compartilhamento de desinformação”:
— O WhatsApp trabalha de forma próxima com organizações de checagem de fatos, especialistas da sociedade civil e autoridades eleitorais para combater e reduzir o compartilhamento de desinformação, e apoiar a integridade de processos eleitorais.