“Conja do Sergio Moro” e “lavajatista em São Paulo”, Rosângela Moro (União Brasil) colocou seu nome em letras miúdas nas bandeiras que seus apoiadores carregam pelas ruas da capital paulista. O protagonista é o sobrenome, tanto nos materiais de campanha quanto no horário eleitoral —quando o ex-juiz da Lava Jato aparece e pede votos do eleitor para a mulher, candidata a deputada federal por São Paulo.
Assim como Rosângela, outras mulheres têm os respectivos maridos como padrinhos nas eleições. Muitos deles, aparecem e falam no curto espaço destinado aos candidatos a cargos no legislativo na propaganda eleitoral.
São os casos de Flávia Franchiscini (União Brasil), Séfora Mota (Podemos) e Nereide Pedregal (Avante), que usaram a estratégia em suas campanhas no Paraná, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, respectivamente.
No Ceará, a esposa do candidato ao governo do estado, Capitão Wagner (União Brasil), adotou um nome na propaganda e na urna para não deixar dúvidas da relação com o marido. Virou Dayany Do Capitão.
O fenômeno chama a atenção no ano em que houve recorde no número de candidatas. São 33,4% do total de postulantes.
“O apadrinhamento masculino é uma das principais estratégias discursivas das campanhas eleitorais das mulheres”, afirma a cientista política Mércia Alves.
Esse recurso, comum no universo político, captura o prestígio de uma liderança conhecida do público e transfere valores como confiabilidade e competência a um estreante.
“Mulheres não são naturalmente vistas como capacitadas para atuar em espaços de poder”, diz Alves. Tal raciocínio tem raiz na ideia de que as mulheres pertencem ao espaço privado e representam o sentimento, enquanto os homens atuam no espaço público com a razão.
Cientes da presença desses estereótipos na sociedade brasileira, as campanhas mobilizam símbolos conhecidos do público, como o de esposa.
Rosângela lançou-se ao público em 2016, com a página “Eu MORO com ele”, no Facebook. Por ali, a advogada agradecia manifestações de apoio que o então juiz recebia.
Nas redes sociais, diz que viveu a Lava Jato dentro da sua casa e faz brincadeiras como “ping pong dos conjos”, em que fala curiosidades do relacionamento com Moro. O atual candidato ao Senado pelo Paraná também ia concorrer por São Paulo, mas teve sua candidatura barrada pelo Tribunal Regional Eleitoral do estado.
“Se um marido ajudando sua esposa é machismo, uma esposa ajudando seu marido é o quê?”, perguntou ela, quando questionada sobre o assunto. “Ele é um entusiasta de meus projetos e luta ao meu lado para que se concretizem. Isso não é e nunca deve ser machismo. É incentivo e amor.”
Levantamento do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) mostra que, no pleito de 2018, 172 pessoas com parentesco político foram eleitas para a Câmara dos Deputados. Dentre os homens eleitos, 33% tinham familiares políticos, contra 36% das mulheres eleitas.
A grande diferença está no grau de parentesco. Apenas 8% dos homens com parentesco político eleitos tinham uma companheira que também atuava na vida pública, número que salta para 54% em relação às mulheres.
A baixa presença feminina na política brasileira explica parte dessa discrepância. Em 2018, as mulheres ocuparam apenas 15% das cadeiras na Câmara dos Deputados e, ainda hoje, são minoria no alto escalão de governos de distintas ideologias. Em 2020, só uma mulher foi eleita na prefeitura de uma capital.
As cotas eleitorais de gênero foram criadas para corrigir essa distorção. Desde 2018, os partidos precisam distribuir o fundo eleitoral proporcionalmente ao número de candidatas que lançarem —ao menos 30%. Os partidos, no entanto, descumpriram a regra este ano.
“Os homens também vêm de família política, mas eles seguem vários caminhos para chegar à cadeira. O impacto da família parece ser maior para as mulheres do que para os homens”, afirma a cientista política Danusa Marques.
A pesquisadora estudou capital familiar e política em seu doutorado, em 2012. Ela analisa que, entre os homens, é mais comum a passagem do bastão: um pai ou avô, por exemplo, apadrinhando o filho ou neto.
Em relação às mulheres, o apadrinhamento está mais ligado ao aumento da influência do político. Decidir concorrer ao Senado, por exemplo, e tentar eleger a mulher na vaga que deixou na Câmara.
Apesar disso, essas mulheres não seriam, necessariamente, “enviadas”.
“Isso não significa que a pessoa vai ser um pau mandado. É possível ter apoio de alguém e seguir a sua trajetória política”, afirma.
Se eleita para a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, Séfora Mota (Podemos) diz que seu marido, o apresentador de TV Alexandre, não vai ter interferência alguma em seu mandato.
“Como nunca teve”, diz, rindo. “O meu mandato é sempre meu. Não tem partido que manda, não tem homem que manda, não tem nada. Isso é uma questão muito cara para mim.”
Séfora concorreu à Câmara dos Vereadores de Porto Alegre em 2012 pelo Republicanos, quando não atingiu o número suficiente de votos. Na época, ela diz que a sua candidatura foi providencial para a sigla, que planejava lançar o apresentador como candidato no futuro.
Seu marido, porém, nunca concretizou o plano de entrar na política, mas ela diz que se apaixonou pelo ofício quando assumiu o mandato de José Freitas (Republicanos), de quem era suplente.
Mãe de uma criança autista, Séfora levanta a bandeira da inclusão das pessoas com deficiência e da maternidade atípica, como a dela.
Para vencer a eleição, ela está disposta a aparecer ao lado do marido. “Nós vivemos em uma sociedade machista. Eu sou feminista, mas eu não sou burra. Eu acho que a mulher tem que ocupar os espaços. Independentemente de como ela chega, ela tem que chegar”, afirma.
O apoio na campanha é permitido, mas há regras. A lei autoriza que apenas 25% do tempo seja ocupado por apoiadores em inserções e blocos de propaganda na TV ou no rádio. Em redes sociais, folhetos e bandeiras, não há limitação. Quem desrespeita a regra precisa apenas parar de veicular a peça —não há multa ou perda de tempo.
“Por isso, muitos candidatos correm o risco. A legislação não tem uma sanção que assusta”, explica Marcelo Weick, membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político).
Em uma de suas peças eleitorais, Séfora fala praticamente o mesmo tempo que o seu marido. Questionada, a candidata diz não ter calculado o tempo, e afirma que não recebeu nenhuma notificação até agora. “O jurídico orientou e aprovou a peça”, conta.
Adversários podem alegar, em alguns casos, que a propaganda confunde o eleitor em relação a quem é o candidato.
Em setembro, Flávia Francischini (União Brasil), que concorre a uma vaga na Assembleia Estadual do Paraná, precisou mudar o nome que apareceria na urna eletrônica. Ela gostaria de usar apenas o sobrenome, o mesmo do marido, Fernando, que teve o mandato de deputado estadual pelo Paraná cassado por divulgar desinformações sobre a urna eletrônica.
No seu horário eleitoral, ela segue usando apenas o sobrenome. “Preciso do seu voto para que a Flávia Francischini continue o nosso trabalho”, diz ele.
“Meu marido não está pedindo votos para mim, ele está afirmando que eu irei devolver às 427 mil vozes que foram silenciadas injustamente”, afirma Flávia.
No Rio, a voz do ex-deputado federal Antônio Pedregal, atual secretário de Envelhecimento Saudável no Governo do Rio, não é ouvida na propaganda da esposa Nereide (Avante), mas ele está lá.
O marido aparece calado atrás da ex-vereadora, que pede votos para se eleger deputada federal e, como diz, dar voz aos idosos em Brasília.
Procurada pela Folha, a assessoria do Avante disse não ter o contato da candidata e passou o do marido. Antônio Pedregal não atendeu.